sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Oficina de crítica cinematográfica


Cinema é a arte das imagens em movimento. Como arte é o canal de expressão de homens e mulheres que concebem o mundo sob um prisma poético. Como imagens é o espelho da humanidade nos últimos 120 anos: suas ilusões, vergonhas, vitórias e medos projetados em 24 quadros por segundo. E como movimento é a música da luz, a montanha russa nas mais impressionantes paisagens do inconsciente.

Tudo isso, porém, quase sempre passa batido na nossa convencional fruição de filmes. A dieta viciada de audiovisual imposta pela grande e pequena indústria de imagens nos impede de observar o universo por trás dos "roteiros e atuações".

Nesse sentido a Oficina de Crítica Cinematográfica, ministrado por Miguel Haoni (do Coletivo Atalante), propõe, com a ajuda da História Contemporânea e da Filosofia da Arte, lançar outro olhar sobre o fenômeno audiovisual artístico.

A oficina pretende observar como diferentes cineastas concebiam a arte em contextos chave de sua história. A partir do debate crítico, leitura de textos e análise de filmes investigaremos de que maneira esta linguagem de imagens é tecida na construção de discursos e sensações, configurando parte fundamental de nossa experiência no mundo contemporâneo.

1° Unidade: A arte da mise en scène: Um estudo sobre o aspecto mais importante da poesia cinematográfica: como as relações dos corpos no quadro cênico, no acordo entre o gesto e o espaço, operam o atrito essencial entre a ideia e a matéria?;

2° Unidade: O filme maldito: Numa realidade em que o artista é apedrejado e o farsante aplaudido, qual a natureza da crise entre um olhar radical sobre o mundo e sua viabilização cinematográfica?;

3° Unidade: A pintura e o cinema moderno: A investigação sobre os pontos de diálogo entre o olhar no cinema experimental moderno e a tradição perspectivista européia.

Sobre a oficina:
Oficina de crítica cinematográfica (ministrada por Miguel Haoni do Coletivo Atalante) oferecerá uma abordagem teórica do cinema a partir do estudo de textos fundamentais e da apreciação de filmes. Filmes e textos, permitirão um percurso geral e específico em alguns capítulos essenciais da história recente do cinema.

Começaremos estudando a tão essencial e ignorada arte da mise en scène  a partir das idéias de dois dos seus principais exegetas: André Bazin e Eric Rohmer. Na sequência aprofundaremos a reflexão sobre a maldição que alguns filmes enfrentaram historicamente em função da sua invisibilização pelas intelligentsias cinematográficas. Por fim, uma abertura sobre os pontos de interação entre a pintura e o cinema, do ponto de vista da fruição estética.

Com este recorte, ao mesmo tempo amplo e restrito, a oficina pretende a formação do olhar crítico com embasamento histórico sobre a arte cinematográfica e suas diversas dimensões.

Referências bibliográficas:
Contracampo revista de cinema: http://www.contracampo.com.br/
Foco revista de cinema: http://focorevistadecinema.com.br/
OHATA, Milton (org.) Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac & Naify, 2013.
OLIVEIRA JR, Luiz Carlos. O cinema de fluxo e a mise en scène. São Paulo, 2010.
OLIVEIRA JR, Luiz Carlos. Vertigo, a teoria artística de Alfred Hitchcock e seus desdobramentos no cinema moderno. São Paulo, 2015.

Referências fílmicas:
Charlotte e Veronique ou Todos os rapazes se chamam Patrick. Jean-Luc Godard. FRA. 1959. p&b. 21 min.
Metamorfoses da paisagem. Eric Rohmer. FRA. 1964. p&b. 22 min.
Os Amantes de Pont-Neuf. Leos Carax. FRA. 1991. cor. 126 min.

Um dia na vida. Eduardo Coutinho. BRA. 2010. cor. 95 min.

