por Luc Moullet
Sua obra-prima de três horas, A Mãe e a Puta, o converteu no
realizador mais influente da geração francesa pós-nouvelle vague, mas
Jean Eustache só alcançaria um amplo reconhecimento em 1982, após ter cometido
suicídio.
Devo ter conhecido Eustache por volta de 1962, nos escritórios dos Cahiers
du Cinéma. Eu tinha a impressão de que ele era a única das pessoas
presentes nesse lugar que não tinha absolutamente nada a ver com o cinema.
Todas as tardes, às dezoito horas, passava para buscar a sua namorada Jeanette,
a secretária da revista, partindo com ela em poucos minutos, mantendo por todo
esse tempo um ar de impenetrável reserva.
De modo que fiquei bastante surpreso ao ouvir que, meses depois, Eustache
acabava de rodar um média-metragem intitulado Les mauvaises
fréquentations (1963), e que havia ganho dois prêmios no Festival de
Cinema em 16 mm. de Evian. Honestamente, eu desconfiava dele, e esse salto
repentino à direção do “esposo de Jeanette”, esse sigiloso príncipe consorte,
parecia-me, no mínimo, estranho. Agora, olhando à distância, estou seguro de
que sua reserva nosCahiers se dava por certa timidez ao sentir-se
rodeado pelos já ilustres Truffaut, Godard, Rivette, incluso Rohmer, os pilares
da revista. Mas nessa época a impressão desfavorável influenciou em minha
postura crítica a respeito de Les mauvaises fréquentations. O filme
era uma descrição claramente naturalista de uma aventura sentimental que se
torna sórdida com uma festa nos arredores de Paris (no povoado de Robinson, uns
quilômetros ao sul da cidade, daí o outro título do filme: Du côté de
Robinson). “A vaidade não é mais que a superfície”, dizia a famosa sentença
de Pascal, e tal foi a minha reação ante um filme construído em torno de gente
muito medíocre. Mas a favor do filme estavam o seu rigor, a ausência de efeitos
fáceis, sua qualidade observadora, a precisão da banda sonora e a criação por
parte de Eustache de um ritmo que parecia coincidir com a realidade cotidiana.
Eustache fez grandes progressos com Le père
Noël a les yeux bleus (1966). É possível observar o mesmo cuidado na
reconstrução de um ambiente natural, desta vez Narbonne, no sudoeste francês,
uma das cidades natais de Eustache, junto de Pessac, próxima a Burdeos. O filme
tinha um aspecto provinciano, ligeiramente empobrecido, mas também um certo
calor, o dinamismo peculiar de Jean-Pierre Léaud, além de um toque ligeiro e
divertido. Também tinha um final grandioso, em que as palavras “au bordel” (ao
bordel) se repetiam inúmeras vezes, lembrando a seqüência final de Zero
de Conduta.
Ver como Eustache passava da ficção ao documentário foi surpreendente,
especialmente se levarmos em conta que a maioria dos cineastas segue na direção
contrária. Mas a linha que separa o documentário da ficção é tênue. A ficção,
em sua maior parte, está baseada na reprodução premeditada de algo visto
previamente, enquanto os documentários observam ostensivamente a realidade do
momento. O termo ‘documental’ é, em si mesmo, débil. Por exemplo: em La
rosière de Pessac (1968), Eustache nos apresenta uma espécie de
realidade composta. Volta à sua cidade natal e, com a permissão do prefeito,
filma a eleição da jovem mais virtuosa da comunidade. Mas a competição revela
as hipocrisias, incongruências e o ridículo geral que domina tais campanhas,
obsoletas no ano infame de 1968, justamente antes dos acontecimentos de
maio. La rosière de Pessac é um filme que faz rir quase todo
mundo, mas Eustache não faz nada para manipular os discursos ou comportamentos
dos políticos locais: o discurso do prefeito, com seus enormes despropósitos,
vai-se tornando cômico pouco a pouco. Ironicamente, carecendo de uma distância
necessária, o prefeito adorou o filme: era ele, de fato, um tanto excessivo
para julgar-se sensatamente (um belo exemplo da ambivalência implicada na
percepção da realidade, algo que permite muitas vezes a indivíduos distintos
apreciar um filme por razões completamente diferentes). A ambigüidade natural
de La rosière de Pessac é muito mais potente e menos
artificial que qualquer outra que pudesse ser concebida por um roteirista. O
filme de Eustache é um triunfo de um humor imperceptível e não manipulado.
