por Jacques Rivette & Karlheinz Stockhausen
Este curta-metragem de 15 minutos, livremente inspirado em Heinrich Böll,
realizado por um jovem francês exilado na Alemanha já há alguns anos, não seria
simplesmente o primeiro (pequeno) filme de autor de toda a produção alemã do
pós-guerra? A ambição do autor era filmar um “caráter” (no caso, de um
ex-oficial superior nazista reencontrando o seu lugar, pouco a pouco, na
sociedade adenaueriana), ou seja, mais que um retrato, a “descrição feita do
exterior, do caráter de uma pessoa”; e para, junto com Jean-Marie Straub,
seguir a citação (de Marmontel): “Quando se pinta uma espécie de homens, como o
avarento, o ciumento, o hipócrita, o puritano, o frívolo, não se trata mais de
um retrato, mas sim de um caráter; e é isto o que distingue a sátira...” Esta
era a ambição de Straub, e ela se encontra aqui completamente concretizada, com
uma densidade e um equilíbrio das relações internas que imediatamente solicitam
metáforas musicais. É um músico, pois, que toma aqui a palavra: é, numa carta
ao autor, Karlheinz Stockhausen, um dos três grandes, com Pierre Boulez e Luigi
Nono, da música contemporânea. - Jacques Rivette
“Você sabe muito bem que escolheu o caminho difícil. Eis por que eu lhe
escrevo: para que você saiba que realizou um bom trabalho. No domínio do
espírito a abundância não conta, mas sim a verdade e a eficácia criativa.
“O assunto é tomado do nosso presente. Ele é verdadeiro, preciso,
universalmente válido. Os que reclamam da extrema agudeza nada sabem da
necessidade artística de aguçar uma idéia ao extremo a fim de que ela seja
verdadeiramente tocante. Dê a esses resmungões alguns dramas gregos ou
Shakespeare para lerem.
“O que mais me interessou no seu filme foi a composição de um tempo
especificamente cinematográfico - como existe um tempo musical. Você alcançou
as proporções certas para as durações entre as cenas em que os acontecimentos
quase não contêm movimentos - como é espantoso, num filme de duração
relativamente curta, a coragem de fazer pausas e tempos lentos! - e aquelas em
que os acontecimentos são extremamente rápidos - é cintilante a escolha de
trechos de jornais dispostos em todos os ângulos na verticalidade da tela. Além
disso, a relativa densidade das mudanças nos tempos variados é justa... Deixar
que cada elemento venha num momento insubstituível, que seria impensável
suprimir; nenhum ornamento. ‘Tudo é essencial’, diria Webern nestes casos (mas
com cada coisa no seu tempo, deveríamos acrescentar). Também aprecio a
franqueza, a reflexão que se prolonga na cabeça do espectador, a renúncia a
qualquer ato de abertura e o ato final. Eu ainda poderia afirmar muita coisa:
nada de ‘pedagogia’, para-melhorar-o-mundo, iludindo, simbolizando, falsamente
se-fosse-assim: você não sentiu necessidade disto e, ao invés, utilizou os
fatos; não os de uma pálida reportagem, mas precisamente por essa agudeza, esse
comportamento estranhamente fulgurante da câmera nas ruas, no hotel (muito bom
o fato de vermos longamente as paredes vazias do quarto de hotel, de cuja nudez
não podemos nos desprender), à janela... E também a condensação ‘irreal’ do
tempo, sem que nunca se tenha pressa. É nesta cortante aresta entre a verdade,
a concentração e a agudeza (que penetra e queima na percepção do real) que o
progresso será possível. E só aqui. Nós sabemos muito bem que atualmente até
mesmo a ilusão fragmentada não passa de ilusão. Você não quer ‘mudar’ o mundo,
mas sim inscrever nele o traço de sua presença e através disto dizer que você
viu, que você abriu uma parte desse mundo, pela forma como essa parte do mundo
se apresentou a você. Isso me agradou.
“Espero com impaciência seu trabalho vindouro.”