Serviço: Carga horária: 24 horas
dias 15, 16, 17, 18, 22, 23, 24 e 25 (segunda quinzena de fevereiro)
(de segunda a quinta)das 19 às 22 horasno Núcleo Cine(Rua Belém, 888 - Cabral- Curitiba/PR)
Inscrições pelo email: coletivoatalante@gmail.com
Investimento: R$120,00
VAGAS LIMITADAS
Realização: Núcleo Cine e Coletivo Atalante 

sábado, 23 de janeiro de 2016

Allan Dwan

por Serge Daney

Discreto a ponto de passar desapercebido, frequentemente identificado com o que em profundidade ele não é, Allan Dwan não é nem o último sobrevivente da grande fase da Triangle  (o autor do famoso Robin Hood com Douglas Fairbanks) nem o pau mandado incansável, o símbolo característico dos diretores de filmes B. Ou melhor: ele é mais que isso. Ao curso de uma abundante (e desigual) produção de filmes igualmente fracassados, interpretados por atores de terceira ordem, marcados por uma mesma precariedade de meios, se delineia aquilo pelo qual ele deve ser chamado: um certo olhar sobre o mundo.


É que a modéstia e a paciência são suas qualidades: cineasta maldito, Dwan faz da maldição o tema de seus filmes. Maldição estranha, que faz com que ninguém jamais seja julgado segundo suas motivações. Vemos correntemente em Dwan um dos representantes típicos do cinema de aventuras; ora, o que torna seu cinema precioso é, ao invés do culto da aventura, o momento onde esta se dilui e se perde. O momento também que o cineasta suspende-lhe o desenrolar para substituí-lo por intermináveis digressões. Os filmes de Dwan são feitos destas digressões, destes parênteses: tal filme que começa com uma cena de violência se coloca, dez minutos mais tarde, sob os traços de um melodrama familiar ou de uma comédia leve. Haviam julgado mal Dwan: se esquecemos nele os remendos da intriga (ou antes: se estas são tão pouco ocultadas), é para melhor descobrir os fios da aventura, a verdadeira, aquela que se tece na intimidade dos seres.

Secreta, a arte de Dwan já o seria por sua modéstia, por sua recusa ao exibicionismo, se os heróis também não reivindicassem para eles esta mesma vontade de se calar, este mesmo empenho em salvaguardar- no próprio seio da violência- a intimidade dos dramas pessoais. Exigência de pudor, onde os mal-entendidos valem mais que as indiscrições, onde a incompreensão é preferível à exposição dos sentimentos. O verdadeiro problema se coloca, desde logo, não nas peripécias da ação, mas todas vezes que a vida íntima dos heróis é ameaçada. Cada um vive com seu segredo, a coisa que lhe pertence intimamente, e de onde tira a gravidade de seus gestos e de suas palavras. Perder este segredo é um pouco como perder a sua razão de viver, sua justificação no mundo. Daí o empenho em preservá-lo. Para impedir seu amigo de se casar com uma piranha, John Payne está disposto, em Tennesse’s Partner, a correr os maiores riscos, a sacrificar tudo, até mesmo esta amizade. Em Surrender, onde a situação é a mesma, há perpetuamente um décalage (um hiato, um desnível) entre o herói e o xerife que o persegue: em nenhum momento o xerife compreende as motivações verdadeiras do outro, e isto até o fim do filme, quando ele o mata. É ainda, em Slightly Scarlet, a amizade entre duas ruivas, Rhonda Fleming disposta a tudo para que o passado de sua irmã permaneça em segredo. Em outros, são estas vinganças pessoais, silenciadas até o fim (Cattle Queen of Montana) ou ainda, em Sweetharts on Parade, o que para os outros é um simples “esbarrão” constitui para o herói comoventes reencontros. Assim, sempre os atos serão mal interpretados, suas razões profundas insondáveis, mas em Dwan, é este segredo, esta possibilidade de intimidade o que faz a diferença.

Para além dos inevitáveis mal-entendidos, as últimas cenas de Tennesee’s Partner- a obra-prima do nosso autor- nos dão a melhor imagem desta cumplicidade reencontrada, deste segredo enfim compartilhado, definitivamente recusado aos outros. O movimento dos seus filmes é, portanto, este: obrigar seus personagens, excessivamente fechados, muito vulneráveis, a se abrir lentamente. Cada filme é um pouco a aventura de um segredo e de sua desaparição: ou o levamos conosco para o túmulo, ou o dividimos com os outros. A partir daí, uma ligação simples se instala entre criador e criaturas: estas desejariam se precipitar, atravessar a tela, sem olhar em torno de si: um atirador rápido não tem tempo a perder, mas o cineasta tem todo o tempo a sua disposição. Exemplar em relação a isso é The Restless Breed, que é também a história de uma vingança secreta. Desde o momento em que Scott Brady decidiu vingar seu pai, o cineasta se esforça em suscitar à sua passagem tudo o que o possa retardar ou distrair: um padre, uma dançarina, um velho xerife lhe exortam para que deixe a cargo da justiça o direito de vingá-lo.