A opção documental era também justificada pela economia: um filme de uma hora
de duração como La rosière poderia ser rodado em dois dias,
sem atores pagos. A pequena equipe de técnicos não fora contratada para toda a
duração da filmagem, mas apenas para o tempo real de trabalho. O custo foi de
35.000 francos, algo aproximado a 20.000 dólares hoje em dia. Uma vez que os
cineastas independentes raramente recebiam subsídios do governo antes de maio
de 68, isso representava uma solução para aqueles que queriam trabalhar. O
filme se saiu muito bem: durante seus primeiros dois anos de exibição,
arrecadou mais de três vezes os seus custos.
O documentário seguinte de Eustache, Le cochon (1970),
co-dirigido por Jean-Michel Barjol, foi finalizado em um tempo ainda mais
curto: um dia. Registra uma prática tradicional que já quase não existe: o
abate e o esquartejamento de um porco em uma granja do Maciço Central, no sul
da França. Com um respeito escrupuloso pelas tradições populares, o filme
apresenta uma banda sonora surpreendente em que o som e a originalidade das
vozes naturais tornam-se cativantes, ainda mais quando o carregado dialeto e os
acentos onomatopéicos tornam incompreensíveis as palavras pronunciadas.
Diante da dificuldade financeira para montar seu longa-metragem
autobiográfico Mes petites amoureuses, Eustache rodou também muito
rápido um filme de duas horas, Numéro zéro, mas logo decidiu não
exibi-lo: uma atitude paradoxal numa época em que a maior parte dos
realizadores lutava para ganhar o maior número de público possível para as suas
obras. (Eustache disse aos programadores do Festival de Tours que lhes
enviaria Père Noël apenas se o selecionassem sem tê-lo visto.)
Numéro zéro consiste de uma série de planos longos, estáticos, em
que a avó de Eustache conta a história de sua vida, rica em conflitos
familiares e êxitos não convencionais. Eu cheguei a conhecer bem a sua avó, uma
charlatã astuta e apaixonada que alegava uma falsa cegueira para receber uma
pensão por invalidez. Ainda que estivesse bastante apurado na primeira vez que
visitei o seu lar, gostei tanto de escutá-la e instruir-me que lá permaneci por
uma hora inteira. Os avós ocuparam um lugar importante nas vidas de muitos
diretores desse período. A geração nascida nos anos 20 muitas vezes mandava
seus filhos ao campo para viverem com seus avós: isto permitia uma melhor
alimentação para seus filhos durante a Ocupação e mais liberdade para os pais
no imediato pós-guerra. O resultado foi uma reverência pelos avós e uma
rejeição aos pais: uma crise que fertilizou muitas carreiras artísticas. Numéro
zéro inspirou inclusive uma série televisiva sobre avós. Em 1980, por
razões financeiras, Eustache aceitou preparar uma versão reduzida para a TV,
intitulada Odette Robert.
Ainda bloqueado pelo sistema econômico do cinema francês, Eustache passou
muitos meses escrevendo A Mãe e a Puta. Estava obcecado por este
projeto autobiográfico e sonhava constantemente com ele. Em 1971, sem fundos e
sem outra coisa para fazer, ofereceu-se para montar meu filme Uma
Aventura de Billy the Kid. Frente à moviola, sem interromper a montagem,
recitava o diálogo que havia escrito em seu grande caderno na noite interior. O
roteiro era uma série de conversações (um pouco como Rohmer), e estava
testando-mo, tal como havia feito com outros, observando nossas reações aos
paradoxos formulados por seu herói Alexandre, que seria vivido por Jean-Pierre
Léaud. O que surgia era um tipo de anarquismo de direita, não muito distante ao
das novelas de Céline. Não havia motivos ideológicos por trás de tudo isto, mas
sim a necessidade de provocar própria de Eustache, e pelos fins de 68 é
necessário dizer que o anarquismo de direita era bastante provocativo. Também
era a vingança de Eustache contra um sistema cinematográfico que o havia
excluído. O êxito de A Mãe e a Puta se apóia provavelmente na
necessidade de Eustache e Léaud de empreender este improvável trabalho de
logorréia anti-conformista. Mas o filme também capturou a fala e
particularmente as ações do período que seguiu 68 sem edulcorá-las. Poderia ser
dito que a força do filme vem dessa mescla insolente de sentimentos de direita
e esquerdismo sexual.
