quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Cineclube do Atalante: Sócios no Amor, de Ernst Lubitsch


Dividindo o mesmo apartamento em Paris, dois americanos acabam se apaixonando pela mesma mulher. Incapaz de se decidir por um dos dois, ela sugere que os três morem juntos, com duas condições: eles serão amigos e nunca farão sexo. Com tantas oportunidades, eles conseguirão manter o acordo?

(Design for Living: EUA, 1933 – 91 min. Com: Miriam Hopkins, Gary Cooper, Fredric March. 12 anos.)

Serviço:
Sábado, 1º de setembro
16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Cineclube do Atalante: programação de setembro

01/09: Sócios no amor, de Ernst Lubitsch



(Design for Living: EUA, 1933 – 91 min. Com: Miriam Hopkins, Gary Cooper, Fredric March. 12 anos.)
Dividindo o mesmo apartamento em Paris, dois americanos acabam se apaixonando pela mesma mulher. Incapaz de se decidir por um dos dois, ela sugere que os três morem juntos, com duas condições: eles serão amigos e nunca farão sexo. Com tantas oportunidades, eles conseguirão manter o acordo?

29/09: As Praias de Agnès, de Agnès Varda


(Les Plages d'Agnès : FRA, 2008– 107 min. Com:  Agnès Varda, André Lubrano, Blaise Fournier. 16 anos.)
Agnès Varda coloca-se em cena entre os excertos dos seus filmes, imagens e reportagens, em uma forma de auto-documentário. Faz-nos partilhar com humor e emoção o seu percurso, os primeiros passos como fotógrafa de teatro, cineasta nos anos cinquenta, a vida com Jacques Demy, a sua militância feminista, as viagens a Cuba, à China e aos EUA, o percurso de produtora independente, a sua vida em família e o amor das praias.

Serviço:
Sessões no primeiro e último sábados do mês, excepcionalmente
16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante

domingo, 19 de agosto de 2018

Bazin e Skorecki escrevem sobre Preston Sturges


I) André Bazin sobre "Papai por acaso": 

Cada filme de Preston Sturges nos traz a confirmação de seu talento e de sua originalidade na produção americana posterior a 1940. Se seus filmes não encontram na Europa todo o sucesso que merecem, é sem dúvida porque estão muito intimamente ligados aos costumes americanos e porque muitos de seus pormenores mais saborosos são incompreensíveis fora de seu contexto.  

Não é, contudo, necessário ter vivido na América para apreciá-los, desde que se tenha sido um espectador atento das comédias americanas de antes da guerra; pois não se pode qualificá-las de comédias de costumes. Para além de certos modos de vida tipicamente americanos, Sturges critica as crenças, as superstições sociais, os mitos de que esses modos de vida são o signo. Em “Contrastes humanos” ele soube levar a operação ao seu limite denunciando a mistificação do cinema, ele próprio gerador de mito. “Papai por acaso”  não é, no fundo, de uma lógica menos implacável no roteiro. Sturges comprouve-se em acumular sobre personagens perfeitamente inadaptados a essas situações todo o peso de preconceitos, conveniências e imperativos sociológicos de que uma cidadezinha americana, em tempo de guerra, é capaz. 

As aventuras que ele os faz atravessar permitem avaliar com terror que não se trata de pouca coisa. O cineasta substitui o jovem galã clássico por um homem simples de espírito, aposentado por tensão arterial. 

O pobre coitado oscilará como uma rolha sobre a onda da opinião pública, das galés à glória internacional (é melhor deixar ao leitor a surpresa de saber por quê). 

Os personagens são literalmente anti-heróis e, como tais, incapazes de criar por si sós qualquer acontecimento, bom ou mau, de que devem sofrer todas as conseqüências. Não nos enganemos: essa nova comédia americana é rigorosamente contrária à que conhecemos; Sturges é o anti-Capra, pois o autor de Mr. Deeds só nos fazia rir para certificar-se melhor de nossa confiança na mitologia social que suas comédias confirmavam. O traço de gênio de Sturges consiste em ter sabido prolongar a comédia americana pela transmutação do humor em ironia. O que se pode temer é que por isso mesmo ele anuncie o fim de um gênero que foi, não obstante, dos maiores.

Disponível no livro “Cinema da Crueldade”, BAZIN, André. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 

II) Louis Skorecki sobre "As três noites de Eva": 

Não se deve esquecer Sturges. Não John, imbecil fabricante de westerns (“Sete homens e um destino”, “Sem Lei e sem Alma”), mas Preston, ex-roteirista de elegância hawksiana, irônico. Preston, dândi rebelde, artista passageiro, triste e alegre ao mesmo tempo. 

Não se deve esquecer “Contrastes Humanos” (1941), obra-prima do riso descompromissado, da fantasia social e também da leveza absoluta, com um dos dois casais mais belos do cinema (o outro é Montgomery Clift e Lee Remick em “O Rio Selvagem” de Kazan): Joel McCrea e Veronica Lake. Uma pequena dúzia de filmes em menos de vinte anos de atividade (1940-1957), é pouco, mas suficiente para deixar uma marca tão grande quanto as de Harry Langdon ou de Charles Laughton.

“As três noites de Eva” precede por alguns meses “Contrastes Humanos”, mas não se deve esquecer. Lourcelles fala em “comédia um tanto previsível e difícil”, salvando a bela interpretação de Barbara Stanwick bem como “a intrusão frequente do pastelão (atrapalhadas, quedas, acidentes)”.

Ele não vai tão longe em falar de pré-Video Gag, mas poderia. Lourcelles insiste no lado desajeitado e burlesco do personagem Henry Fonda, cujo desempenho brilhante "rapidamente se torna invasivo e quase insuportável". Nada a acrescentar. Com Lourcelles, nunca temos a última palavra. 

Disponível em signododragao.blogspot.com/2006/12/lady-eve.html. Traduzido por Giovanni Comodo.

 

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Cineclube do Atalante: "Contrastes humanos", de Preston Sturges

 
Grande realizador de comédias americanas, tocado pela graça social, resolve fazer um filme sobre a miséria humana e, para ter conhecimento de causa, disfarça-se de mendigo e parte numa aventura com 25 centavos no bolso. A experiência mirabolante, em meio a inúmeras reviravoltas, torna-se uma grande aventura repleta de descobertas sobre a vida e o cinema. 
(Sullivan's Travels: EUA, 1941– 90 min. Com:  Joel McCrea, Veronica Lake, Robert Warwick. LIVRE) 
 
Serviço:
Sábado, 18 de agosto
16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante

domingo, 5 de agosto de 2018

L'Atalante (1934) de Jean Vigo




Caros espectadores, o filme que hoje vamos ver é a obra final de um dos poetas mais raros e delicados de todo o cinema, um tipo de sensibilidade que o mundo do caos e da modernidade galopante teria obrigatoriamente de ceifar; mas foi uma tuberculose que lhe tirou a vida aos vinte e nove anos de idade, e L'atalante já foi tecido e terminado por um Jean Vigo sôfrego e porventura com a lucidez e a liberdade associada a quem tem a morte na ronda da noite. Com apenas quatro filmes transportou a arte das imagens e dos sons colhidos e manipulados em celulóide até às portas da total ousadia e da infinidade, sendo ainda hoje referência essencial para os mais opostos cineastas e artistas em geral. Começou no mudo e no mudo ficou, mesmo se L'atalante é tão descarnado, arejado e revolucionário a nível sonoro como o La nuit du carrefour de Jean Renoir. 

À propos de Nice é de 1930, e desde os foguetes iniciáticos e das visões aéreas, são vinte e poucos minutos da mais descabelada feérie e de um documentarismo descritivo sem teorias nem amarras; realizado a par com o fotógrafo Boris Kaufman já o mergulho para o desconhecido de uma arte ainda no feto estava dado de cabeça; Taris, roi de l'eau de 1931 tem ainda menos metragem, 10 minutos apenas, é uma homenagem ao grande nadador Francês da época, um registo didático, que vai sendo enevoado e engolido por um surrealismo que já chega da fantasmagoria ontológica da película e pelo poder incomensurável e misterioso da câmara de filmar em transformar homens e carne em estátuas e na eternidade, com o elemento líquido e a magia associada a todas estas entidades formando um embrulho e um corpo intimamente cósmico; quase por último, Zéro de conduite: Jeunes diables au collège, o “filme dos filmes” da infância e o cúmulo do jogo de ambiguidades entre inocência e crueldade sem objectos perfeitamente definíveis e estanques, culminando na cena de almofadas do sono e de descoberta sexual que é a imagem acabada e desfeita de tais perfurações, momentos decisivos para o liricismo que François Truffaut sopraria mais tarde quando o cinema do seu país estava agónico e a precisar dele, começando no sedento e afagado Antoine et Colette