Colônia, 2-5-63 - Karlheinz Stockhausen
(Cahiers du Cinéma n° 145, julho 1963, pp. 36. Traduzido por
Antônio Rodrigues e Bruno Andrade e extraído de http://focorevistadecinema.com.br/jornalstockhausenstraub.htm)
Entrevista com Fritz Lang
por Jean Domarchi e
Jacques Rivette
Uma posição crítica
Começaremos
lhe perguntando qual o período de sua obra que prefere.
Fritz Lang: É muito difícil. Não se trata, para mim, de uma desculpa. Não sei o
que devo responder. Prefiro os filmes americanos ou os filmes alemães? Não é a
mim que cabe responder, vocês sabem. Acreditamos que o filme que estamos
realizando será o melhor, naturalmente. Nós somos apenas homens, não deuses.
Mesmo se você não ignora que este filme será menos importante — mesmo pela sua
mise en scène — do que este ou aquele filme precedente, você no entanto se
empenha em fazer a sua melhor obra.
Certamente.
De qualquer forma, no interior de períodos diferentes, tanto alemão como
americano, há alguns filmes que o interessam mais em retrospecto?
FL: Sim, naturalmente. Escutem: quando rodo superproduções, me interesso hoje
em dia pelas emoções das pessoas, pelas reações do público. É o que se passou
na Alemanha com M., o vampiro de Düsseldorf (M, 1931). Porque num filme de
aventura ou num filme criminal, como os Dr. Mabuse ou Os espiões (Spione,
1928), há apenas a pura sensação, não existe o desenvolvimento de personagens.
Mas, em M, eu comecei algo que era bastante novo para mim, que mais tarde
prossegui em Fúria (Fury, 1936). M e Fúria são os filmes que prefiro, creio. Há
outros também, como Almas perversas (Scarlet Street, 1945), Um retrato de
mulher (The Woman in the Window, 1944) e No silêncio de uma cidade (While the
City Sleeps, 1956). São todos filmes baseados numa crítica social. Naturalmente
prefiro isso, pois acredito que a crítica é algo fundamental para um cineasta.
Todo o meu coração
O
que você entende exatamente por crítica social: aquela de um sistema ou a de
uma civilização?
FL: Não se pode diferenciar. É a crítica de nosso “ambiente”, de nossas leis,
de nossas convenções. Vou lhes confessar um projeto. Devo rodar um filme no
qual pus todo o meu coração. É um filme que quer mostrar o homem de hoje, tal
como é: ele esqueceu o sentido profundo da vida, ele só trabalha para as
realidades, pelo dinheiro, não para enriquecer sua alma, mas para adquirir
vantagens materiais. E, porque esqueceu o sentido da vida, ele já está morto.
Ele tem medo do amor; ele quer apenas ir para a cama, fazer amor, mas não quer
assumir responsabilidades. Apenas o interessa a satisfação de seu desejo. Esse
filme, creio, é importante filmá-lo agora. No silêncio de uma cidade, que mostra
a competitividade acirrada de quatro homens no interior de um jornal, é o
começo. Meu personagem recusa a satisfação pessoal de ser um homem. Pois hoje
em dia cada um procura uma posição, o poder, uma situação, dinheiro, mas jamais
algo de interior. Vejam, é muito difícil dizer: “Eu amo isto, ou não amo
aquilo.” Quando se começa um filme, talvez se ignore mesmo o que se está
fazendo exatamente. Sempre há pessoas para me explicar o que quis fazer e eu
lhes respondo: “Você sabe muito melhor do que eu mesmo.” Quando realizo uma
obra tento traduzir uma emoção.
No
fundo, o que você critica em seus filmes seria um tipo de alienação, no sentido
em que se compreende na Alemanha “Entfremdung”?
FL: Não, trata-se do combate do indivíduo contra as circunstâncias, o eterno
problema dos antigos gregos, do combate contra os deuses, o combate de
Prometeus. Ainda hoje combatemos as leis, lutamos contra imperativos que não
nos parecem nem justos nem bons para os nossos tempos. Talvez sejam necessários
daqui a trinta ou cinquenta anos, mas não o são neste momento. Nós sempre
combatemos.
Isso
valeria para todos os seus filmes, para O diabo feito mulher (Rancho Notorious,
1952), para No silêncio de uma cidade?
FL: Sim, para todos os meus filmes.