A força do filme também tem a ver com a sua duração (220 minutos), nos quais
não ocorre grande coisa em termos dramáticos tradicionais. Era a época de L’amour
fou (1967) de Rivette, Milestones (1975) de Kramer
e Amor de Perdição (1978) de Oliveira, filmes que se impunham
ante espectadores acostumados a uma produção interminável de produtos de 90
minutos. No caso de Eustache, mantinha e renovava o interesse alternando suas
personagens principais ao longo do filme.
Muito antes de rodar, Eustache me perguntou se eu não acreditava haver alguma
possibilidade deste filme ser selecionado oficialmente para o Festival de
Cannes. Disse-lhe que sim: dos três filmes selecionados a cada ano, muitas
vezes havia um que ia na contramão da norma, que representava um estilo de
direção experimental ou pouco comum. Eustache sempre teve Cannes em mente, e o
júri lhe retribuiu concedendo-lhe (apesar, mas também por causa, do escândalo
suscitado pelo filme) dois prêmios importantes, além do reconhecimento
internacional.
Convertido em uma celebridade, agora Eustache poderia retomar seu velho projeto
de Mes petites amoureuses. A história se passa em sua cidade natal
e é vista através dos olhos de um garoto de 13 anos. Mais uma vez, há
aparentemente uma mudança completa de direção: depois de passar dos
documentários regionais à ficção parisiense mais autoral já criada, Eustache
retorna à crônica provincial, centrada num garoto bastante comum. Quatro anos antes
de rodar o filme, ele me disse que queria reconstruir a sua infância: cada
seção de parede, cada árvore, cada poste de eletricidade. Segundo Eustache, era
o único modo de transferir impressões infantis a um filme.
Mes petites amoureuses é muito eficaz no modo em que traz à luz
alguns rituais franceses: de certa forma, o próprio núcleo do trabalho de
Eustache. Neste caso, trata-se dos ritos do cortejo adolescente: lugares
tradicionais para encontros durante caminhadas, o repertório de improvisos
românticos de garotos e garotas e as distâncias mantidas entre eles, os
primeiros beijos. Entre os rituais franceses registrados fielmente por Eustache
temos: o esquartejamento de um porco, a eleição da Rosière, festas
dançantes dos subúrbios (Les mauvaises fréquentations), passeios por
ruas de Narbonne (Le père Noël), inclusive conversações de café do sexto
distrito parisiense (A Mãe e a Puta).
O público ficou, sem dúvida, surpreendido e decepcionado ao descobrir que o
diretor do escandaloso A Mãe e a Putahavia realizado um filme
aparentemente inocente, cuja qualificação era apenas restritiva. O problema
comercial com Eustache era não haver nenhuma forma de colocá-lo sob uma
etiqueta superficial. Em um momento era o dândi de Saint German des Près, e no
seguinte um rapaz comum de província. Mas na realidade, era ambos em sucessão
inversa. A princípio, era o jovem médio, casado e pai aos 22 anos, trabalhador
manual (primeiro em ferrovias, depois, quando estava quebrado, entregava roupas
para o meu pai), sem antecedentes acadêmicos. Pertencia à raça produtiva de
realizadores sem bacharelado, provenientes de meios proletários, como Sacha
Guitry, François Truffaut, Claude Berri e Frank Borzage.
