por Frédéric Majour
(...) Com Os Últimos Embalos da Disco (1998), passamos do preppy [de seus primeiros filmes] para o yuppie, através das personagens de Charlotte e sobretudo de Alice, a qual, quando estudante em Harvard, mostrava-se arrogante aos olhos dos rapazes com quem poderia sair. É o que lhe conta sua colega de trabalho (em uma editora), de apartamento e de dança nas noites do Club, uma discoteca de Manhattan (inspirada no Studio 54, templo da cena Disco no final dos anos 1970, famoso por seus esplendores, seus excessos e a efervescência que reinava em sua porta todas as noites, devido à seleção da entrada). Quando é questionada sobre qual livro gostaria de publicar, Alice responde: “Uma antologia de contos inéditos de J. D. Salinger, mais na linha de ‘O Gargalhada’ que de 'Seymour – Uma introdução"''. Assim, ela se opõe aos rapazes que só leem quadrinhos como Homem-Aranha e cultuam Carl Barks, criador do Tio Patinhas, o pato mais rico do mundo. Walt Disney é também uma das principais referências do filme. Além do Tio Patinhas, fala-se do filme Bambi – cujo lançamento no fim dos anos 1950 teria favorecido o movimento ecologista por traumatizar os baby-boomers com a morte da mãe de Bambi pelos caçadores – e sobretudo de A Dama e o Vagabundo, em uma cena chave em que se enfrentam os dois pretendentes de Alice, Josh (o bipolar assistente do promotor) e Des (o gerente cocainômano do Club), cada um se identificando sem admitir com um dos personagens do desenho animado: Josh com o fiel Joca [Scotty], Des com o fanfarrão Vagabundo, e Alice com a “loira” Lady (1). Criar personagens simpáticos com os quais o leitor se identifique e os fazer passar por uma série de problemas é a receita para um best-seller segundo Scott Meredith (célebre agente literária), como é mencionado no começo do filme, uma receita que se aplica perfeitamente a Walt Disney. Na falta do sucesso, permite-se pelo menos multiplicar a ficção. Como em Salinger – pensemos nas aventuras extraordinárias de O Gargalhada –, como em Whit Stillman: através não do que vivem os personagens, mas do que eles dizem. A aventura está ali: é nos diálogos em que se exprime toda a vida do cinema de Stillman. Em Barcelona, Chris Eigeman, o ator stillmaniano por excelência, explica que cada conversa tem seu próprio ritmo, que quem fala está mesmo em uma espécie de ímpeto em que se pode muitas vezes dizer coisas que não deveriam ser ditas. Este descompasso no discurso é típico nos diálogos de Stillman, seja qual for o assunto (de corrida de barcos à crítica mais ácida), até o ponto de fervura a exceder o outro interlocutor (“Oh, give me a break!” é uma das expressões favoritas de Stillman). (...)
Como se trata da Disco, as coisas são aparentemente mais simples, o declínio está sugerido no título, The Last Days of Disco. O filme supostamente se passa em 1979, ano das primeiras grandes manifestações anti-discoteca (“Disco Sucks!”). Porém, Stillman não está interessado na oposição pró e anti-discoteca, mas sim nas que estão dentre os frequentadores da noite. E sobretudo, entre os yuppies e os outros. A fronteira é a entrada do Club. Impossível de ser ultrapassada quando se é um yuppie – um leão de chácara, verdadeiro Cérbero, vigia a porta –, ainda pior se trabalhar com publicidade, a menos que se disfarce para entrar pela porta dos fundos. Mas o mais importante, claro, são as ligações dos yuppies entre eles, através de seus olhares na discoteca. Alice e Charlotte, evitando sair com alguém que trabalhasse na mesma área que elas, veem o Club como o ponto social por excelência, o único lugar onde podem se divertir esperando por encontros verdadeiros. Para Charlotte, encontros principalmente sexuais, prolongando seu prazer na dança – “antes da Disco, não se sabia dançar neste país”, diz –, mesmo sob risco de pegar uma DST (outro acrônimo, uma marca de Stillman), o que não é totalmente desinteressante, já que permite voltar a falar com ex-namorados. Para Alice, encontros mais amorosos, sendo que após uma primeira tentativa frustrada por um comportamento sexy demais encontrará o amor em Josh, o assistente do promotor cuja condição mental é o reflexo da discoteca: Josh é maníaco-depressivo. Ele descobre o Club, onde “pode-se beber, dançar, bater papo, trocar opiniões e ideias”, em plena fase de euforia, que corresponde aos últimos momentos gloriosos da Disco. Participando da investigação que levará ao fechamento do Club, precipitará sem saber o fim do movimento. E possivelmente, para ele, uma fase depressiva... O epílogo se situa alguns meses depois. A Disco morreu, todos desempregados (exceto Alice, que, como Audrey, de Metropolitan, brilha como editora (2)). Mas para Josh, sua bipolaridade vindo à tona, “a Disco nunca acabará. Viverá sempre nas nossas mentes e corações. Algo assim, que foi grande, importante e maravilhoso, nunca morrerá. Durante alguns anos, talvez muitos, será considerado obsoleto e ridículo. Será deturpado, caricaturado e ridicularizado, ou pior, completamente ignorado. Vão rir do John Travolta e da Olivia Newton-John, dos ternos de poliéster branco, dos sapatos de plataforma e de gestos assim [imita Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite]. Mas isso não tem nada a ver. Quem não entendeu nunca irá entender. Ela voltará um dia. Só espero que seja durante as nossas próprias vidas.” O final no metrô, onde Josh, Alice e todos os passageiros dançam, faz lembrar Fama, mas também, pela canção escolhida – “Love Train” de The O’Jays – que o R’n’B é a base da Disco, a qual não era, afinal, frívola e mercenária. Sua morte não será definitiva. Enquanto não retorna, sobreviverá através de outras músicas. “A esperança faz viver”, poderia ser a conclusão de Os Últimos Embalos da Disco, “mas como em uma corda bamba”, devemos adicionar, parafraseando Paul Valéry. Viver na esperança por sucesso e poder cair a qualquer momento é o destino do yuppie. (...)