Aí, as digressões, o tempo perdido, os saltos no tom não são mais os caprichos de um cineasta sem rigor, mas a prova que mesura a importância dos segredos. O caminho mais curto entre dois pontos não é mais a reta; é o meandro que é necessário; o filme se torna um longo desvio entre o ultraje e a reparação. Ao curso dos encontros, o cineasta parece esquecer seu filme, e os personagens seus projetos: nesta vasta “cavidade” (creux), tudo pode acontecer, o acaso torna-se cúmplice do cineasta que o serve e que dele se serve.

Assim se explica que Dwan, capaz de se virar com qualquer coisa (faire feu de tout bois), se acomoda da melhor forma possível à precariedade de meios: inversamente, não é seguro afirmar que ele conservaria, no âmbito de uma superprodução, esta parte de invenção que lhe é necessária. Cinema disponível onde sempre chega o inesperado. Onde tudo é pretexto para descobertas. Descobertas cuja mais simples consiste na constatação de que o tempo é o bem mais precioso; é preciso perdê-lo em demasia para lhe dar valor. Nada de espantoso, portanto, em que Dwan, o Decano dos cineastas de aventura, é também aquele que se arrisca mais.

Dicionário do cinema, Éditions Universitaires, 1966.
Tradução: Luiz Soares Júnior

(Texto originalmente publicado em http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br/2009/06/allan-dwan-por-serge-daney.html)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Cineclube da Cinemateca: "Matar Para Viver" de Allan Dwan

Neste sábado, dia 23 , o Cineclube da Cinemateca exibe "Matar para Viver", de Allan Dwan. Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"Matar Para Viver" de Allan Dwan
                
Cameron (Anthony Quinn) e sua esposa Meg (Debra Paget) lutam para conseguir construir o seu pequeno rancho no deserto da Cidade do México. Perto dali, o malfeitor Nardo Denning ( Ray Milland) chega à cidade procurando por sua antiga namorada e o marido da moça, ancioso para roubar a sua pequena fortuna. Após serem roubados e ameaçados por uma arma à queima-roupa, o casal guia Nardo em segurança até o México, mas o que Bem não sabe é que Meg tem um passado com seu raptor, e que ele talvez queira muito mais do casal do que dinheiro...

Serviço:
23 de janeiro
às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 - 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

sábado, 9 de janeiro de 2016

O Prazer (Max Ophüls, 1952)