Pouco a pouco, Eustache se converteu num habitante vitalício dos bares da moda
de Montparnasse. Apostava em cavalos, embriagava-se várias vezes, abandonava a
sua esposa para novas escapadas românticas, enquanto se misturava o tempo todo
com a intelligentzia. Converteu-se em um artista romântico, no
mesmo sentido de Rimbaud ou Verlaine. Os bairros das redondezas tornaram-se
como uma droga para ele, e começou a sentir-se incomodado em outros lugares, a
menos que estivesse rodando. Desdenhava a luz do dia trocando-a pelas sombras
da noite. Entediava-se mortalmente e parecia perdido quando ia a Roma ou
Atenas, sobretudo porque falava apenas francês. Hoje é difícil dizer se esta
evolução era natural ou não, ou se havia algo de um jogo esnobe para ele ao
copiar as classes “superiores”... Encarnava a surpreendente contradição de um
dândi proletário, uma contradição que contribuiu ao desenvolvimento de sua
estética. Sua experiência em trabalhos manuais, e o seu respeito pelos mesmos,
ajudaram-lhe bastante como montador em seus próprios filmes, nos de Rivette ou
nos meus.
Voltando a Mes petites amoureuses, sente-se uma voluntária
sobriedade no comportamento dos atores e no seu estilo de atuação, como também
a influência de Bresson. Mas Bresson é um mestre perigoso para imitadorres. Há
um princípio de dicção em seus filmes que, em absoluto, não dramatiza, mas que
ao mesmo tempo possui a sua própria música, e tal coisa termina sendo
inimitável. E o princípio tão bressoniano de cenas curtas, todas de duração
similar, tornava-se monótono ao cabo de horas: quando nos acostumamos, já temos
idéia de como acabará cada episódio. O ritmo particular do filme, entre outras
coisas, explica o seu fracasso comercial. Rodado em cores, em 35 mm. (em
oposição ao preto e branco em 16 mm. de A Mãe...), Mes
petites amoureuses custou muito mais que o seu longuíssimo e
escandaloso predecessor, convocando apenas a metade de seu público na França.
Mais uma vez Eustache se viu forçado a conformar-se com média-metragens e
curtas.
Une sale histoire é um episódio absolutamente sórdido de
voyeurismo, algo incômodo de se ver, narrado de dois modos diferentes, mas
utilizando o mesmo diálogo (um método logo usado por Hal Hartley em Flerte).
Trata-se de um filme em cores, de 35 mm., com um ator muito conhecido (Michel
Lonsdale), que funciona como ficção e um filme narrado muito modestamente em 16
mm. preto e branco, que conta com um ator amador e um ar de cinéma-verité.
Pouco depois, segue-se uma nova forma de contradição e desdobramento: uma
segunda Rosière de Pessac (1979), dez anos depois da primeira,
depois da história contada duas vezes em Une sale histoire.
Eustache parecia estar nos dizendo que a velha e simples realidade objetiva não
existe, que acima de tudo, o modo como percebemos produz às vezes sentidos
completamente opostos. Em si mesma, a primeira Rosière já era
dupla: por um lado, uma eleição oficial que lisonjeia profundamente o
protagonista-prefeito, por outro lado, uma violenta troça do mesmo prefeito.
Esse mesmo princípio de “duplo” opera também nos últimos filmes de Eustache, o
documentário para TV de 34 minutos Le jardin des délices de Jérôme
Bosch (1980) e o curta Les photos d’Alix (1980). Em
ambos os casos, um objeto estético - um quadro de Bosch ou uma série de
fotografias -, apresentado de modo bastante preciso, coexiste com um ponto de
vista oblíquo, que às vezes parece completamente em conflito com o que se vê na
tela. Alix Roubaud parece estar falando das fotos que observa, mas seriam as
fotos que vemos aquelas das quais está falando? Os últimos filmes de Eustache
estabelecem um jogo perpétuo com o espectador, que deve lutar (em vão) para
encontrar algum sentido naquilo no que o diretor oculta, e determinar se está
ante uma ficção ou um documentário. É possível referir-se também aos primeiros
filmes de Eustache nesses termos: o artista de objets trouvés que
resulta ser um gatuno ocasional; Léaud, a quem se trata de modo distinto,
esteja ele vestido de Papai Noel ou não.
Correram muitas especulações sobre o suicídio de Eustache em 1981. Teria sido a
rejeição sofrida pelo mundo do cinema? O que se pode dizer, seguramente, é que
a motivação não foi de ordem econômica: o dia em que morreu dispunha ao
equivalente de 10.000 dólares em sua conta bancária. Teria sido a
impossibilidade de filmar os longas que queria, vendo-se reduzido à realização
de curtas por encargo, filmes dos quais se apropriava a seu modo mas que poucos
veriam? Isto parece mais provável.
