domingo, 31 de agosto de 2014

LEFFest 2012: filmes (d)e Daney (fragmento)


(...)

Mas sendo esta uma colecção de filmes sob a memória e a palavra de Daney será incompreensível que não se invoque/evoque a mesma. Sobre Cimino disse: “A ambição de Cimino nunca foi pequena. Dar aos outros e a si próprio o sentimento de tudo começar do zero. Como se o cinema nada tivesse ainda mostrado e como se não se tivesse visto ainda nada. Verdadeira ambição de cineasta“. Nem mais. Um cineasta como Michael Cimino é um que toma o cinema como objecto de refundação (a palavra está na moda) de um pais, de uma nacionalidade. Esta compreensão pessimista da pátria americana valeu-lhe a glória e a desgraça; Heaven’s Gate (As Portas do Céu, 1980) foi a desgraça, custou perto de 45 milhões de dólares e conseguiu apenas 1 em bilheteira. Foi o filme que levou a United Artists à falência e transformou em besta o bestial realizador. Filme truncado pelos estúdios (para tentar minimizar os prejuízos), vê-se agora em versão restaurada e estendida.

Porque o tempo tudo cura, vemos agora a bisarma em estado puro; eu, por nunca ter visto a versão truncada, encaro a obra com olhos igualmente virgens. E mais que os revisionismos do oeste ou a prespectiva negativista, o que me espanta (mais que tudo) neste filme é a sua capacidade de passar do geral ao singular e de fazer o trajecto em sentido contrário, balançando entre o épico histórico e o épico romântico. Cimino percebeu que só se pode filmar o horror (e ele filma-o sem pejo) se podermos primeiro lavar a vista com candura. Para isso veja-se a cena da valsa logo a abrir o filme – alegria a brotar do ecrã a rodos – que faz um racord simbólico com a batalha final, também ela em constante movimento circular – o horror a rodos. Todo o filme vive nessa corda bamba: a cidade e o comboio com os seus barulhos e fumaradas e confusão (e centenas de figurantes) a par do campo e das montanhas na sua calma bucólica; cada um destes territórios é infectado pelo outro, até que no final já não há terra que valha a James, só o mar o pode ainda acolher. Cinco palas e muitas palmas (há filmes assim, saimos da sala e estranhamos as coisas cá fora, lamentamos que o projector tenha parado e que só nos reste voltar para casa e viver a nossa vida).
(...)
By 
(Texto na integra: http://apaladewalsh.com/2012/11/20/leffest-2012-filmes-de-daney-2/)

Cineclube Sesi: Fritz Lang Contra a América

Programação
04/09 - "O homem que quis matar Hitler"
11/09 - "Quando descerem as trevas"
18/09 - "Só a mulher peca"
25/09 - "Desejo humano"

Serviço:
Toda quinta
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA

Realização: Sesi 
Produção: Atalante

sábado, 30 de agosto de 2014

Cine FAP: "O Rio da Aventura", de Howard Hawks

Na próxima segunda-feira, dia 1°, o Cine FAP apresenta o filme "O Rio da Aventura", de Howard Hawks , dando prosseguimento à mostra Faroeste. Ainda em setembro teremos: "Homens Indomáveis", de Allan Dwan (15/09); "Vera Cruz", de Robert Aldrich (22/09); e "Dominados pelo Terror", de William Wellman (29/09)

Sempre com entrada franca!

Cine FAP apresenta: "O Rio da Aventura", de Howard Hawks

Estados Unidos, 1832. Os amigos negociantes Jim Deakins (Kirk Douglas) e Boone Caudill (Dewey Martin) partem para o Oeste junto com a expedição de um capitão francês pelo rio Missouri. Ameaçados por indígenas hostis, eles logo percebem que subestimaram o povo local. Enfrentando inúmeras dificuldades e levando uma garota como refém, os homens terão de lutar muito para conseguir retornar com vida.

Serviço:
dia 01/09 (segunda)
às 19 hs
no Auditório Antonio Melilo
(Rua dos Funcionários, 1357, Cabral)
ENTRADA FRANCA

Realização: Cine FAP e HATARI! (Grupo de Estudos de Cinema)
Apoio: Coletivo Atalante

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Cineclube Sesi da Casa: "O Portal do Paraíso", de Michael Cimino

Neste domingo, dia 31, excepcionalmente às 15h00, O Cineclube Sesi da Casa apresenta "O Portal do Paraíso", de Michael Cimino (com comentários de Cauby Monteiro) encerrando o ciclo Nova Hollywood. Em setembro o cineclube investiga A ficção nos anos 70. 
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi da Casa apresenta: 
"O Portal do Paraíso", de Michael Cimino

Nos Estados Unidos do final do século 19, aconteceu uma das páginas mais negras da história americana, um crime bárbaro chamado "Massacre de Johnson County", quando centenas de imigrantes eslavos, a maioria russos, foram dizimados pelos poderosos barões de gado de Wyoming. Este filme recria o episódio através da ótica de James Averill, um homem amargurado que disputa o amor de uma prostituta com um violento pistoleiro a mando dos fazendeiros.

