Michel Mourlet
Nascido em 1903 em Tóquio, Ozu realizou seu primeiro filme em 1927. Sua obra diz respeito, na sua totalidade, ao “shimun geki”, comédias mais ou menos dramáticas que tratam da vida cotidiana de pessoas simples. Na verdade, os temas de Ozu são, se quisermos, aqueles do neorrealismo, mas não seu espírito, nem a dramaturgia, nem a técnica.
“Nesse momento, ele confessava um dia, os filmes com estrutura dramática marcada me entediam. Certamente que um filme deve ter uma estrutura, mas não é bom que vejamos muito o drama.”
Nessa declaração, as palavras que importam ao nosso propósito são: “um filme deve ter uma estrutura”. Eis o que distingue fundamentalmente a estética de Ozu daquela do neorrealismo à Zavattini, cuja uma das características fora a ausência de toda construção, essa sendo substituída por uma espécie de linha invertebrada que se desenrola ao acaso do tempo e do espaço: a estética do fio de gruyère em um prato de espaguete.
Por outro lado, nem De Sica, nem o Visconti de Ossessione, nem Lattuada, nem o japonês Naruse não conseguem se descolar da realidade mais imediata. Somente Rossellini apanha na rede de imagens-sons algo a mais, que poderíamos chamar a respiração do divino.
Isso é também o que percebemos nos filmes de Ozu, ainda que não se trate estritamente de “divindade”, mas de uma coerência do mundo, da contemplação de uma necessidade soberanamente unitária, tecendo entre os seres e as coisas (notadamente as paisagens, e então, porque não há espaço aqui para comparar “atmosferas” ou coloridos por um sistema fácil de referências pictóricas que não saberiam fazer parte da apreciação da mise en scène, mas somente para sugerir um parentesco de espírito na ordem cósmica, poderíamos evocar o Cézzane de A montanha de Sainte-Victoire), tecendo, eu dizia, vínculos pacíficos, mais fortes que a tristeza que às vezes os distendem.
“O que eu me esforço para investigar, diz ainda Ozu, é a expressão de um mundo em pensamentos constantes. Eu gostaria de expressar todos os reflexos.” Essa sabedoria asiática, pudica e contemplativa, encontra na técnica utilizada pelo cineasta um instrumento de um rigor ingênuo e prodigiosamente eficaz. Ele fixa a sua câmera, inclina-a em um leve contra-plongée e filma a cena.
Les cerisiers sont merveilleux foi publicado em Sur un art ignoré - La mise en scène comme langage, Henri Veyrier, 1987. Tradução: Letícia Weber Jarek.
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