Ultimamente, na França, houve um número significativo de suicídio de
realizadores rejeitados pelos críticos ou pelo sistema, ou que enfrentaram
crises morais: Jean-François Adam, Hugues Burin des Roziers, Christine Pascal,
Claude Massot e Patrick Aurignac. Teria pensado Eustache que sua morte atrairia
a atenção de espectadores e críticos ao seu trabalho? Tal será sempre o caso,
algo que ficou claro com a morte de Truffaut, um diretor que muitos críticos
tratavam com reservas, mas o qual todos aclamaram uma vez morto.
Mas a principal motivação de Eustache talvez tenha sido mais profunda. Logo
após assistir algumas cenas de A Mãe e a Puta, sua antiga noiva
ficou tão perturbada com o seu retrato no filme (como a “mãe”) que se matou.
Poder-se-ia dizer que havia no ar algo como uma “lógica do suicídio”: ver quem
ia mais longe, como no racha de Juventude Transviada. Ao que
consta, Eustache já havia tentado se matar uma vez. Esmagado pela solidão,
atirou-se de uma janela durante uma viagem à Grécia, episódio que lhe deixou
seqüelas permanentes. Devemos adicionar a tudo isso sua invencível melancolia.
Aos 43 anos, reduzido a uma existência de videomaníaco confinado em uma cama,
portanto uma vida que havia se consumido como um pavio, Eustache aparentava ter
60 anos.
À exceção de Max Linder, também nativo de sua cidade natal Gascogne e nascido a
poucos quilômetros de Pessac, Eustache é o único grande diretor francês que se
suicidou.
Devo também acrescentar que seria necessário colocar Eustache no nutrido grupo
de realizadores oriundos do sudoeste francês, uma lista bastante particular que
inclui Catherine Breillat, André Téchiné, Jacques Nolot e Pascal Kané. Temos
aqui algumas marcas características:
1. O sexo, a provocação e o escândalo são importantes na obra de Eustache (ver
também a sexualização do rugby emL’arrière pays de
Nolot e o registro quase pornô de Romance X de Breillat, em
cujo seu primeiro filme, Escândalos Noturnos, ressoavam ecos
de A Mãe...).
2. A afirmação de um pronunciado individualismo através do protagonista (um
cinema da primeira pessoa, onde a personagem principal constitui muitas vezes o
eixo em torno do qual tudo gira), um ser que se encontra muitas vezes em estado
de crise emocional e localizado à margem da sociedade.
3. A presença de um menino (Le père Noël) ou de um adolescente (Mes
petites amoureuses).
4. A descrição de povos e paisagens de província (Pessac e Narbonne figuram
cada uma em dois filmes de Eustache, eLe cochon tem lugar em Les
Cévennes, uma área que não faz parte da herança familiar de Eustache).
Essa cultura cinematográfica do sudoeste é pouco conhecida, uma vez que os
diretores que a representam trabalham em sua maioria desvinculados um do outro
(exceto Téchiné e Nolot). Não formam um grupo ou escola: um individualismo
feroz os impede. Mas a expressão regional no cinema francês é mais forte agora
do que nas épocas da escola marselhesa, que deve sua celebridade à brecha aberta
pelo cinema notoriamente folclórico de Pagnol.
Há outros pontos de referência para os filmes de Jean Eustache, incluindo John
Cassavetes (A Mãe e a Puta não se encontra muito distante de Faces)
e especialmente Maurice Pialat, a quem Eustache admirava. Há um número de
semelhanças, tanto em termos de tema como de feitura, entre Mes petites
amoureuses e Infância Nua, filme de estréia de Pialat. Não
é casual que Pialat tenha um pequeno papel no filme de Eustache.
Dois diretores excessivos, destemperados, apaixonados, que se distinguiram pela
rejeição às grandes e complexas construções dramáticas e a exploração de
situações, a favor de uma penetrante observação do comportamento humano e uma
certa aversão à plasticidade.
(Film Comment nº 36, setembro 2000, pp. 38-43. Traduzido por Felipe
Medeiros)
Retirado de: http://www.focorevistadecinema.com.br/FOCO4/eustachemoullet.htm