(...) Com Os Últimos Embalos da Disco (1998), passamos do preppy [de seus primeiros filmes] para o yuppie, através das personagens de Charlotte e sobretudo de Alice, a qual, quando estudante em Harvard, mostrava-se arrogante aos olhos dos rapazes com quem poderia sair. É o que lhe conta sua colega de trabalho (em uma editora), de apartamento e de dança nas noites do Club, uma discoteca de Manhattan (inspirada no Studio 54, templo da cena Disco no final dos anos 1970, famoso por seus esplendores, seus excessos e a efervescência que reinava em sua porta todas as noites, devido à seleção da entrada). Quando é questionada sobre qual livro gostaria de publicar, Alice responde: “Uma antologia de contos inéditos de J. D. Salinger, mais na linha de ‘O Gargalhada’ que de 'Seymour – Uma introdução"''. Assim, ela se opõe aos rapazes que só leem quadrinhos como Homem-Aranha e cultuam Carl Barks, criador do Tio Patinhas, o pato mais rico do mundo. Walt Disney é também uma das principais referências do filme. Além do Tio Patinhas, fala-se do filme Bambi – cujo lançamento no fim dos anos 1950 teria favorecido o movimento ecologista por traumatizar os baby-boomers com a morte da mãe de Bambi pelos caçadores – e sobretudo de A Dama e o Vagabundo, em uma cena chave em que se enfrentam os dois pretendentes de Alice, Josh (o bipolar assistente do promotor) e Des (o gerente cocainômano do Club), cada um se identificando sem admitir com um dos personagens do desenho animado: Josh com o fiel Joca [Scotty], Des com o fanfarrão Vagabundo, e Alice com a “loira” Lady (1). Criar personagens simpáticos com os quais o leitor se identifique e os fazer passar por uma série de problemas é a receita para um best-seller segundo Scott Meredith (célebre agente literária), como é mencionado no começo do filme, uma receita que se aplica perfeitamente a Walt Disney. Na falta do sucesso, permite-se pelo menos multiplicar a ficção. Como em Salinger – pensemos nas aventuras extraordinárias de O Gargalhada –, como em Whit Stillman: através não do que vivem os personagens, mas do que eles dizem. A aventura está ali: é nos diálogos em que se exprime toda a vida do cinema de Stillman. Em Barcelona, Chris Eigeman, o ator stillmaniano por excelência, explica que cada conversa tem seu próprio ritmo, que quem fala está mesmo em uma espécie de ímpeto em que se pode muitas vezes dizer coisas que não deveriam ser ditas. Este descompasso no discurso é típico nos diálogos de Stillman, seja qual for o assunto (de corrida de barcos à crítica mais ácida), até o ponto de fervura a exceder o outro interlocutor (“Oh, give me a break!” é uma das expressões favoritas de Stillman). (...)
