Em 1967, dois fatos de incrível potência deram um empurrão ainda mais forte no sentido do bum da contracultura, que já dava os seus sinais no Brasil, e ajudaram a traçar novos caminhos para o Cinema Brasileiro: o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, onde o Tropicalismo alcançou milhares de pessoas com o seu projeto artístico-conceitual, e o lançamento do filme "A Margem" de Ozualdo Candeias, cineasta que antes de fazer filme foi caminhoneiro e até “michê de puta”. Esse filme, visto pela crítica da época como uma poesia brotada do lixo, as margens do Rio Tietê, carrega em seu título o mérito de nomear o movimento heterogêneo que viria a se tornar Cinema Marginal. Naquele momento, depois de regurgitar muitas das ideias tropicalistas, os ingredientes básicos para um bom filme marginal se definiram, ou quase isso.
O Cinema Marginal era crítico-social, assim como fora o Cinema Novo, mas, diferentemente do antigo Cinema Novo, extremamente obstinado pela conquista do público mais popular da sociedade. Essa é uma das razões por ter sido uma corrente cinematográfica disposta a abraçar os apelos do cinema comercial, as temáticas e estilísticas do cinema de gênero americano, como o filme de faroeste, ou os apelos eróticos das chanchadas cariocas, sempre coloridas por corpos femininos rebolativos em decotes e, alguma vezes, sutilmente expostos. Sem dúvida, essa característica sincrética do Cinema Marginal, disposto a misturar tradicionalismo nacional com cultura popular ou moderna estrangeira, tem a Tropicália como base de formação.
No Cinema Marginal havia também a recorrente presença de um humor ácido, com gosto de biles, que não perdia a oportunidade de fazer provocações sociais como quem dá gargalhadas da própria desgraça. Desse modo, embora discutisse assuntos naquele momento amplamente explorados pelo Cinema Novo, não tinha medo de profanar com muita ironia temas até então tratados com muita seriedade e sacro engajamento político. Dentre esses temas, a fome, a desigualdade social, a exploração do homem por seu semelhante, a violência urbana e os conflitos entre Estado e população. Talvez por isso Glauber Rocha tenha os batizado de udigrudi, sática baseada no underground americano.
Foi ainda no ano de 1968 que o primeiro filme de longa-metragem Marginal - O Bandido da Luz Vermelha - teve o seu lançamento, e junto com ele foi divulgado o Manifesto: Cinema fora-da-lei. Nesse, o realizador da película, Rogério Sganzerla, levanta alguns tópicos dos mais relevantes ao projeto de um Cinema Marginal. Dentre outros, ele tinha como intuito propor uma crítica ao conservadorismo social, o que dialogava intimamente com a contracultura do Brasil da época.
Porém, o grupo marginal acabou se dispersando e enfraquecendo em poucos anos. Ainda em 1969, começaram a ser produzidos filmes um pouco diferentes no mesmo eixo de produção em que se localizavam os realizadores marginais, filmes que tinham mais apelo e menos ideologia, e que, por esse motivo, atraíam produtores e exibidores com maior facilidade. Enquanto as práticas do cinema marginal enfraqueciam, emergia um cinema popular brasileiro que logo seria enquadrado em um gênero abrangente rotulado como pornochanchada.
De todo modo, as características e os elementos presentes no ideário de uma cinematografia marginal, nunca homogênia, embora sempre provocativa, reverberou nos trabalhos de diversos cineastas, alguns de formação técnica e popular, com trabalhos anteriores ao surgimento do movimento, como o José Mojica Marins, outros marginais de formação, tendo como seus maiores expoentes Sganzerla, Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci, Júlio Bressane, ou mesmo cineastas fora do eixo de produção principal, como José Agrippino de Paula ou mesmo André Luiz Oliveira e Edgar Navarro, os dois últimos, legítimos representantes do cinema underground baiano.
Julia Marques (Atalante)
Curadora convidada
Programação:
04/07 - "Matou a Família e Foi ao Cinema", de Julio Bressane
11/07 - "Meteorango Kid, Herói Intergaláctico", de André Luiz Oliveira
17/07 - SESSÃO ESPECIAL - 1 ano de Cineclube Sesi: "Loulou", de Maurice Pialat
18/07 - "Ritual dos Sádicos", de José Mojica Marins
25/07 - "A Margem", de Ozualdo Candeias
Oficina de formação cineclubista:
Como ação complementar às comemorações do aniversário do Cineclube, o Sesi oferece nos dias 17 e 18 (quarta e quinta) das 14 às 18 horas a Oficina de formação cineclubista que propõe um passo-a-passo introdutório nos vários meandros da prática cineclubista (projeto pedagógico, programação, divulgação, produção e registro).A oficina pretende incentivar os participantes a transformar suas cinefilias numa ação educativa multiplicadora, além de oferecer ferramentas para os iniciados no cineclubismo potencializarem suas atividades.
Serviço:
Sessões toda quinta
(*sessão especial na quarta-feira)
19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
Realização: Sesi
Apoio: Atalante