por Robert Keser
Enquanto O
Czar Negro (1949) encarnava o momento histórico, com suas investigações
sóbrias e ênfase nos cidadãos exercendo seu poder, o delirante Mortalmente Perigosa (Gun Crazy, 1950) subvertia-o. Apesar de
não ser o primeiro filme de amantes criminosos em fuga, foi o primeiro a
apresentar a excitação criminosa amoral como libertação sexual, com sua energia
profana rompendo as convenções de Hollywood. “Este é um filme em que um assalto
a banco é um ato erótico – e os personagens sabem”.
Tradução na íntegra:
http://vestidosemcostura.blogspot.com.br/2018/04/mortalmente-perigosa-de-joseph-h-lewis.html
http://vestidosemcostura.blogspot.com.br/2018/04/mortalmente-perigosa-de-joseph-h-lewis.html
O cinema e seus medos
por Fernando de Mendonça
Não é por acaso que Robert Siodmak
abre Silêncio nas
Trevas com um assassinato em pleno prédio onde são exibidos
filmes mudos para a população local. O episódio, magnificamente filmado, muito
mais do que exibir-se como um arrojado exercício metalingüístico, termina por
revelar desde o início o interesse de Siodmak em aproximar-se da essência do
cinema mudo, retornar a um momento da sétima arte que não pode morrer, pois
carrega em si um potencial expressivo sem paralelos, agônico, em condições de
se insistir vivo e com um longo fôlego.
A tradução nacional para o título deste filme, num raro lampejo de genialidade, condensa em seus dois conceitos uma forte oposição aos elementos que dão vida ao movimento cinematográfico: o Som e a Luz. Ainda que um cinema seja mudo, é impossível negar o poder de sugestão de um efeito sonoro, a capacidade que uma ambiência visualmente bem construída tem de evocar o domínio dos ruídos e das vozes, das melodias e até das pausas; assim como é indissociável a relação entre a imagem projetada e a própria luz, ou ausência dela, pois somente a partir desse binômio o aparato cinematográfico poderá gerar sua realidade particular. Quando Siodmak propõe a manipulação exatamente dos conceitos contrários – o silêncio e a escuridão – está na verdade, lidando com um medo que diz respeito ao próprio cinema, o medo de um desaparecimento, a constatação da evanescência da própria imagem fílmica, sua condição materialmente finita, pois num nível de distinta realidade.
A tradução nacional para o título deste filme, num raro lampejo de genialidade, condensa em seus dois conceitos uma forte oposição aos elementos que dão vida ao movimento cinematográfico: o Som e a Luz. Ainda que um cinema seja mudo, é impossível negar o poder de sugestão de um efeito sonoro, a capacidade que uma ambiência visualmente bem construída tem de evocar o domínio dos ruídos e das vozes, das melodias e até das pausas; assim como é indissociável a relação entre a imagem projetada e a própria luz, ou ausência dela, pois somente a partir desse binômio o aparato cinematográfico poderá gerar sua realidade particular. Quando Siodmak propõe a manipulação exatamente dos conceitos contrários – o silêncio e a escuridão – está na verdade, lidando com um medo que diz respeito ao próprio cinema, o medo de um desaparecimento, a constatação da evanescência da própria imagem fílmica, sua condição materialmente finita, pois num nível de distinta realidade.
É através de uma certeza, da inabalável convicção de que o cinema pode vencer tais medos, que o inventivo cineasta constrói esta impressionante jogatina, abandonando seus personagens em um majestoso cenário que servirá tão somente a sua câmera, a seu desejo de provocar, de ameaçar, de inflamar um suspense que beira mesmo o pânico, tamanha a magnitude de sua crueldade. A câmera deste filme, semelhantemente ao grande cinema mudo, almeja executar um som que está além do que é verbalizado pelos atores, pois aqui, muito mais do que os banais diálogos, são os ‘ruídos inaudíveis’ quem mais gritam. É o cair da chuva, a insistência dos trovões, as incessantes rajadas de vento, toda uma natureza a comportar o isolamento da arquitetura barroca e a expressar em alto e bom tom para nossa protagonista: “Fuja daqui!” E a câmera se torna vento...
O ameaçar de uma vela apagada, pouco
antes de outro assassinato, entra para sempre como um dos momentos históricos
da cinematografia de horror. Quase não há mais luz para sustentar nossos olhos.
Consequentemente não haverá mais como segurar uma câmera que se deixa levar
pelo vento, e que desliza sinuosamente atravessando o sótão empoeirado,
penetrando teias de insetos esquecidos, numa suspensão de tempo, num apagamento
de espaço condizente com o estado do esmagado espírito espectador que é
obrigado a acompanhar tudo imóvel, em seu silêncio, no escuro de um cinema que
permanecerá para sempre mudo, mas com muito a dizer. Há medos que vivificam,
outros que apagam traumas; os de Siodmak eternizam uma vitória: a permanência
do bom cinema.
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