Como se trata da Disco, as coisas são aparentemente mais simples, o declínio está sugerido no título, The Last Days of Disco. O filme supostamente se passa em 1979, ano das primeiras grandes manifestações anti-discoteca (“Disco Sucks!”). Porém, Stillman não está interessado na oposição pró e anti-discoteca, mas sim nas que estão dentre os frequentadores da noite. E sobretudo, entre os yuppies e os outros. A fronteira é a entrada do Club. Impossível de ser ultrapassada quando se é um yuppie – um leão de chácara, verdadeiro Cérbero, vigia a porta –, ainda pior se trabalhar com publicidade, a menos que se disfarce para entrar pela porta dos fundos. Mas o mais importante, claro, são as ligações dos yuppies entre eles, através de seus olhares na discoteca. Alice e Charlotte, evitando sair com alguém que trabalhasse na mesma área que elas, veem o Club como o ponto social por excelência, o único lugar onde podem se divertir esperando por encontros verdadeiros. Para Charlotte, encontros principalmente sexuais, prolongando seu prazer na dança – “antes da Disco, não se sabia dançar neste país”, diz –, mesmo sob risco de pegar uma DST (outro acrônimo, uma marca de Stillman), o que não é totalmente desinteressante, já que permite voltar a falar com ex-namorados. Para Alice, encontros mais amorosos, sendo que após uma primeira tentativa frustrada por um comportamento sexy demais encontrará o amor em Josh, o assistente do promotor cuja condição mental é o reflexo da discoteca: Josh é maníaco-depressivo. Ele descobre o Club, onde “pode-se beber, dançar, bater papo, trocar opiniões e ideias”, em plena fase de euforia, que corresponde aos últimos momentos gloriosos da Disco. Participando da investigação que levará ao fechamento do Club, precipitará sem saber o fim do movimento. E possivelmente, para ele, uma fase depressiva... O epílogo se situa alguns meses depois. A Disco morreu, todos desempregados (exceto Alice, que, como Audrey, de Metropolitan, brilha como editora (2)). Mas para Josh, sua bipolaridade vindo à tona, “a Disco nunca acabará. Viverá sempre nas nossas mentes e corações. Algo assim, que foi grande, importante e maravilhoso, nunca morrerá. Durante alguns anos, talvez muitos, será considerado obsoleto e ridículo. Será deturpado, caricaturado e ridicularizado, ou pior, completamente ignorado. Vão rir do John Travolta e da Olivia Newton-John, dos ternos de poliéster branco, dos sapatos de plataforma e de gestos assim [imita Travolta em Os Embalos de Sábado à Noite]. Mas isso não tem nada a ver. Quem não entendeu nunca irá entender. Ela voltará um dia. Só espero que seja durante as nossas próprias vidas.” O final no metrô, onde Josh, Alice e todos os passageiros dançam, faz lembrar Fama, mas também, pela canção escolhida – “Love Train” de The O’Jays – que o R’n’B é a base da Disco, a qual não era, afinal, frívola e mercenária. Sua morte não será definitiva. Enquanto não retorna, sobreviverá através de outras músicas. “A esperança faz viver”, poderia ser a conclusão de Os Últimos Embalos da Disco, “mas como em uma corda bamba”, devemos adicionar, parafraseando Paul Valéry. Viver na esperança por sucesso e poder cair a qualquer momento é o destino do yuppie. (...)
O cinema de Whit Stillman, verdadeiro tratado sobre os clichês, é um cinema tipicamente americano – no sentido de, além dos temas que abrange, delimita territórios, com suas fronteiras a cruzar, para ter acesso a um mundo de belezas de uma boate, suas barreiras a vencer, como as da língua ou da instrução, seus espaços a atravessar, uns mais íntimos que outros, como o apartamento-vagão de Os Últimos Embalos da Disco – e ao mesmo tempo bastante atípico. Nos créditos finais de Descobrindo o Amor (2011), lê-se “The spelling of “doufi” is non-standard, but preferred”, ecoando a cena na qual Lily pergunta à Violet o plural de “doofus” (estúpido) e tem como resposta “’Doufi’, porque respeita a raiz latina e “doofuses”, apesar de correta, não é muito elegante”. A diferença não é apenas ortográfica, mas de pronúncia também (há todo um trabalho sobre as pronúncias em Stillman, e este filme é dedicado à Sam Chwat, célebre dialect coach falecido). A arte de Stillman reflete a palavra “doufi”: não convencional. Mas menos em sua escrita, que termina por “respeitar” as regras da comédia (inclusive o happy end), e mais na pronúncia particular de Whit Stillman, a qual confere à sua obra, além da originalidade, uma doçura melancólica.
Notas:
(1) Para Josh, o filme não passa de um manual sobre o amor e o casamento para ensinar às crianças de que os vagabundos bons de papo (como o Vagabundo) são bons partidos para garotas gentis de boas famílias (estilo Lady), enquanto que para Des, o que importa é que o Vagabundo mudou ao descobrir o amor, que ele se tornou um homem de família modelo. Alice, que acha o filme deprimente, é seduzida pelas palavras de Josh, a ponto de concluir: "Joca é o personagem mais belo, o filme teria sido muito melhor se Lady tivesse terminado com ele", uma fórmula que obviamente antecipa os últimos momentos do filme.
(2) Audrey, personagem de Metropolitan (1990), reaparece em Os últimos embalos da Disco como uma editora-chefe prodígio.
"Le charm discret de Whit Stillman" foi publicado na revista Traffic nº 86 (primavera de 2013). Seleção dos trechos e tradução por Giovanni Comodo.
"Le charm discret de Whit Stillman" foi publicado na revista Traffic nº 86 (primavera de 2013). Seleção dos trechos e tradução por Giovanni Comodo.
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