Por Ranieri Brandão
Durante os primeiros cinco minutos de O Prazer, a famosa frase de Scorsese sobre a câmera “que respira” de Max Ophüls parece ganhar um sentido mais justo, mais claro, mais visível. Se a perplexa pergunta a essa constatação pode ser posta mais ou menos como num “ela respira como?”, ou “apenas porque está junto da protagonista de Carta de uma Desconhecida, é que ela respira?” — protagonista esta sobre quem a frase de Scorsese dá conta —, em O Prazer o que seria subjetivo torna-se enfim concreto. A câmera “respira” porque acompanha a história a seu modo, focalizando apenas o que deseja e como deseja ver. Não é a velha questão de ser mais um personagem, mas a de que a câmera passa a ser um figurante ousado que se insurge, quase um voyeur que padece de hipermetropia e da necessidade imperiosa de ver bem as coisas mais de perto. Significante extremamente necessário, porque essa câmera é também um espectador tragado pelo poder do drama, das peculiaridades da vida em sociedade.
Então, a questão talvez se resolva de uma vez por todas: a câmera “respira” porque só quem não respira é quem está, em primeira instância, morto. Ela vive literalmente ao lado do narrador em off de O Prazer, ou até seja capaz de fazer parte dele, de ser sua extensão, como se fosse a pena que compõe o retrato desses lapsos de mundo que Ophüls traz aqui, mas de forma a elucidar geometrias, saídas cênicas de (mais do que apenas uma mera) ilustração da palavra, como se esse autor verbal do filme que nos conduz às três histórias distintas que o compõem tivesse um visível problema cerebral onde palavra e gesto não se unem. A câmera de Ophüls em O Prazer, informação essencial para a força que se desprende do filme, se locomove, esquadrinha, tem uma noção espacial fascinante, que quase (ou nada) tem a ver propriamente com a enunciação narrativa (como em Hitchcock), mas com um desejo de composição de cena, com o desejo absurdo de ser humana, de olhar, de fazer se reintegrarem, mentalmente e de forma total, determinados espaços configurados dentro de sua inteligência, de modo que este ato confirme sua presença e sua enunciação dentro destes mesmos espaços, e até mesmo do plano. Sabemos que às vezes mover-se, em termos de organismos complicados como o do nosso corpo — e como o da câmera de Ophüls, porque ela pode sobreviver apenas a partir do desejo de olhar as coisas com um cérebro mecanicamente primitivo, em condições mínimas — é estar vivo.
Portanto, se a primeira cena de O Prazer está localizada dentro de um baile, com pessoas dançando freneticamente, é precisamente previsível que a câmera de Ophüls esteja lá, acompanhando tudo em estado puro de frenesi, flanando materialmente pelo espaço, ligando-se a ele e ao que nele está disposto, surpreendendo então um homem estranho com uma máscara horrorosa, a dançar. Sua aparição é apenas aquilo que mais queríamos para viver o cinema de Ophüls em pura conjugação com essas imagens moventes ligadas a algum sentimento, a alguma narração, a saber: ele é um homem velho que usa a máscara para poder “curtir a noite”, sentir os últimos sopros de juventude, se mover até cair ou até morrer, e seu rosto por cima do rosto é basicamente o de uma figura morta, inexpressiva, a face de um morto que dança. É por isso que a câmera “vive”, em O Prazer, talvez mais do que em qualquer outro filme de Ophüls, porque ela divide o drama, comporta-se como uma escrita e uma tradução (sua própria “versão” da história) atenciosa demais a ele (de novo, não à narrativa, mas ao sofrimento, ao desespero, à coisa singela, triste) e se ela o compartilha é senão para construir aí uma forma de escrita (palpitante, pulsante, às vezes até afobada, trêmula, extasiante) que, nos primeiros instantes do frescor desse mundo de desejos, não deve perder o tal homem de vista. A câmera de Ophüls é o filme de Ophüls.
Em todo caso, há tempo para se edificar os caminhos do amor e das relações, porque esse “prazer” que Ophüls contará, além de ser um prazer doentio pelas extremidades do movimento, é também o amor de narrar os meios que levam o amor a acontecer ou não. Para isso, com sua elegância, o cineasta escolhe um período que parece julgar riquíssimo em imagens (já que o repete em outros filmes), aquele que parece ser o início do século XX, e o toma pelo local ideal para o nascimento das coisas que ele quer filmar e dizer. O Prazer é composto de três narrativas particulares narradas por um mesmo homem de quem só teremos a voz “falando no escuro”. São, entretanto, narrativas que não se entrecruzam, mas que revelam as faces diversas das formas de manifestação do amor e de seus destinos específicos. Daí é que vamos encontrar, com extrema vivacidade e precisão, o contato com o prazer perdido, envelhecido, o romance solidificado por anos de casamento, do homem da máscara; o prazer impossível de concretizar, idílico, puro, protagonizado por Danielle Darrieux e Jean Gabin, emoldurado pela linda descoberta de uma vida no campo; e o último, o mais extremo dos episódios, onde o amor destruído volta a se recuperar sob o signo de uma frase essencial — e que Godard, se não me engano, utiliza com uma pequena troca de palavra, em um de seus doze tableaux em Viver a Vida: “a felicidade não é alegre” — implicação de uma verdade gigante, que logo em seguida é demonstrada pelo que a câmera focaliza, o casal na praia, já idoso, feliz em sua parcial paralisia física.