Serviço:
dia 31/08 (domingo)
excepcionalmente às 15h00
no Sesi Heitor Stockler de França 
(Avenida Marechal Floriano Peixoto, 458, Centro)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)
 
 
Comentador convidado: Cauby Monteiro

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

POLÍCIA


Police, 1985
Logo em sua sequência inicial, Polícia nos faz lembrar de seriados televisivos recentes, em especial o aclamadoThe Wire, produzido pelo canal HBO entre 2002 e 2008. O estilo seco e direto impresso nesta obra por Maurice Pialat não encontra muitos paralelos no gênero em seu tempo, mesmo entre exemplares de polars (policiais) franceses surgidos a partir da década de 70, que por costume são ainda mais agressivos e politicamente incorretos do que os modelos made in USA mais famosos e imitados (Perseguidor Implacável, Operação França). Fazendo uso de uma tática que se tornaria padrão na televisão duas décadas mais tarde, Pialat investe com afinco nos personagens, tratando-os como seres de carne e osso, ao invés de perder tempo e repetir todo o procedimento padrão neste tipo de história – policiais de um lado e bandidos do outro, brigas com superiores, o conflito da moral e da ética…
Partindo de uma ideia original de Catherine Breillat (do período em que ela ficou quase dez anos sem dirigir um único filme), Polícia trabalha com um realismo brutal, onde policiais e bandidos apresentam inúmeras facetas, mesmo quando fazem aquilo que se espera deles. O Inspetor Mangin (Gérard Depardieu) pode perfeitamente prender e fichar um suspeito por pura intuição ou desejo, apesar da dúvida que acomete a vítima do crime, sem qualquer condenação posterior para si. Também é capaz de assediar sexualmente ou tripudiar de uma agente em treinamento, sua possível superior em pouco tempo, sem problema algum. Mais tarde, evita entrar em conflito com uma figura que agrediu a mesma agente na rua, talvez porque não seja inteligente desafiar este homem misterioso.
Se os policiais ultrapassam a linha imaginária que separa a atitude policial do uso abusivo do poder, os bandidos por possuírem ligação familiar ou raízes em comum, demonstram um padrão mais elevado de comportamento a despeito de suas atividades ilícitas. Vão preferir o diálogo à violência, menos quando um membro menor do grupo age como informante para a polícia a fim de abrandar sua pena. A sentença para este soldado desonrado só pode ser a morte. Quem transita entre os dois grupos é o advogado Lambert (Richard Anconina), amigo pessoal de Mangin e que tambpem mantém laços de confiança com quadrilha de traficantes de drogas, pois afinal, ele é um advogado honesto que faz o que sua profissão manda e com isso aumenta a proximidade dos dois mundos.
Quase nenhum dos criminosos traz um nome que o associe com suas origens árabes, com exceção de Noria (Sophie Marceau, em um de seus primeiros papéis), uma gaulesa de aparência caucasiana. Envolvida com os bandidos, ela se tornará o objeto de desejo de Mangin, um homem de atitudes ásperas quando travestido de oficial da lei, mas que esconde por trás disso um perfil de fragilidade e carência afetiva, demonstrado quando passa uma noite com uma prostituta que também lhe serve como informante. A câmera de Pialat evita mostrar o ato sexual, preferindo se afastar, captando apenas a insuspeita timidez ou falta de jeito de Mangin. Ele trata Noria com rispidez dentro da delegacia, chega até a agredir a moça ao interrogá-la, mas quando longe deste ambiente, passa a cortejá-la, deixando aflorar seus sentimentos para com esta mulher. Noria será o oposto de Mangin. De aparência frágil de início, ela apresentará depois como a femme fatale do filme, com uma personalidade manipuladora e gélida, contrastando com o vulcão de emoções que é o inspetor.
Trabalhando pela primeira vez com um típico cinema de gênero, Pialat foge das convenções, escolhendo focar o olhar no relacionamento dos personagens. A própria investigação em relação aos traficantes é deixada em segundo plano, não há cenas de perseguição de carro e um único tiro é disparado durante toda a duração do longa. Se hoje o público está acostumado com séries como The Wire ou The Shield, imagina-se o estranhamento que Polícia provocou na metade da década de 1980. Exemplares americanos iconoclatas vieram a seguir, comoViver e Morrer em Los Angeles e Homicídio, mas nada tão radical. Mesmo sem a certeza de que William Friedkin ou David Mamet tiveram a oportunidade de conferir Polícia em seu lançamento nos cinemas, podemos dizer que o gênero policial se divide em antes e depois da obra-prima de Pialat.
Leandro Caraça
(Texto original:
 http://www.revistainterludio.com.br/?p=3453)

Cine FAP: programação de setembro


Cine Fap apresenta: Mostra Faroeste
Programação de setembro:
01/09 - "O Rio da Aventura", de Howard Hawks
15/09 - "Homens Indomáveis", de Allan Dwan
22/09 - "Vera Cruz", de Robert Aldrich
29/09 - "Dominados pelo Terror", de William Wellman

Serviço:
Sessões às  segundas
às 19 hs
no Auditório Antonio Melilo
(Rua dos Funcionários, 1357, Cabral) 
ENTRADA FRANCA

Realização: Cine FAP
Produção: HATARI! - Grupo de Estudos de Cinema
Apoio: Coletivo Atalante

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Poiesis - Caminhadas Literárias

Poiesis - Caminhadas Literárias

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, dia 30/08. Palestrante Marcelo Sandmann*, no Décimo Primeiro Andar da Reitoria (UFPR), Prédio Dom Pedro I (Das 14 às 18 horas).


O Poiesis é um evento de extensão da UFPR, organizado pelo Coletivo Atalante e sob a coordenação do professor Benito Rodrigues. Consiste em ciclos de palestras sobre grandes clássicos da literatura mundial, sendo tais palestras conduzidas por professores da UFPR, especialistas em tais obras. Por outro lado, este evento também faz parte de um esforço da universidade em abrir-se para a comunidade não acadêmica, fazendo circular um saber geralmente restrito ao público da academia. Todas as palestras ocorrem sábado à tarde, das 14 às 18 horas na Reitoria. 
Estamos no segundo ciclo, O Romance (ver programação abaixo), que se propõe a explorar este gênero tão multifacetado e desafiador, que vem espelhando a humanidade e pondo a nu, sem reservas, seus aspectos mais belos e sórdidos. As obras selecionadas para este ciclo se encontram no plano dos textos de ruptura, que problematizam as delimitações deste gênero.

Datas, obras e professores palestrantes:

22/02 - Ulysses, de James Joyce, com Caetano Galindo.
22/03 - O Processo, de Franz Kafka, com Paulo Soethe.
05/04 - A Paixão Segundo GH, de Clarice Lispector, com Lucia Cherem. 
26/04 - As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, com Ernani Fritoli.
17/05 - Madame Bovary, de Gustave Flaubert, com Sandra Stroparo.
07/06 - O Som e a Fúria, de William Faulkner, com Luci Collin. 
16/08 - Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, com Rodrigo Machado.

30/08 - O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago, com Marcelo Sandmann.

13/09 - Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, com Marilene Weinhardt. 
27/09 - Satyricon, de Petrônio, com Rodrigo Gonçalves. 
25/10 - Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez, com Isabel Jasinski.
22/11 - Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, com Paulo Soethe. 

* Marcelo Sandmann possui graduação em Letras pela Universidade Federal do Paraná (1989), mestrado em Letras pela Universidade Federal do Paraná (1992), com a dissertação "A Poesia de José Paulo Paes", e doutorado em Teoria e História Literária pela Universidade Estadual de Campinas (2004), com a tese "Aquém-Além-Mar: Presenças Portuguesas em Machado de Assis". Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: Literatura Portuguesa, Literatura Comparada Portuguesa e Brasileira, Poesia Brasileira, Música Popular Brasileira, Machado de Assis e Luís de Camões.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Cineclube Sesi: "Polícia", de Maurice Pialat

Nesta quinta-feira, dia 28, o Cineclube Sesi apresenta o filme "Polícia", encerrando o ciclo Maurice Pialat. Em setembro o tema será Fritz Lang Contra a América.
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi apresenta: "Polícia" de Maurice Pialat


Mangin (Gérard Depardieu), um detetive da polícia de Paris, está atrás de três irmãos tunisianos envolvidos com tráfico de drogas. Ele vê sua vida virar de cabeça para baixa ao se envolver com Noria (Sophie Marceau), namorada de um dos traficantes. O filme ilustra a relação problemática entre policias, mafiosos e advogados no meio parisiense. 

Serviço:
dia 28/08 (quinta)
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O Último Trágico


Muito bem, depois da admirável reflexão do amigo Ranieri sobre o retorno formal a que Anthony Mann se propôs em sua carreira, ao dialogar não só com os princípios dos pré-cinemas e da própria encenação teatral, não posso deixar de trazer à tona um aspecto que ressaltei várias vezes nos textos do Especial: o retorno de Mann ao Trágico. Até porque perceberemos aí, uma espécie de linha que comprova ser o retorno também uma evolução, uma ousadia que exige muito mais tato e consciência para que atinja mérito.
Lembrando que o gênero trágico é a única forma narrativa da Antiguidade essencialmente mantida no decorrer da história – a despeito dos inevitáveis rearranjos de contexto sociais –, encontramos na obra de Anthony Mann uma continuidade exata das bases presentes nessa modalidade, que, pela pertinência dos tempos modernos, resulta numa intensidade de maiores possibilidades e conseqüências.
Talvez nenhum outro cineasta tenha seguido, como Mann, a cartilha padrão da Tragédia greco-romana tão fielmente, a exemplo de seu percurso pelo noir na década de 40. É inútil pescar referências ou exemplos particulares de filmes, se toda sua filmografia daquela década reflete inequivocamente o espírito do que a Poética de Aristóteles definiu quase 4 séculos a.C. Todos por aqui já estão devidamente situados sobre as condições existenciais dos personagens de Mann em seus filmes noir; assim como a Tragédia dita o destino, todos eles sobrevivem como regidos por um fio manipulador que distancia as chances de o subjetivo manifestar-se. Não há noir de Mann (e porque não compreender o mesmo para o próprio noir, se Mann foi um dos definidores de sua grafia básica) que não priorize o deslocamento de seu protagonista/herói arrancando-o de um ponto pacífico, que não se baseie num princípio da crise, da instauração do caos, surgido habitualmente por banalidades do cotidiano, por peripécias do dia-a-dia que porventura empurram toda uma vida à beira de um abismo.
À solidão a que esses personagens são confinados acrescente-se o signo da falta, a potencialidade de uma ausência que percorre cada um dos filmes de Anthony Mann – onde já incluímos a fase pós-50. Seja um nome, um amor, uma família, um território, uma fortuna, uma arma, uma memória, não há enredo em que Mann não parta de um vazio agenciador do estado solitário do indivíduo. E é na solidão que o Trágico se configura; dela vem à luz a plenitude do lírico, única alternativa discursivo-estética que o homem moderno encontra para permanecer trágico.
O rigor de Mann no acompanhamento aristotélico pode ainda ser percebido em detalhes mínimos, como por exemplo, a duração de seus filmes. Assim como o filósofo afirmou que a duração da Tragédia deve ser concentrada ao máximo, em peças que não excedam uma hora, todos sabemos da habilidade de Mann em narrar as mais complexas tramas na menor duração possível, seja por opção criativa, seja por limitações de produção, não importa, o que conta é a feliz coincidência.
Também poderemos compreender melhor sob o viés trágico de Mann a ambigüidade com que ele trabalhou seus dois gêneros principais: o noir e o western. Assim como os gregos foram pautados pela homogeneidade do mundo/das formas, em Anthony Mann teremos um amálgama dos dois ambientes clássicos por excelência ao cinema americano, num equilíbrio quase indiscernível de tão sutil. Apesar de seu lugar histórico e cultural (Hollywood) não permitir maiores arroubos de vanguarda, Anthony Mann não se deixou calar, chegando a abrir uma ferida nessas convenções. Aliás, eis uma de suas características maiores: transgredir pelo conservador. O rompimento nos limites dos gêneros, algo que só encontraria destaque nos cinemas novos pós-60, é prioridade de Mann a cada filme realizado; daí encontrarmos saloons e desertos nos becos sujos dos ambientes urbanos, assim como expressividade de sombras e formas na abertura das paisagens do velho oeste.
Finalmente, o preceito da transformação a ser vivido pelo herói trágico, a mudança necessária de seu destino, é um último ponto que levanto dentro do universo de Anthony Mann (ainda há outros, mas estou tentando ser aristotelicamente conciso). Se em alguns casos temos heróis que se transformam de assassinos em redentores, também encontraremos o extremo oposto disso; o que importa é que sempre, sem exceção, as situações narrativas de Mann se resolverão dramaticamente, com personagens transformados em outros, sem que jamais se perca a individualidade original.
Daí onde podemos aplicar ao próprio lugar alcançado por Anthony Mann no registro cinematográfico clássico, uma configuração primeira de cinema trágico, ou seja, em crise, solitário, concentrado, lírico, e profundamente transformador. Um cinema conscientemente ancorado numa tradição não apenas da imagem em movimento, mas de toda uma dimensão humana da representação artística, capaz de atualizar inquietações das mais antigas ao homem enquanto se presta a uma renovação do veículo utilizado. Fazer isso, convenhamos, é o mais heróico dos atos.
(Texto original: http://multiplotcinema.com.br/antigo/2010/05/12/o-ultimo-tragico/)

sábado, 23 de agosto de 2014

Cine FAP: "E o Sangue Semeou a Terra", de Anthony Mann

Na próxima segunda-feira, dia 25, o Cine FAP apresenta o filme "E o Sangue Semeou a Terra" de Anthony Mann , dando prosseguimento à mostra Faroeste.
Sempre com entrada franca!

Cine FAP apresenta: 
"E o Sangue Semeou a Terra", de Anthony Mann

Homem lidera um grupo de pioneiros ao Oregon, onde iniciarão uma nova vida. No caminho, porém, eles passam por uma série de percalços e dificuldades.

Serviço:
dia 25/08 (segunda)
às 19 hs
no Auditório Antonio Melilo
(Rua dos Funcionários, 1357, Cabral)
ENTRADA FRANCA

Realização: Cine FAP e HATARI! (Grupo de Estudos de Cinema)
Apoio: Coletivo Atalante

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

É-Cultura do dia 22/08/14

Antonio Spaccarotella, Cinderela, Chinês é tudo igual, entrevista com Miguel Haoni sobre cineclubes e China Girl do David Bowie.

Parte 1 - http://www.e-parana.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=12008
Parte 2 - http://www.e-parana.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=12007
Parte 3 - http://www.e-parana.pr.gov.br/modules/video/showVideo.php?video=12006

Cineclube Sesi da Casa: "Nashville", de Robert Altman

Neste domingo, dia 24, às 16h00, O Cineclube Sesi da Casa apresenta  "Nashville", de Robert Altman dando continuidade ao cicloNova Hollywood que contará ainda com "O Portal do Paraíso", de Michael Cimino (31/08 - excepcionalmente às 15h00). 
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi da Casa apresenta: "Nashville" de Robert Altman


Um mosaico da vida americana, centrada em Nashville, capital da música «country», durante uma campanha eleitoral, onde se reflectem os conturbados tempos da contestação à guerra do Vietname, do papel da música popular, das manifestações hippies e da violência, em especial os assassinatos políticos que tinham abalado os EUA. A canção de Keith Carradine, "I'm Easy" ganhou o Oscar.

Serviço:
dia 24/08 (domingo)
às 16h00
no Sesi Heitor Stockler de França 
(Avenida Marechal Floriano Peixoto, 458, Centro)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

PASSE TON BAC D'ABORD


Maurice Pialat, França/Canadá, 1978

Não ter promessas de futuro é uma condição de vazio extremo. É diferente de não ter qualquer futuro. A completa falta de futuro dá ao presente a liberdade de se viver ao máximo até o fim. É diferente também de ter um passado que constantemente retorna ao presente e que possibilita identidade, trajeto, projeto, enfim, futuro. Não ter promessas de futuro é ser um fantasma que vaga num presente eterno, que não produz, nem se consome. Apenas se é, palidamente.
Essa é a experiência de Passe ton bac d’abord. Acompanhamos um ano da vida de Elizabeth, Philippe, Bernard, Patrick, Valérie e outros jovens que vivem em Lens, cidadezinha estagnada do norte da França. Lá não há nada pra fazer, a não ser beber, fazer sexo com as mesmas pessoas e jogar o tempo fora no café do Hotel Caron. É o último ano do ensino médio, momento de preparação para conseguir o Baccalauréat, o bac, e tentar ingressar em alguma universidade ou conseguir um bom emprego. Mas todos desistem, pois para eles não faz diferença. Não há empregos bons, não há chance nas universidades boas. Há Lens, as minas de carvão, as fábricas de tecido, as tentativas sempre frustradas de tentar a vida em outro lugar.
Duas coisas assustam em Passe ton bac d’abord. A primeira é que o vazio não parte de uma reflexão diante do mundo, de uma postura que podemos reduzir grosseiramente como existencialista. O vazio parte da barreira material, do reconhecimento da falta de possibilidades e da certeza de que todos irão viver e morrer em Lens, exatamente como seus pais. Vemos aí a marca de Pialat, o cineasta da “França profunda”, dos subúrbios, dos excluídos, de L’amour existe, de L’enfance nue. A segunda é que essa experiência acontece para jovens que sequer chegaram aos seus 20 anos, mas que tem a forte sensação de que a vida já acabou, pois algo que lhes fora prometido, não vai ser cumprido.
Mesmo assim, não significa que Passe ton bac d’abord seja um filme carregado de luto. Ele é mais carregado de ansiedade. Pialat opta por acompanhar o ano desse grupo e enquadra seu filme entre duas aulas de filosofia, a primeira marca a desistência de se formar, a segunda o retorno e a resignação. Em ambas, o professor repete o discurso: para entender a filosofia é necessário desaprender. Nesse meio tempo, é justamente o que fazem, desaprender como estratégia para fazer diferente. Tentam fugir, amar, formar outra família, trabalhar no que é possível, se divertir na praia. Nada dá certo. Não realizam mais do que uma série de gestos dispersos que, por acumulação, são submergidos por uma profunda desolação que não parece vir de qualquer lugar em especial. Todo trabalho de Pialat parece estar em dar forma a essa variação de ansiedades, em cenas que investem na saturação do trabalho do ator, sem que desemboquem para qualquer resolução. A vida apenas passa, sem escolha.
Essa forma narrativa que Pialat emprega lembra muito Tchekhov. Peças como A Gaivota, Três Irmãs, Tio Vânia eJardim de Cerejeiras são compostas por um empilhamento de cenas, por personagens ansiosos que não param de fazer coisas banais e que, no final, são tomados por uma profunda desolação, que surge sorrateiramente no meio de todo esse barulho. É isso que sentimos em Elizabeth, que tem problemas com os pais e sai com quantos rapazes puder. De repente conhece Philippe, se apaixona, sofre com a relação, fica ainda mais estressada com sua família, tenta fugir sem sucesso de Lens e termina grávida, na casa dos pais, nas vésperas de seu casamento protocolar no ano em que tentará novamente o bac. Em casa, sem prestar muita atenção, ela responde à mãe que o arranjo de enfeites para seu casamento está ótimo. Nesse momento, um corte para a tela preta e os créditos finais se iniciam. As promessas de futuro acabam. Só resta esperar.

Lucian Chaussard
(texto original:  
http://www.contracampo.com.br/97/pgpassetonbac.htm)

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Minicurso de história do cinema: o cinema clássico japonês

INSCRIÇÕES ENCERRADAS

Dando prosseguimento aos minicursos mensais de história do cinema, o Sesi oferece no dia 30 de agosto (sábado) das 8 às 12 e das 14 às 18 horas, no Sala Multiartes do Centro Cultural Sistema Fiep, minicurso sobre o Cinema Clássico Japonês.
Ministrados pelo cineclubista Miguel Haoni, do Coletivo Atalante, os mini-cursos têm carga horária de 8 horas, inscrições gratuitas e vagas limitadas. 


A tradição do cinema narrativo clássico no Japão
cinema clássico grassou uma rcepção mundial imensa atingindo os mais distantes pólos de produção. No Japão, os cineastas que antes, durante e após a Segunda Guerra operavam a matriz melodramática associada ao zen e à crise da modernização, ofereciam ao mundo uma forma particular de arte. o enquadramento de Mikio Naruse, a decupagem de Yasujiro Ozu e a mise-en-scène de Kenji Mizoguchi não apenas representavam uma variação formal mas uma maneira única e inovadora de observar o mundo.


Sobre o primeiro mestre a chegar no ocidente, Kenji Mizoguchi:
"Os franceses, sempre os franceses, por intermédio dos Cahiers du Cinéma, empreenderam sua canonização. Várias críticas, trechos de roteiros traduzidos, as memórias de Yoda e até algumas monografias foram publicados. Num período no qual Ozu, Naruse e outros permaneciam praticamente desconhecidos no ocidente, Mizoguchi representava a única grande alternativa ao espetacular e complexo Kurosawa. Os elogios chegaram a ser superlativos. "Kenji Mizoguchi é para o cinema", escreveu Jean Douchet, "o que Bach é para a música, Cervantes para a literatura, Shakespeare para o teatro, Ticiano para a pintura: o maior". Seu ritmo fluido e suas imagens refinadas incorporaram a mística da mise-en-scène que era central à estética dos Cahiers. O êxtase de Sarris diante da visão do lago cintilante de madame Yuki pertence a essa linha de pensamento. Godard escreveu que Mizoguchi queria simplesmente "deixar as coisas se apresentarem, com a mente intervindo somente para apagar seus próprios rastros". Jacques Rivette observou que seus filmes, mesmo muito distantes culturalmente, "falam a nós numa linguagem muito familiar. Que linguagem? A única a que os diretores devem aspirar, a da mise-en-scène".
(David Bordwell, Figuras traçadas na luz)

Unidades:
1 - Velho romantismo e novo realismo
2 - Arte do espaço
3 - Os encantos da rotina

Referências:
1 - NAGIB, Lúcia (org.) Mestre Mizoguchi - uma lição de cinema. São Paulo: Navegar Editora, 1990.
2 - NAGIB, Lúcia e PARENTE, André. Ozu - o extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo: Marco Zero, 1990.
3 - "Tormento". Mikio Naruse. 1964. JAP. p&b. 98 min.

Serviço: 
dia 30 de agosto (sábado)
das das 8 às 12 e das 14 às 18 horas
na Sala Multiartes do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200 - Centro Cívico - Curitiba/PR)

Realização: Sesi (http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br)

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Cineclube Sesi: "Antes Passe no Vestibular", de Maurice Pialat

Nesta quinta-feira, dia 21, o Cineclube Sesi apresenta o filme "Antes passe no vestibular", dando continuidade ao ciclo Maurice Pialat, que contará ainda com "Polícia" (28/08). 
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi apresenta:

"Antes passe no vestibular" de Maurice Pialat

O filme mostra a vida de um grupo de amigos da região de Lens, uma região mineradora. Alguns terminam os estudos sem grandes convicções, outros passam de pequenos bicos ao desemprego. Por que fazer o esforço de passar no vestibular se o futuro é tão incerto? No bistrô onde se reúnem, longe das cobranças da família e da escola, novos casais surgem, depois se separam… A incerteza da juventude é simplesmente vivida.

Serviço:
dia 21/08 (quinta)
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

GÊNIO DE HOWARD HAWKS


A evidência é a marca do gênio de Hawks: Monkey Business é um filme genial e se impõe ao espírito pela evidência. Alguns porém se recusam, ainda se recusam a satisfazer-se com asserções. A ignorância não tem talvez outras causas.
Dramas e comédias dividem igualmente sua obra: ambivalência remarcável; ainda mais remarcável é a frequente fusão dos dois elementos, que parecem se afirmar em vez de se comprometer, e se afinam reciprocamente. A comédia nunca está ausente das tramas mais dramáticas; longe de comprometer o sentimento trágico, ela o conserva do conforto da fatalidade na conservação de um equilíbrio perigoso, uma incerteza provocante que acrescenta ao poder do drama. Sua tartamudez não pode preservar da morte o secretário de Scarface; o sorriso que The Big Sleep quase todo o tempo desperta é inseparável do pressentimento de perigo; o clímax de Red River, no qual o espectador não é mais capaz de refrear o desconcerto de seus sentimentos e se pergunta por quem toma partido e se deve rir ou temer, resume um tremor de pânico de todos os nervos, uma atônita vertigem sobre a corda bamba onde o pé titubeia sem exatamente escorregar, tão insuportável quanto o desenrolar de alguns sonhos.
E se a comédia dá ao trágico sua eficácia, a mesma não pode dispensar totalmente, talvez não o trágico - não vamos comprometer nossos melhores argumentos indo longe demais –mas o sentimento severo de uma existência em que nenhuma ação pode livrar-se da teia da responsabilidade. Poderia nos ser oferecida uma visão de vida mais amarga que esta? Tenho de confessar que sou bastante incapaz de me juntar às risadas da plateia enquanto estou fixado nas peripécias calculadas de uma trama (Monkey Business) que se aplica em contar–com uma lógica alegre, uma eloquência perversa- as etapas fatais da degradação de mentes superiores.
Não é acidente que grupos similares de intelectuais aparecem tanto em Ball ofFire quanto emThe ThingfromAnother World. Mas Hawks não está tão preocupado com a sujeição do mundo à visão glacial e desencantada de uma mente científica, como está por retraçar as cômicas desventuras da inteligência. Hawks não se preocupa com sátira ou psicologia; sociedades significam para ele não mais que os sentimentos; diferente de Capra ou McCarey, Hawks está preocupado somente com a aventura do intelecto. Quer ele oponha o velho ao novo, uma soma de todo o conhecimento do passado à outra de formas degradadas da vida moderna (Ball ofFire, A Song is Born), ou o homem à fera (Bringingup Baby), ele permanece com o mesmo temada intrusão do não-humano, ou de um avatar mais cru da humanidade, em uma sociedade altamente civilizada. Em The Thing, a máscara finalmente é retirada: nos confins do universo, alguns homens da ciência estão às voltas com uma criatura pior que inumana, uma criatura de outro mundo; e seus esforços tentam primeiramente enquadrá-la nas molduras lógicas do conhecimento humano.
Mas em Monkey Business o inimigo penetrou no homem em si; o sutil veneno do rejuvenescimento, a tentação de juventude da qual sabemos depois de muito tempo não ser um dos mais sutis subterfúgios do mal - aqui um basset, ali um macaco – no momento em queuma rara inteligência se mantém em cheque. E a mais nefasta das ilusões, contra a qual Hawks luta com um pouco de crueldade: a adolescência, a infância são estados bárbaros dos quais somos resgatados pela educação; A criança mal se distingue do selvagem que imita em seus jogos; uma vez bebido o licor precioso, o mais digno senhor encontra prazer em imitar um chimpanzé. Pode-se reconhecer aqui uma concepção clássica do homem, como criatura cujo único caminho para a grandeza passa pela experiência e pela maturidade; no final de seu progresso, sua velhice o julga.
