tag:blogger.com,1999:blog-5328428066257472147.post4133191474166120426..comments2023-03-02T01:34:09.866-08:00Comments on ATALANTE: Carta a Jean-Pierre e a Jean-LucAtalantehttp://www.blogger.com/profile/15271223739636419805noreply@blogger.comBlogger2125tag:blogger.com,1999:blog-5328428066257472147.post-68602211442393525972015-03-30T12:33:28.711-07:002015-03-30T12:33:28.711-07:00(cont)
7. A partir daí, entra no ar, para mim, u...(cont)<br /><br /><br />7. A partir daí, entra no ar, para mim, uma outra questão, que também não vou destrinchar, quanto à intenção e o propósito de Gorin e Godard ao escolher esta foto como pivô para seu filme. Apenas destaco que, aqui, como lá, é claro, para mim, que usaram você. Parasitaram sua presença icônica neste mundo. Sim e sim. O que também pode ser problematizado e questionado.<br /><br />8. Agora: ao “est(e)relizar” a sua militância, atribuindo à atuação da boa atriz a expressão facial de compaixão e solidariedade que a foto revela (terá sido isso mesmo que quiseram dizer, quando desdobraram a série de imagens onde diversos atores adotaram a mesma expressão???) – para mim eles vão longe demais. Ignoram, acaso, que a vida veio antes do cinema e que os bons atores são exatamente aqueles que conseguem reproduzir, na encenação, as faces que a vida – e a morte – colocam nos rostos humanos? Esqueceram que você, por saber representar as emoções humanas, nem por isso está impedida de vivê-las em carne própria? Ou apenas passaram – intencionalmente e sem inocência – ao ato de usar você para violentar a boa consciência da burguesia? A mim me parece que a última alternativa é bem coerente com a proposta revolucionária. Muito mais sórdida, também.<br /><br />9. Pois a boa consciência, Jane, só pode ser experimentada por um sujeito. A massa – burguesa ou proletária – não tem consciência, boa ou má. A massa é acéfala e sua constituição implica justamente no rebaixamento da razão e na exacerbação dos afetos, como ensina Freud em Psicologia das Massas e Análise do Eu. E essa “boa consciência”, como tudo o que é humano, equilibra-se entre a virtude (a ética) e o vício (o bem-estar comprado barato). Quem se decide por atacá-la (à boa consciência) deve estar preparado para andar no fio da navalha, correndo o risco de resvalar, ou para a complacência com o vício, ou para a degradação da virtude. Enfim, viver é mesmo muito perigoso, é arriscado demais, ensina Guimarães Rosa, na voz de Riobaldo.<br /><br />10. Encerro por aqui, Jane. E, só para dar mais uma volta no parafuso, eu me reconheço, também eu, parasitando você, para dizer o que penso disso tudo, ou desse quase nada.<br /><br /><br /><br /><br />Vera Lúcia de Oliveira e Silva<br />Atalantehttps://www.blogger.com/profile/15271223739636419805noreply@blogger.comtag:blogger.com,1999:blog-5328428066257472147.post-84732839601953311952015-03-30T12:31:33.015-07:002015-03-30T12:31:33.015-07:00Curitiba, Março de 2015.
Carta para Jane
Pois é,...Curitiba, Março de 2015.<br />Carta para Jane<br /><br /><br />Pois é, Jane…<br />Com um atraso de 50 anos tomei conhecimento da carta que Jean-Pierre Gorin e Jean-Luc Godard lhe mandaram, através de um filme que vi ontem.<br />Achei a primeira parte uma chatice, mas resisti e acabei sendo premiada com um desfecho que me comoveu pela entrada em cheio na ética: que o país em questão, naquele caso o Vietnam, decida o seu futuro, cabendo ao Ocidente, que você foi chamada a encarnar, ficar com a boca fechada, como você está, de fato, na foto tomada como pivô para a missiva.<br />Mas o filme não é só isso e nem tudo o que ali reluz é ouro, concorda?<br />Para me explicar, ponho-me a tomá-lo destacando alguns fragmentos.<br /><br />1. Admirável a idéia de que um filme que proponha uma revolução seja, ele próprio, revolucionário. Algo que depois (ou terá sido antes?) acabou sendo “oficializado” por McLuhan como “o meio é a mensagem”. Acho o resultado muito interessante e, sendo essa a intenção, parece-me que foi bem realizada: o filme é diferente de tudo o que já vi em cinema e quebra os paradigmas, clássicos e modernos, ou seja, é revolucionário. O que não quer dizer que eu goste, no sentido de experimentar uma boa fruição. Prefiro o formato tradicional de cinema. Mas admiro.<br /><br />2. Sob essa ótica, a chatice inicial poderia estar a serviço do tema em pauta: detour, retorno, circuito, circulação em círculo. Com este insight, mais a idéia de que o meio é a mensagem, inscreveria aquela lengalenga dentro da apreciação enunciada no parágrafo anterior: ponto para os dois Jeans! Também posso pensar que se tratava de criar um clima mesmerizante no qual o desfecho ético produzisse um máximo de efeito. De fato, tal desfecho, sem tal prelúdio, talvez não nos surpreendesse tão ávidos por algum sentido.<br /><br />3. Admirável também que os Jeans tenham podido construir, com palavras e imagens que se podiam recortar em jornais e revistas, um filme – e não um filme qualquer: um filme que se inscreve na história do cinema e da cinefilia.<br /><br />4. Sendo eu “daquele tempo”, reconheço, no “recorta e cola” das imagens, um tipo de produto “artístico” que era, então, muito comum, mesmo na pequena cidade do interior onde vivia: cafés e bares “descolados” – a expressão ainda não existia – decoravam suas paredes com recortes de revistas e jornais, onde as manchetes da guerra do Vietnam não podiam faltar jamais. Eu me pergunto se Gorin e Godard inventaram o artifício ou o tomaram emprestado. Não que faça muita diferença, já que o homem faz a cultura que faz o homem, num enlace moebiano.<br /><br />5. Volto às minhas recordações de então, na pequena cidade do interior, para votar a favor da tese apresentada no filme, segundo a qual o vietnamita que aparece na foto-pivô tem uma identidade precisa com a sua luta: qualquer um, em qualquer lugar do mundo, saberia porque ele luta. Dou o meu depoimento de que sim – naquele tempo, mesmo na mansidão da barra em que eu vivia, nós sabíamos identificar um vietnamita e lhe éramos solidários, frente à guerra que levaram para dentro de seu país.<br /><br />6. Agora a foto ou, mais precisamente, a leitura que fizeram da sua foto, Jane: Você não achou admirável a abordagem que fizeram da imagem? Você em primeiro e alto plano – nítida e destacada. A população que você escuta, difusa: um de costas, outro desfocado, os demais compondo um fundo indistinto, todos de estatura inferior à sua... Seguramente uma foto carregada de intencionalidade e destituída de qualquer inocência, salvo feliz acaso ou favorável acidente, acaso ou acidente seguramente ausentes quando da escolha da foto: a escolha desta foto para a publicação (precisamente esta, entre tantas outras que certamente foram produzidas), com certeza, foi carregada de intencionalidade e destituída de qualquer inocência. Quaisquer que tenham sido a intenção e o propósito, que não vou tentar esclarecer, não lhe parece admirável que Gorin e Godard coloquem este problema no ar? Eu fico estarrecida e agradecida por essa lição de leitura, de análise e de questionamento dos significados possíveis de um signo imagético.<br /><br /><br />Atalantehttps://www.blogger.com/profile/15271223739636419805noreply@blogger.com