Até
mesmo Os Nibelungos (Die Nibelungen, 1924)?
FL: Sim, exato, mas eu acho que o filme se pretendeu grande demais para atingir
minuciosamente as almas.
Em
Metrópolis, igualmente, este assunto já é nitidamente indicado.
FL: Sou bastante severo para com as minhas obras. Não se pode mais dizer que o
coração é o mediador entre a mão e o cérebro, pois se trata de um problema
puramente econômico. Eis por que não gosto de Metrópolis. É falso, a conclusão
é falsa; eu já não a aceitava quando realizei o filme.
Ela
lhe foi imposta?
FL: Não, não.
Ela
nos surpreende, parece postiça, adicionada ao filme, e não integrada.
FL: Creio que vocês têm razão.
Ao
passo que a conclusão de Fúria, você não a renega?
FL: Não, a conclusão de Fúria é uma conclusão individual, não uma conclusão
geral. Não se pode dar receitas para se viver. É impossível.
Finalmente,
a lição de seus filmes em conjunto seria a de que cada homem deve encontrar sua
própria solução.
FL: É o que penso. O homem pode se revoltar contra as coisas que são ruins, que
são falsas. É preciso se revoltar quando se está “emboscado”, seja pelas
circunstâncias, seja pelas conven- ções. Mas eu não creio que a morte seja uma
solução. O crime passional não soluciona nada. Eu amo uma mulher, ela me
engana, eu a mato. Então o que me resta? Perdi o meu amor porque ela está
morta. Se mato seu amante, ela me detesta e eu ainda perco seu amor. Matar não
pode jamais ser uma solução.
Então
para o senhor o que seria uma solução? Por exemplo, no caso dos heróis de No
silêncio de uma cidade: que solução para eles, visto que a conclusão do filme
nos pareceu bastante pessimista, e, mais até do que isso, repleta de amargura.
FL: Eu não creio que a vida seja muito doce. (Risos.) Mas minha conclusão não é
pessimista. Nós vemos o combate de quatro homens para obter uma posição social:
um pelo dinheiro, o outro pelo poder, o terceiro não lembro mais, e o quarto
porque ama isso. Mas o homem que ganha de todos os outros é aquele que tem um
ideal. Isso quer dizer que se você faz aquilo que deve fazer sem se detestar, se
você não sente a necessidade de esmurrar o espelho no qual você se olha pela
manhã, você recebe aquilo que deseja. Então, onde vocês veem pessimismo?
Tivemos
a impressão de que o herói com quem simpatizamos não é no fim das contas tão
simpático assim.
FL: Isso é outra coisa, é outra coisa.
Não,
queremos dizer que a tonalidade do filme…
FL:
A tonalidade desse filme é talvez um rascunho do filme que desejo realizar
neste instante, essa crítica da nossa vida contemporânea, em que ninguém vive
sua vida pessoal. Cada um é sempre submisso às obrigações de seu trabalho, que
são bastante importantes para ele. Afinal de contas, o dinheiro é importante.
Frequentemente os críticos me perguntam por que eu rodei tal filme. A verdade é
que preciso de dinheiro. (Risos.) Somerset Maugham escreveu que até mesmo o
artista tem o direito de ganhar dinheiro.
Palavra dada, palavra de honra
Não
obstante, existem filmes que o senhor realizou por dinheiro e pelos quais não
teria se interessado de outra forma?
FL: Não, absolutamente. Eu nunca assinei um filme unicamente pelo dinheiro,
jamais. Mas com certos filmes eu confesso que poderia ter feito algo mais. A
partir do momento em que concebo um filme eu me interesso, mas certos filmes de
aventura me interessam menos do que M, Fúria ou Um retrato de mulher, em suma,
filmes que criticam nossa sociedade.
O
que o levou a realizar um western como O diabo feito mulher?
FL: Primeiramente, mostrar no que se tornaram uma mulher que foi uma rainha de
casa de jogos e um homem que foi um célebre assaltante, mas que por ter
envelhecido e por não empunhar o revólver com a rapidez de antes deixou de ser
um herói. Chega um homem mais jovem que atira mais rápido do que o homem
envelhecido. É o eterno preâmbulo. Posteriormente, um elemento técnico me
interessou bastante: introduzir um canto como elemento dramático. Com seis ou
oito linhas desta canção eu chegava mais rapidamente à conclusão e evitava
mostrar certas coisas que teriam sido entediantes para o público e que não eram
tão importantes para o filme.