Ainda pior que o infantilismo, a degradação, a decadência - a fascinação que exercem sobre a inteligência mesma; o filme não é somente a história dessa fascinação, como se propõe ao espectador como demonstração de seu poder. Assim, qualquer um que critique essa tendência deve primeiro submeter-se a ela. Os macacos, os índios, os peixes dourados não são mais que as aparências de uma mesma obsessão pelo elementar, onde se confundem os ritmos selvagens, a doce estupidez de Marilyn Monroe (aquele monstro de feminilidade que o figurinista quase deformou) ou os ímpetos davelha bacante em que Ginger Rogers se transforma quando se reverte à adolescência e suas rugas parecem ir embora. A euforia maquinal das ações dos personagens dão à feiura e à infâmia um lirismo, uma densidade expressiva que os eleva à abstração; a fascinaçãotoma conta, dá beleza às metamorfoses, em retrospecto. Pode-se chamar expressionista a arte com a qualCary Grant transforma seus gestos em símbolos; no instante em que ele se maquia de índio, como não recordar do célebre plano deO Anjo Azul no qual Jannings contempla no espelho sua face distorcida. Não é de modo algum superficial comparar essas duas histórias paralelas de ruína; lembramos como os temas da danação e da maledicência no cinema alemão impuseram a mesma progressão rigorosa do razoável ao odioso.
Do close-up do chimpanzé ao momento em que a fralda escorrega naturalmente do bebê Cary Grant, o espírito é chamado a uma constante vertigem de impudor; e o que é esse sentimento senão uma mistura de medo, censura - e fascinação? A atração dos instintos, o abandono aos poderes terrestres e primitivos, mal, feiura, estupidez - todas as máscaras do demônio são, nessas comédias em que a própria alma é tentada à bestialidade, combinadas à logica extrema; a ponta mais aguda da inteligência volta-se contra si mesma. I Was a Male War Bride toma como assunto simplesmente a impossibilidade de encontrar um lugar para dormir, prolongando-o à exaustãoe aos extremos da desestabilização e desmoralização.
Melhor do que ninguém, Hawks sabe que a arte deve ir aos extremos, mesmo aos extremos da infâmia, pois este é o domínio da comédia. Ele jamais tem medo de usar as mais bizarras peripécias, uma vez que as deixou pressentir, menos preocupado em desapontar a baixeza de espírito do espectador que em saciá-la dando um passo além. Esse é também o gênio de Molière, cujo frenesi lógico suscita menos frequentemente o riso que o nó na garganta. Esse é também o gênio de Murnau, cujo admirável Tartufo,a famosa cena com a Dama Martha, e várias sequências de A última Gargalhada oferecem ainda modelos de um cinema Molièresco.
Há em Hawks, cineasta da inteligência e do rigor, porém junto de forças obscuras e fascinações, um espírito germânico atraído por delírios metódicos onde se engendram infinitamente as consequências, onde a continuidade faz o papel de Destino; seus heróis demonstram isto nem tanto em seus sentimentos como em seus gestos, que ele persegue meticulosamente com paixão; são ações que ele filma, meditando sobre o poder de sua aparência, somente. Que nos importam os pensamentos de John Wayne enquanto caminha em direção a Montgomery Clift no final de Red River, ou nos de Bogart durante uma surra; nossa atenção é dirigida somente à precisão de cada passo - o ritmo exato da caminhada - de cada golpe – ao abatimento progressivo do corpo maltratado.
Mas Hawks epitomiza ao mesmo tempo as mais altas virtudes do cinema americano, o único cineasta que sabe como nos propor uma moral; daí a perfeita encarnação,admirável síntese que contém talvez o segredo de seu gênio. Não é uma ideia que é fascinante num filme de Hawks, mas sua efetividade; o ato nos retém menos por sua beleza que por seu efeito no interior do universo que o contém.
Tal arte demanda uma honestidade fundamental, o emprego do tempo e do espaçoé testemunha disso - sem flashback, sem elipse, a continuidade é a regra. Nenhum personagem desaparece sem que o acompanhemos, e nada surpreende o herói que não nos surpreenda ao mesmo tempo. A disposição e o encadeamento de cada gesto são por força de uma lei, mas uma lei biológicacomo aquela que governa cada ser vivo; cada tomada possui a beleza funcional de um pescoço ou de um tornozelo. A sucessão, suave e rigorosa,reencontra o ritmo das pulsações do sangue; o filme inteiro, corpo glorioso, vivo por uma respiração resiliente e profunda.