É essa diversidade que dá a O Prazer aquela sensação de que de fato vemos uma história em pleno movimento, preparada para o próximo gesto. E é também por ela que as surpresas do filme se estabelecem, ao contrário, pelo que só podemos perceber discretamente no interior do plano. Por exemplo, é um enigma a precisão com a qual Ophüls consegue fazer nascer (e depois fazer ser abandonado) o amor (ou a admiração) entre Darrieux e Gabin: por uma simples troca de elogios corriqueiros e, de fato, muito sinceros. Quando Darrieux tem que voltar à cidade, para o bordel onde trabalha, existe um pequeno momento de ternura que mesmo a câmera respeita e se detém a olhar com expectativa, quieta, prendendo a respiração: Gabin diz que vai visitar a moça algum dia, e vai embora de volta para casa, claramente entristecido em sua carroça. Dentro dessa beleza que fica impregnada como os trilhos do trem que levam Darrieux embora, é claro que a atenção retorna à câmera, em sua breve volta à imobilidade e à suspensão “clássicos”, é essencial, provavelmente porque este é o momento mais bonito de O Prazer, aquele em que uma linguagem de cinema se torna de fato humana, consciente, respeitosa, que sente o peso das coisas.
Porque o que há para viver em O Prazer é aquilo que se vive no limite do visível, do questionável, da matéria e das pequenas ou grandes convulsões. E essa é a própria lei que estabelece a existência da câmera como esse objeto passional, extremamente, pois ela é também o próprio drama, o próprio “saber onde estar”, como quando o narrador diz que para que a história comece, uma luz deve ser apagada, e a câmera, nesse momento, focaliza justo a luz que se apaga; ou como naquela cena indescritível na primeira comunhão da garota, onde a câmera de repente começa a se mover e sai vagando, em traveling, pela igreja, observando-a como uma criança que tem seu primeiro momento de consciência, que descobre que o mundo é também para se ver o quanto antes. É estabelecida aí, então, toda uma lógica para O Prazer, em particular, e para o cinema de Ophüls, em geral: esse “regime” de imagens que se movem fortemente, instaurado no momento em que a câmera de repente “desperta”, cria imagens que não se fixam (porque o movimento é primordial, essencial, é vida, fluxo, é toda a graça da arte de Ophüls, todos os movimentos que ela inventa e captura, os que levam filmes para frente, para trás, para o presente), mas que fixam os sentimentos no espaço, e também transformam esses mesmos sentimentos em linguagem, em coisas que podem ser metáforas.
Fixar sentimentos no espaço. E histórias, que devem conhecer rigorosamente o espaço onde se situam, que podem ser visualmente definidas pela recorrência da luz noturna, da vida noturna, clandestina, ou pela luz do campo, pela simplicidade de quem vive ali, também filmada por Ophüls. Em O Prazer existe uma pequena preciosidade que parece atestar que Ophüls é dos primeiros cineastas “clássicos” que na verdade eram extremamente “modernos”. Porque, se a “moderninade” do cinema pode ter a ver com ascensão da ideia de que uma câmera “existe” como processo fundamental ao filme, e que por isso ela deve “se revelar” na película, então o que dizer de todas essas sequências descritas, e outras tantas (como aquela em que a fachada de uma casa é praticamente mapeada, cena que parece citada numa célebre sequência de Tenebre, de Argento) não citadas aqui? Como não entender a câmera como parte de um processo de integração radical à carne dos personagens e da história, de observação obsessiva aos gestos (através de janelas) dos personagens, suas paixões, os pequenos desencontros e as tragédias? Quando a garota interpretada por Simone Signoret tenta o suicídio, a câmera de Ophüls faz o movimento contrário àquele que esclarece sua “respiração” contida na frase de Scorsese, e assim ela o faz para ser ainda mais clara: ela se torna Signoret, torna-se subjetiva, os olhos de um outro, o olhar de alguém que comete suicídio, e ela mesma, câmera, é quem se joga, quem se espatifa na claraboia do prédio vizinho, e é acobertada pela tragédia por alguns segundos. Para Ophüls, todos os sentimentos do mundo estão em sua câmera, e nessa câmera existe uma força que sempre pode contar a sua própria versão da história, que pode, inclusive, provar que pode morrer por ela.
Texto original: http://multiplotcinema.com.br/2014/08/o-prazer-max-ophuls-1952/

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Cineclube da Cinemateca: "O Prazer" de Max Ophüls

Três histórias sobre o prazer adaptadas da obra de Guy de Maupassant. Na primeira, A Máscara, um velho usa uma máscara de jovem em um salão para seduzir as mulheres. No conto seguinte, Mansão Tellier, uma cafetina e suas prostitutas passeiam pelo campo durante um final de semana. Já a terceira história, A Modelo, fala sobre a paixão de um casal de artistas.

Serviço:
9 de janeiro
às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 - 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante