I) André Bazin sobre "Papai por acaso":
Cada filme de Preston Sturges nos traz a confirmação
de seu talento e de sua originalidade na produção americana posterior a 1940.
Se seus filmes não encontram na Europa todo o sucesso que merecem, é sem dúvida
porque estão muito intimamente ligados aos costumes americanos e porque muitos
de seus pormenores mais saborosos são incompreensíveis fora de seu contexto.
Não é, contudo, necessário ter vivido na América para
apreciá-los, desde que se tenha sido um espectador atento das comédias
americanas de antes da guerra; pois não se pode qualificá-las de comédias de
costumes. Para além de certos modos de vida tipicamente americanos, Sturges
critica as crenças, as superstições sociais, os mitos de que esses modos de
vida são o signo. Em “Contrastes humanos” ele soube levar a operação ao seu
limite denunciando a mistificação do cinema, ele próprio gerador de mito. “Papai
por acaso” não é, no fundo, de uma lógica menos implacável no roteiro. Sturges
comprouve-se em acumular sobre personagens perfeitamente inadaptados a essas
situações todo o peso de preconceitos, conveniências e imperativos sociológicos
de que uma cidadezinha americana, em tempo de guerra, é capaz.
As aventuras que ele os faz atravessar permitem
avaliar com terror que não se trata de pouca coisa. O cineasta substitui o
jovem galã clássico por um homem simples de espírito, aposentado por tensão
arterial.
O pobre coitado oscilará como uma rolha sobre a onda
da opinião pública, das galés à glória internacional (é melhor deixar ao leitor
a surpresa de saber por quê).
Os personagens são literalmente anti-heróis e,
como tais, incapazes de criar por si sós qualquer acontecimento, bom ou mau, de
que devem sofrer todas as conseqüências. Não nos enganemos: essa nova comédia
americana é rigorosamente contrária à que conhecemos; Sturges é o anti-Capra,
pois o autor de Mr. Deeds só nos fazia rir para certificar-se melhor de nossa
confiança na mitologia social que suas comédias confirmavam. O traço de gênio
de Sturges consiste em ter sabido prolongar a comédia americana pela transmutação
do humor em ironia. O que se pode temer é que por isso mesmo ele anuncie o fim
de um gênero que foi, não obstante, dos maiores.
Disponível no
livro “Cinema da Crueldade”, BAZIN, André. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
II) Louis Skorecki sobre "As três noites de Eva":
Não se deve esquecer Sturges. Não John, imbecil
fabricante de westerns (“Sete homens e um destino”, “Sem Lei e sem Alma”), mas
Preston, ex-roteirista de elegância hawksiana, irônico. Preston, dândi rebelde,
artista passageiro, triste e alegre ao mesmo tempo.
Não se deve esquecer “Contrastes Humanos” (1941),
obra-prima do riso descompromissado, da fantasia social e também da leveza
absoluta, com um dos dois casais mais belos do cinema (o outro é Montgomery
Clift e Lee Remick em “O Rio Selvagem” de Kazan): Joel McCrea e Veronica Lake.
Uma pequena dúzia de filmes em menos de vinte anos de atividade (1940-1957), é
pouco, mas suficiente para deixar uma marca tão grande quanto as de Harry
Langdon ou de Charles Laughton.
“As três noites de Eva” precede por alguns meses
“Contrastes Humanos”, mas não se deve esquecer. Lourcelles fala em “comédia um
tanto previsível e difícil”, salvando a bela interpretação de Barbara Stanwick
bem como “a intrusão frequente do pastelão (atrapalhadas, quedas, acidentes)”.
Ele não vai tão longe em falar de pré-Video Gag, mas
poderia. Lourcelles insiste no lado desajeitado e burlesco do personagem Henry
Fonda, cujo desempenho brilhante "rapidamente se torna invasivo e quase
insuportável". Nada a acrescentar. Com Lourcelles, nunca temos a última
palavra.
Disponível em
signododragao.blogspot.com/2006/12/lady-eve.html. Traduzido por Giovanni
Comodo.
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