Sobre toda a herança desta cosmogonia breve e tremenda como o mais rápido dos projécteis não identificados que se destrói ao entrar na atmosfera terrestre, João Bénard da Costa escreveu: «L'atalante é a matriz de onde vem todo o grande cinema francês futuro e, nesse sentido, é o maior dos filmes percursores. Posso pensar em Godard sem Renoir, por mais que saiba quanto Godard o amou. Não posso pensar em Godard sem pensar nesse cineasta que morreu aos vinte e nove anos e que teve de esperar vinte e cinco por uma posteridade. Sem a liberdade que Vigo teve, sem a poiesis que Vigo teve, o cinema nunca seria tão livre como foi e nalguns casos continua a ser. Todos somos filhos de L'atalante». Até Truffaut e até Godard, e até ao mais fascinante e inclassificável de todos os realizadores franceses ainda vivos, Leos Carax, que tem sofrido tanto como Vigo por reconhecimento, de que Les amants du Pont-Neuf (já lá voltaremos) é um remake total; e até Manoel de Oliveira que o homenageou não só na literalidade e reinvenção de Nice - À propos de Jean Vigo, mas sempre, por exemplo nas cintilações e nas Ofélias de Vale Abraão

L'atalante foi, depois da morte de Vigo, um filme trucidado pelo estúdio que o produziu e esquecido por quase todos – dos inúmeros crimes destaca-se, já agora, a substituição da belíssima e inaugural música de Maurice Jaubert por um tema popular da época, subvertendo o celestial pelo comestível - sendo progressivamente descoberto ao longo dos anos pelos cinéfilos e cineastas mais veementes – como os citados da Nouvelle Vague ou a aparição na célebre lista dos melhores filmes de todos os tempos da Sight & Sound magazine em 1962 – para se chegar a uma montagem final apenas nos anos 90 (e obviamente muito contestada) na qual ajudaram, bem como nos recentes restauros, o grande investigador e escritor Bernard Eisenschitz, a filha de Vigo apelidada Luce Vigo, ou mesmo o esfomeado Martin Scorsese, que afirmou que o filme nasceu sozinho e continua sozinho, ainda hoje, como grande parte das obras essenciais. 

Oitenta e nove minutos comporta a obra que hoje conhecemos e é assim um dos monumentos de qualquer arte; um altar, um depositário ou uma arca mítica de luz que jamais as tesouras dos produtores poderiam ter apagado; um movimento dissonante e harmónico que tem os fundos das águas e os confins do firmamento – para lá das portas dos céus – como limites, de onde a ordem das sequências e a significância de mistérios e de dialéticas sem precedentes existiriam fosse qual fosse a ordem das coisas, inclusive a ordem da sorte não poderia apagar o inapagável; enfim, a perdição e o milagre do existir num perpétuo equilíbrio e risco. 

L'atalante inaugura-se com neblinas, águas, muito ar rarefeito, palpável, em sensações e atmosferas próximas à observação da formação de um feto, à saída da criança do ventre materno, à visão da primeira claridade deste mundo e das primeiras memórias que mais tarde se vão tentar refazer; sinos, casamentos, marchas, brancura, flores no charco, que parecem tão nupciais como funerárias, perfurando e unindo todas as pontas da existência, já li, na abertura. E já a bordo da embarcação que dá nome ao filme, tudo começa a escurecer, sendo de notar que não é a luz que baixa de intensidade, mas toda a envolvência com as situações e o desenrolar do novo estado do par – os gatos que invadem os beijos, que adiam os desejos e a libido, as desmultiplicações destes, os corpos e as salivas enrolados pelos chãos, a fricção com os restantes membros, os humanos a tornarem-se felinos (o noivo em cio a gatinhar no estrado é pura desgarrada animalesca), a besta humana a querer cantar, a danação a virar a cara à lua-de-mel e à sagração: o amor, o bem, e o maléfico e incontrolável, o outro lado do espelho que se irá partir lá para os meios do percurso, uma predestinação carregada de sinais e signos que consoante o contexto e a circunstância poderão ser todas as faces da moeda a mostrarem-se logo no dia primeiro do resto das suas vidas. 