Nessa
época o senhor via, e hoje ainda vê, muitos westerns?
FL: Sim. Eu amo westerns. Eles possuem uma ética muito simples e muito
necessária. É uma ética para a qual não se chama mais a atenção porque os
críticos são muito sofisticados. Eles querem ignorar que é algo muito
necessário amar realmente uma mulher e lutar por ela. Quando preparava O tigre
de Bengala (Der Tiger von Eschnapur, 1959), eu discutia com meu dialoguista
porque queria que o Marajá dissesse: “Se você me der sua palavra de honra, eu o
deixo livre em meu palácio.” E o dialoguista me respondeu: “Mas, escute, todo
mundo rirá. O que significa uma palavra de honra hoje em dia?” Reconheçamos que
é muito triste. (Risos.) Não existem mais contratos hoje que eu não possa
romper, ou que meu associado não possa romper. De que serve escrever cem
páginas se ele se recusa a me dar dinheiro; sou obrigado a ir ao tribunal e
isso durará cinco anos. O mesmo para mim. Se me recuso a executar meu contrato,
ninguém pode me forçar. Então, é uma idiotice. Ao passo que, se dou minha
palavra de honra, isso me implica muito mais. São ideias simples, primárias,
que convém repetir à juventude, que é preciso repetir todos os anos porque a
cada ano surge uma nova geração. Eu vi em Berlim um filme alemão contra a
guerra. As críticas foram bastante ruins, tendo como pretexto o fato de que o
filme não apresentava nada de original, que desenvolvia apenas velhos temas.
Mas o que se pode dizer de novo sobre a guerra? O importante é que se repita
mais uma vez e mais uma vez e mais uma vez.
O
senhor considera o cinema como um instrumento de pregação e de educação?
FL: Para mim, o cinema é um vício. Amo-o muito, infinitamente. Escrevi muitas
vezes que é a arte de nosso século. E que ele deve ser crítico.
Vocês são muito gentis
Em quais circunstâncias o senhor foi levado a
realizar Desejo humano (Human Desire, 1954), e por quais razões modificou o
desfecho e incluiu os antecedentes?
FL: Numa crítica, os vossos Cahiers me deram uma resposta. Por quê?
Mas
o senhor gosta desse filme ou prefere não falar sobre ele?
FL: Eu desejo, sim, falar, mas o filme de Renoir é tão melhor…¹ Primeiramente
eu tinha um contrato. Se tivesse recusado, me teriam dito: “Perfeito, mas se
nós tivermos outro filme para você, por ter recebido dinheiro por este, você
não receberá mais.” Isso poderia ter durado um ou dois anos. Eu me curvei.
Depois o produtor me disse: “Entenda, nós gostamos muito do filme de Renoir,
mas não podemos ter um pervertido sexual. Precisamos ter um americano bem-apessoado.”
Na realidade ele tinha razão, porque a censura teria se oposto a um personagem
como o de Gabin. Vocês não imaginam as dificuldades que tivemos para encontrar
uma companhia ferroviária que autorizasse as filmagens, sob o pretexto de que
mostraríamos um assassinato. Respondiam-nos: “Na nossa linha, uma morte,
impossível.” E tinham razão, em absoluto. Vocês acham que os acionários da
companhia Santa Fé ficariam contentes ao ver um filme sobre a Santa Fé com um
assassino nele? (Risos.) E então quem pode realizar um filme sobre a besta
humana se não filma o livro? Meu filme não é A besta humana. Batizaram-no em
inglês de Human Desire. É algo que era inspirado por um livro, por um filme.
Pergunto-me por que vocês escreveram uma boa crítica na Cahiers.
Formalmente,
seu filme é muito bonito.
FL: Muito obrigado, vocês são muito gentis, mas não é A besta humana.
