Heat - Cidade Sob Pressão é mais um dos
casos sérios dos anos 90. Erigido com a sapiência de um verdadeiro arquitecto e
a garra e confiança de um genuíno profissional que estudou de tudo o que o
filme mostra, juntou dois dos grandes monstros sagrados do cinema americano
para um confronto inesquecível e incerto. Será a nossa próxima sessão.
Robert De Niro e Al Pacino, o polícia e
o ladrão, o bom e o mau, o que tem a sua vida dominada e o que a transforma
diariamente num caos... ambíguo, vacilante, complexo e com uma realização que tanto
convoca as grandes gestas do cinema americano – de Vidor a Hawks – como o
existencialismo de Antonioni ou Jean-Pierre Melville, tem tudo para abalar a
sala da velha-a-branca.
Para o apresentar ao público de Braga e
do mundo teremos um vídeo do grande crítico brasileiro Inácio Araújo.
Colaborador regular da Folha de S. Paulo, é também autor de livros
como Hitchcock, o Mestre do Cinema e Cinema, o Mundo
em Movimento.
Por ocasião dos vinte anos do filme,
Michael Mann contou a história da sua
génese à revista Rolling Stone, dizendo que "Heat começou
mesmo com um amigo meu chamado Charlie Adamson, que matou o verdadeiro Neil
McCauley em Chicago em 1963; tinha-me andado a contar sobre quão interessante
era este tipo. O Charlie tinha uma admiração enorme pelo Neil como ladrão,
porque ele era muito profissional, muito disciplinado, e muito, muito
inteligente. É como um alpinista ter admiração pela face de uma rocha muito
difícil que vai escalar: O que se admira é o desafio do percurso.
"O Charlie estava a deixar a roupa dele para secar num pequeno centro
comercial em Chicago na Lincoln Avenue, e viu McCauley, que já andava a vigiar,
a sair do seu carro para entrar e tomar uma chávena de café. Neil sabia que
estava a ser observado — e sabia quem é que o andava a
observar. Vêem-se os dois um ao outro; podia ter rebentado um tiroteio no
parque de estacionamento ali mesmo. Mas o Adamson diz, "Anda daí, pago-te
uma chávena de café."
"Eles entraram, sentaram-se e tomaram café no Belden Deli, que já lá não
está. Tiveram uma espécie de versão da mesma cena de diálogo que eu escrevi e
pus no filme, mas foi muito pessoal — o tipo de intimidade que só se consegue
ter com estranhos que pensam de modos que não são diferentes do nosso modo de
pensar. Eles descobriram sem dúvida uma ligação um pelo outro, e o Charlie
declarou que, "Estamos aqui sentados como um par normal de companheiros,
mas se vieres na minha direcção ou se eu for na tua, não vou hesitar." E
McCauley disse exactamente a mesma coisa.
"Já agora, esta unidade de elite de crimes graves em que o Charlie estava
— um dos sargentos nessa equipa era o Dennis Farina. Eu recrutei-o para
aparecer em Thief(1981), e por causa disso ele decidiu que queria
uma carreira como actor porque, como ele próprio disse, seria conhecido como
"Dennis, um colega de sonho (nota:"The Dream to Work
With", no original)." Seria por isso que as pessoas o contratavam,
pensava ele. O que provavelmente era verdade...
"Isto foi provavelmente à volta de 1979 ou 1980 quando ouvi a história, e
depois escrevi uma versão mais descritiva do argumento. Mas havia coisas
erradas com ele. A ambição era ter múltiplas personagens que fossem seres
humanos completos e dimensionais e não fossem definidos por serem meramente um
protagonista ou um antagonista. Não se identificavam a si
próprios como "Eu sou um vilão." Toda a gente é a mãe de outra
pessoa... o irmão de outra pessoa, pai, filho.
Toda a gente tem uma dimensão dentro de si. Portanto quer seja Breedan, o
motorista [interpretado por Dennis Haysbert], ou Chris Shiherlis [interpretado
por Val Kilmer] e os seus problemas conjugais, ou a enteada de Vincent Hanna,
que está deprimida porque o pai dela a anda a negligenciar — toda a
gente tem uma vida. E no entanto todos esses trajectos de vida convergem de uma
certa maneira para os acontecimentos que guiam a trama. Portanto é uma
estrutura complexa e tinha que ser mesmo coerente estruturalmente — e nos anos
1980 não era. Portanto peguei num pedaço dela e trabalhei-o, pensando,
"Isto talvez seja uma série de televisão." Então isto foi quando fiz
o L.A. Takedown.
[A decisão de torná-lo uma série]
provavelmente foi uma evasão, porque eu não consegui resolver as questões
globais da estrutura. Havia até mais um par de personagens que andavam à deriva
em rascunhos mais antigos disto, e eu pensei: "Bom, é tão amplo...
potencialmente é uma saga. Talvez seja uma série de televisão." Portanto
falei com o [Chefe de Programação da NBC] Brandon Tartikoff e fi-lo como um
filme piloto de duas horas, mas ele e eu discordámos sobre quem devia ser o
protagonista da série. Eu disse, "Não, não quero fazer disto uma
série." Mas ainda tinha os direitos.
"Depois percebi: tinha que
conduzir o quociente emocional ao momento exacto em que McCauley está a morrer,
e ele tem sorte o suficiente para morrer com alguém de quem é tão próximo, a
única pessoa no planeta que tem o mesmo tipo de mentalidade que a dele. Mas ao
mesmo tempo, também é a pessoa que o matou, e essa dualidade não é uma
contradição — são ambas verdade. Assim que arranjei esse momento, podia fazer
engenharia reversa em tudo o resto. Logo que acertei nisso, então tudo como que
tomou forma.
"Foi logo depois de ter feito The Last of the Mohicans (1992), e depois fui trabalhar no que se tornaria Heat. Quando tinha acabado a reescrita, estava a falar dela com um amigo meu, o Art Linson, que é um grande produtor. Estávamos a tomar pequeno-almoço e eu disse, "Ouve, lê isto e se quiseres podemos co-produzi-lo, e arranjamos alguém para o realizar." Porque por essa altura, depois de vir de Mohicans, não queria fazer necessariamente uma história policial. Ele leu-a e veio ter comigo no dia a seguir e disse, "Estás maluco da puta da cabeça. Tens que realizar isto." Eu, de cabeça limpa, disse, "Tens razão a 100 por cento, absolutamente. Quem é que devia entrar? Vamos atrás do Bob e do Al."
Até amanhã!
Texto original: http://luckystarcine.blogspot.com.br/2017/04/57-sessao-dia-25-de-abril-terca-feira.html
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