sábado, 25 de novembro de 2017

Depoimento de Jean-Pierre Melville sobre Claude Sautet

Rara é minha amizade. Eu atingi a idade em que não podemos mais dá-la senão numa troca: um cálculo de avarento que só quer seu dinheiro.

Quanto mais cara é a contrapartida, mais a amizade é sólida.

Sautet, ao permitir-me admirá-lo, me fez feliz. Este jovem, cheio de maturidade, deu uma lição de pudor e de eficácia que não parece muito adequado ao momento em que sabemos que só o esnobismo imposto pelos clientes de uma Drug-Store fazem e desfazem os talentos e os valores (Uma mulher é uma mulher - Jules e Jim).

Se tenho certeza que em 1965 Claude Sautet será nosso maior cineasta é porque, fora o seu talento, conheço sua coragem tranquila. No caso "Aurel" ele não aceitou nenhum compromisso.  E, para impressionar película, nós todos conhecemos uma boa centena de pseudo-cineastas que aceitarão todas as infâmias. Sautet, o falso taciturno, tão preocupado quanto seguro de si, espera ser inspirado para filmar.

Mas quando filma, ele põe o coração na obra.

Jamais, de coração, Lino Ventura ganhou tanto quanto em Como fera encurralada, onde, contudo, ele compartilhou com um Belmondo desconhecido, poderoso e grave, verdadeiro como um homem verdadeiro.

O segredo da criação artística permanece, com a vulgaridade, um dos dois únicos mistérios absolutos. 

Isto não se aprende. Não mais no cinema que em outro lugar. Em 1896, Picasso nunca tinha tomado a menor lição, nem Errol Garner em 1945. 

A estação de Milão, os correios em Nice, a passagem Doisy (cara a Peugeot e a Rolland)  Sautet não os aprendeu nos filmes dos outros.

Imagine um só instante a história se passando nos States e no México ou no Canadá, com Robert Ryan e Sinatra, e me diga se, transposta desta forma, Sautet não seria grande lá!

Me diga se ele não poderia assinar Deus sabe quanto amei, Homens em fúria, Desafio à corrupção ou O segredo das jóias.

Falamos freqüentemente de filmes onde as relações entre homens, a amizade, tem uma enorme importância. Eu acreditei na amizade de Abel Davos e Stark, absolutamente. Ela é interior e não aparece por intermédio dos diálogos. O comportamento dos dois homens explicita seus sentimentos sem que seja útil que eles falem, um ou outro, de sua amizade. É um pouco por isso que eu não consigo acreditar na amizade de Jules e Jim que, no entanto, falam dela o tempo inteiro.

Evidentemente, eu não oponho a fatura Sautet à fatura Truffaut: o classicismo absoluto e o cinema novo são duas formas da mesma arte. Resta saber se, em 1965, as duas subsistirão ou se uma, só, substirá.

Témoignage
 publicada na revista Présence du Cinéma, n°12, março-abril de 1962. Tradução: Miguel Haoni.   

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