Fiquei muito emocionado
Retomando algumas proposições precedentes
suas sobre o western, há uma objeção que inúmeros críticos lhe fizeram, da qual
por sinal não partilhamos, censurando seu gosto por aquilo que é comumente
chamado de melodrama. Ora, o senhor não ama justamente esse dito melodrama,
tanto em seus westerns e em seus filmes policiais como em seus filmes de
triângulo amoroso, na medida em que ele lhe permite situações mais fortes, em
que os seres, os homens, ficam ainda mais expostos, mais nus?
FL: Ignoro o que seja um melodrama, não sei o que é. A verdade é que
frequentemente vi assassinos em minha vida, eu frequentemente fui a locais onde
haviam cometido um crime. Eu não penso que o que vi era melodrama. E, depois,
não cabe a mim fazer a crítica dos críticos. Eu realizo um filme, é uma criança
que eu trago ao mundo. Todo mundo tem o direito de criticá-lo. É tudo.
Permitam-me ter a única vaidade que me deixa contente: o acolhimento favorável
do público. Eu não trabalho para os crí- ticos, mas para os espectadores, que
espero que sejam jovens. Não trabalho para as pessoas de minha idade, porque
elas deveriam estar mortas, incluindo eu. Eu não queria vir a Paris. Este
coquetel, estas palavras diante do público da Cinemateca, eu disse à senhora
Lotte Eisner que isso me parece um monumento a um homem que infelizmente ainda
não morreu. É ela que tinha razão. Um público jovem foi o que verdadeiramente
respondeu. Fiquei emocionado, bastante emocionado, porque é a prova que não
trabalhei para nada.
Você
nos disse anteriormente que o propósito de um cineasta era criticar. Será que
essa não poderia ser a definição da mise en scène?
FL: Toda arte, penso, deve criticar
algo. Ela não consiste em dizer que algo é bom, que é incrível, que é
maravilhoso. Em todo caso, o que podemos dizer de uma mulher que é boa? É uma
boa mãe, uma boa esposa. Mas o que podemos contar sobre uma mulher bastante
cruel? Pode-se falar duas horas sobre ela, ela é interessante. (Risos.) É
verdade ou não é? Você diz que uma é boa, mas a outra… Porque a questão se
coloca da seguinte forma: por que ela é perversa? E: ela é realmente perversa?
Ela tem o direito? Quais foram as circunstâncias? Os homens não são
responsáveis? Poderíamos falar por toda uma noite. E poderíamos até mesmo falar
toda uma vida com ela. (Risos.) Eu vi aqui, em Paris, um filme inglês chamado
Almas em leilão (Room at the Top, 1959). Há duas mulheres: uma bem franca, a
outra cruel. A mais interessante era Simone Signoret, não porque era melhor
atriz, mas porque seus sentimentos são muitos mais apaixonantes.
Uma obra repleta de idiotices
Em que medida o senhor foi influenciado ou
reagiu contra a corrente expressionista?
FL: Eu fui bastante influenciado. Não se
pode atravessar uma época sem dela receber alguma coisa.
Os
dois Nibelungos nos parecem expressionistas no bom sentido do termo, ao passo
que O gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, 1920) nos parece
sê-lo no pior sentido possível.
FL:
Vocês se enganam. Porque Caligari era um ensaio interessante, uma primeira
tentativa. Quando Wiene tentou recomeçar com Genuine (1920), isso já não
funcionava mais. O cinema é uma arte viva. Deve-se tomar tudo que é novo, não
sem exame, mas aquilo que é bom para você, que lhe enriquece.
O
que lhe parecia bom no movimento expressionista, o que você utilizou em seus
filmes?
FL: Isto é difícil de responder. O que
utilizo são minhas emoções, tento criar alguma coisa. Nestes tipos de
entrevistas me perguntam ou me demonstram aquilo que quis fazer. Um dia, nos
Estados Unidos, uns admiradores me ensinaram aquilo que eu estava pensando
quando realizei M. Eu lhes respondi: “É bem interessante, mas é a primeira vez
que me dou conta.” Não posso responder-lhes; são emoções. Quando jovens
cineastas vêm até mim e me perguntam: “Dê-nos regras para fazer a mise en
scène”, eu respondo: “Não há regras.” Hoje eu vejo que isso é bom, que é
necessário seguir nesta via, e amanhã eu digo que isso não serve mais, que é
necessário se orientar de outra forma. Utilizei a ferrovia e agora me sirvo do
avião, mas é impossível pretender que agora a ferrovia é má. Não posso dizer o
que encontrei no expressionismo. Eu o utilizei, tentei digeri-lo.
Alguns
de seus companheiros gostam de desenvolver teorias sobre suas artes, em
particular Eisenstein, que escreveu inúmeros artigos teóricos. O senhor também
não se vê tentado a desenvolver considerações teóricas a partir de sua obra, no
mesmo sentido em que Eisenstein realizou para a dele, e da qual pretendeu tirar
uma teoria geral sobre o cinema?
FL: Penso que a partir do momento em que se tem uma teoria sobre algo é porque
já se está morto. Não tenho tempo para pensar em teorias. Deve-se criar
emoções, e não a partir de regras. Trabalhar com regras é trabalhar com sua
experiência, é ingressar na rotina. Eu conheço um homem chamado S. Kracauer que
escreveu um livro, De Caligari a Hitler. Sua teoria é absolutamente falsa. Ele
procurou todos os argumentos para provar a verdade de uma teoria falsa. Por
este motivo, me esforcei em dissuadir a juventude de hoje de acreditar na
verdade de um livro que contém tantas idiotices. Eu cheguei a dizer isso a este
senhor. Ele ficou muito irritado. (Risos.) Vocês sabem, eu tenho uma língua,
basta que eu me sirva dela para poder provar o que for. Mas não é necessário à
minha verdade. Uma teoria não é nada para um criador, serve apenas a pessoas
que já estão mortas.
Roubem-me, ficarei orgulhoso
Você
teve a oportunidade de conhecer Murnau na Alemanha?
FL: Sim, mas não muito bem. Ele partiu muito cedo para os Estados Unidos e já
havia morrido quando cheguei lá. Ele realizou obras excelentes. Era uma
personalidade bem interessante. Ele fez Nosferatu (1922), muito, muito bom,
Tabu (1931), e até mesmo um Fausto (Faust, 1926) que continha coisas muito,
muito apaixonantes.
Roubem-me,
ficarei orgulhoso Você teve a oportunidade de conhecer Murnau na Alemanha?
FL:
Sim, mas não muito bem. Ele partiu muito cedo para os Estados Unidos e já havia
morrido quando cheguei lá. Ele realizou obras excelentes. Era uma personalidade
bem interessante. Ele fez Nosferatu (1922), muito, muito bom, Tabu (1931), e
até mesmo um Fausto (Faust, 1926) que continha coisas muito, muito
apaixonantes.
Visto
que você vai frequentemente ao cinema, existem cineastas que você admira mais
do que outros, ou prefere não responder?
FL: Eu me calarei quanto aos nomes, mas, naturalmente, prefiro certos atores,
certos cineastas.
Você
admira Renoir?
FL: Eu já lhes disse, A besta humana é um filme superior a Desejo humano. Não
se pode comparar os dois filmes.
E o
que o senhor pensa de Orson Welles e de Nicholas Ray?
FL: Eu vi dois ou três filmes de Ray de que gosto muito. Juventude transviada
(Rebel Without a Cause, 1955) é um filme muito bom.
O
primeiro filme dele, Amarga esperança (They Live by Night, 1949), era bastante
inspirado por seus filmes.
FL:
Eu aceito. Escute, eu roubei coisas de outros cineastas, e fico bastante
contente e orgulhoso se alguém me rouba algo. O que isso significa, roubar?
Pega-se uma ideia que se admira e depois tenta-se torná-la sua.
Publicado originalmente sob o título de “Entretien avec
Fritz Lang”. Cahiers du Cinéma n° 99, setembro de 1959, pp. 1-9. Traduzido do
francês por Bruno Andrade. (N.E.) extraído do catálogo “Fritz Lang – o horror
está no horizonte”.
Nota:
1
Desejo humano, de Lang, foi uma refilmagem de A besta humana (La Bête humaine,
1938), de Jean Renoir, filme por sua vez adaptado do livro homônimo de Émile
Zola, publicado em 1890. (N.E.)