A obsessão pela continuidade ordena o gênio de Hawks; ela lhe dita o senso de monotonia e lhe associa frequentemente à ideia de percurso e itinerário (Air Force, Red River); eis um universo homogêneo onde tudo está ligado, tempo ao espaço e espaço ao tempo. Assim em certos filmes onde a comédia tem uma parte maior (ToHaveandHaveNot, The Big Sleep), os personagens estão circunscritos a alguns cenários, por onde se movem em vão. Adivinhamos a gravidade de cada movimento de alguém que não podemos abandonar. Quer evoquemos Scarface, cujo reino se encolhe das cidades que dominava ao quarto ondeé encurralado, os cientistas que não ousam deixar a cabana por medo d'A Coisa; quer nos lembremos como os pilotos envolvidos no campo pela neblina escapam às vezes para as montanhas (OnlyAngelsHaveWings), como Bogart escapa para o mar, do hotel onde vagava impotente entre o porão e seu quarto (ToHaveandHaveNot); quer reencontremos o eco burlesco destes temas em Ball ofFire, onde o gramático se evade do universo hermético das bibliotecas para os perigos da cidade, ou em Monkey Business, onde as fugas traduzem os acometimentos de juventude (como I was a Male War Bride retoma em outro registro o tema do itinerário) – sempre o espaço exprime o drama; as variações de cenário modelam a continuidade do tempo. O passo do herói traça as figuras de seu destino.
A monotonia não é mais que uma máscara:de lentas e profundas maturações, se esconde um progresso obstinado, as conquistas feitas passo a passo sobre o solo e sobre si ao mesmo tempo – até o paroxismo. Aqui a lassitude como instrumento dramático – a exasperação de homens que se refrearam por duas horas, que pacientemente condensaram ante nossos olhos a cólera, o ódio ou o amor, e eis que os liberam bruscamente, tal como pilhas lentamente saturadas que por fim emitem uma faísca.O sangue-frio exaspera o calor de seu sangue; a calma a qual eles se aplicam nos força a sentir sua emoção, a partilhar o tremor secreto de seus nervos e de sua alma - até que o copo transborda. Um filme de Hawks muitas vezes possui a mesma sensação de uma espera ansiosa pela queda de uma gota d'água.
As comédias dão a essa monotonia outra face:a repetição substitui o progresso, como a retórica de Raymond Roussel substituindo a de Peguy; os mesmos feitos, retomados vezes sem fim, agravados poruma persistência maníaca, uma paciência de obcecado, turbilhonam sem controle, como se a mercê de um maelstrom ridículo.
Que outro gênio, mesmo mais tomado pela continuidade, poderia ser mais apaixonadamente interessado nas consequências dos atos, às relações que os unem; suas influências, suas repulsões, suas atrações constituem um universocontínuo e coerente, universo Newtoniano onde se impõe a lei da gravitação universal e o sentimento profundo da gravidade da existência. Os gestos do homem são pesados e medidos por um mestre preocupado com as responsabilidades dos mesmos.
A medida desses filmes é a inteligência, mas uma inteligência pragmática, aplicada diretamente ao mundo sensível, e que alcança a eficácia mediante o ponto de vista preciso de uma profissão ou de qualquer forma de atividade humana às voltas com o universo e ansiosa por conquistas. Marlowe em The Big Sleep pratica uma profissão assim como um cientista ou um piloto; e quando Bogart aluga seu barco em ToHaveandHaveNot, quase não olha para o mar, menos preocupado com a beleza das ondasque com a dos passageiros; todo rio foi feito para ser atravessado, todo rebanho para prosperar e ser vendido pelo preço mais alto. Mesmo sedutoras, mesmo amadas, as mulheres devem aderir à busca.
É impossível evocar adequadamente ToHaveandHaveNot sem imediatamente relembrar da luta com os peixes que abre o filme. O universo não pode ser conquistado sem conflito, e este é o ambiente natural dos heróis de Hawks: combate corpo-a-corpo, lutas calorosas, que enlaçamento mais estreito pode-se esperar com outro ser? Assim o amor existe mesmo com aperpétua oposição; é um duelo incansávelonde o perigo constanteos intoxica da evidência do próprio sangue(The Big Sleep, Red River). Da luta nasce a estima - essa admirável palavra que compreende de uma vez conhecimento, apreciação e simpatia; o oponente torna-se parceiro. Mas que desgosto se é preciso combater um inimigo que a isso se recusa;Marlowe, tomado de uma amargura repentina, precipita os eventos e se apressa em levá-los aos seus fins.
A maturidade cai bem a esses homens reflexivos, heróis de um mundo adulto, muitas vezes quase que exclusivamente masculino, onde o trágico reside nas relações pessoais. A comédia vem da intrusão e confrontação de elementos estranhos, ou de mecanismos que lhes tiram o livre-arbítrio - essa liberdade de decisão pela qual um homem se exprime e se afirmaem seu ato como no ato de criar.
Não quero parecer estar louvando aqui um gênio a frente de seu tempo; mas a evidência de suas ligaçõesao nosso século me impede de articular isso.  Prefiro, em vez disso, apontar como, se se atém às vezes à pintura do derrisório e do absurdo, Hawks se aplica antes a dar um sentido e um gosto de viver a esses fantasmas e lhes abençoar com uma grandeza insólita, de alguma nobreza a muito tempo secreta; como ele dá à sensibilidade moderna uma consciência clássica. Red River e OnlyAngelsHaveWings não reclamam outra filiação que não a deCorneille; a ambiguidade, a complexidade são privilégios dos mais nobres sentimentos, que alguns creem ainda como monótonos, ainda que sejam mais rapidamente exauridos os instintos, as barbáries, as razõesdas almas cruas - eis o porquê dos romances modernos seremchatos.
Finalmente, como poderia omitir a menção dessasadmiráveis introduções, em que o herói se estabelece por sua duração com uma fluida plenitude. Sem preliminares, sem artifícios de exposição; uma porta abre, e lá está ele logo no primeiro plano, a conversação começa e nos familiariza discretamente com seu ritmo pessoal; depois desse instante onde nós o surpreendemos,como poderíamos deixá-lo, companheiros de sua viagem, que se desenrola tão certa e regularmente como o filme através do projetor. Ritmo de uma marcha assim flexível e constante como a dos alpinistas que partem como passo firme e o conservarãoassim através das trilhas mais ásperas, até o final dasmais longas etapas.
Assim, desde essas primeiras pulsações, não estamos somente certos de que os heróis não nos deixarão de modo nenhum, também sabemos que manterão ao excessotodas as suas promessas;não fazem parte da raça dos covardes nem dos indecisos: nada pode com efeito se opor à admirável obstinação, à tenacidade dos heróis de Hawks; uma vez a caminho, continuarão até o fim de si mesmose do que prometeram,por uma forma extrema da lógica, venha o que vier; o que começou tem de ser terminado. Pouco importa se os heróis foram no começo envolvidos contra sua vontade; ao perseguir, ao alcançar seus fins, provam sua liberdade e a honra de chamar-se homens. Para eles a lógica não é alguma fria faculdade intelectual, mas a coerência do corpo, a harmonia e a continuidade de seus atos,a lealdade a si mesmos. A força da vontade garante a unidade do homem e do espírito, atadosnaquilo que tanto justifica sua existência como lhes dá seu significado mais alto.
Se é verdade que a fascinação nasce dos extremos e de tudo aquilo que ousa o excesso, e que a audácia se chama assim grandeza - então segue-se que tal fascinação não desdenhaessas forças em marcha, que combinam à precisão intelectual dos poderes abstratos os valores elementares dos grandes impulsos terrestres, as equações às tempestades, numa afirmação da vida. Todo filme de Hawks não oferece senão antes de tudo à beleza esta afirmação tranquila e certa, sem retorno nem remorsos. Ele prova o movimento ao andar, a existência ao respirar. Que o que é, é.

Jacques Rivette

(publicado originalmente na CahiersduCinèma nº23, maio de 1953. Tradução livre a partir do texto original e da versão em inglês presente em jacques-rivette.com)