E é logo desde o primeiro instante que Michel Simon entra em cena como o dono do barco de todos os perigos e arcas-de-noé, esse Le père Jules que tem aqui a sua criação mais fascinante a par com a de Boudu sauvé des eaux, igualando-a incrivelmente em anarquia e resoluta fraternidade; é ele o Pai dos gatos e do noivo, o monstro da luta livre e das libertinagens cosmopolitas, o desflorador espiritual e logo carnal da noiva e dos véus restantes, com o corpo tatuado como se se tratasse do mapa do globo que correu e provou ou de painéis terroríficos dos apocalipses de um Hieronymus Bosch, esse acordeão que legará ao Denis Lavant de Carax, acabado funâmbulo que prova do próprio sangue sem fazer caretas e que guarda todas as feiras geladas e marionetas destroçadas no seu sétimo céu para as incendiar e trazer à vida a quem merece. Dançarino Nietzscheano que no término meterá a corda mestra mais uma vez em tensão para outro fogacho de equilíbrio. 

Simon, como o seu ajudante que parece um bobo Shakespeariano, ou aquela personagem parisiense - numa paris de fundos, de cheiros e de horizontes somente sonhados nas entranhas dos desejos e das ilusões rurais – que tenta diabolicamente a noiva com todos os clichés dos brilhos da “cidade da luz” e as sugestões proibidas com que os papões devoram as crianças e juventudes (mais uma vez os gatos a comerem sem regra), perfazem uma galeria que juntamente com o nevoeiro, as névoas, neblinas e massas complexas de fumos e químicos, vão cercando o casal recém formado, como que precavendo e mostrando que sexo e morte podem falar de uma e da mesma coisa; assim como o encantatória e a fábula só atingem o fascínio por essa mesma consciência e união que escapa a definições e dicionários. O feérico com os fogos-de-artificio que vão excedendo e devorando tudo, outra espécie de patético, são o forçar do afastamento dessa visão baça, dessa falta de nitidez dos primeiros instantes do universo, o aprender a respirar, onde tudo vale, onde os indigentes são príncipes em castelos de papelão, os adultos oficiais retrocedem até à luta e aos estripar das almofadas dos quartos nocturnos das visitas-de-estudo ou dos orfanatos, sendo preciso provar a vagabundagem e o pó jazente em baixo das pontes para se sentir as sensações genuínas e não somente os conselhos e a palavra sagrada. Sexo e morte, inocência e terror, meninos e monstros, só muitos anos depois Leos Carax se suicidaria deste modo, se afogaria assim para visionar nessa morte a pureza e a transgressão absolutas e poder regressar, ressuscitado e transfigurado. 

De que fala então L'atalante? Do tão banalizado mistério da luz. Que ilumina e revela todos os lados, desflora, mata e faz renascer. De todas as estações numa só. Da eterna busca por entre o nevoeiro, de todas as matérias aquela que a luminosidade mais adensa. Da necessidade dos corpos por todos os outros corpos. Do corpo do cinema que permitiu ampliar tudo isto até ao infinito. 

Da poesia, assim, uma boa sessão a todos e um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen, Espero, desejando uma boa navegação: 

Espero sempre por ti o dia inteiro, 
Quando na praia sobe, de cinza e oiro, 
O nevoeiro 
E há em todas as coisas o agoiro 
De uma fantástica vinda.

Por José Oliveira

Publicado originalmente em https://luckystarcine.blogspot.com/2018/04/latalante-1934-de-jean-vigo.html