Temos a sensação de uma arte que encontrou
seu perfeito equilíbrio, sua forma de expressão ideal e, reciprocamente,
admiramos neles os temas dramáticos e morais que o cinema, embora não os tenha
totalmente criado, ao menos elevou a uma grandeza, a uma eficácia artística
que, de outro modo, nunca teriam alcançado. Em suma, todas as características
da plenitude de uma arte 'clássica'.
André Bazin (O que é o cinema?)
Nas últimas cinco sessões, nosso
cineclube se dedicou à chamada “Hollywood clássica” – os filmes dos estúdios
norte-americanos das décadas de 30, 40 e 50. Se a questão geográfica do rótulo
é compreensível, resta a questão do clássico – especialmente por termos vistos
juntos filmes que são, na realidade, surpreendentes e transgressores ao estilo
e convenções da época, que foram responsáveis por alterar e, finalmente, a
modelar e tornar o padrão do tal “clássico”. E o que seria isso? William Wyler
responde em “Da terra nascem os homens”.
Não se trata de ineditismo, os westerns contam sempre as mesmas histórias – aqui é a de um forasteiro que chega a uma cidade com clãs rivais em guerra e tenta dar fim a isto de sua própria maneira (Akira Kurosawa e Sergio Leone que o digam). Mas de como contar esta história. Wyler, que começara a carreira no cinema mudo de alta rodagem (assinou quase 20 produções em 1927), costumava dizer que, de tanto fazer westerns, ficava acordado à noite tentando pensar em novas maneiras de mostrar como montar em um cavalo. Dos mais de 40 filmes que fez deste gênero, “Da terra nascem os homens” é o seu último e uma espécie de síntese de todo o seu trabalho.
Em suas quase três horas, Wyler não apenas faz um grande filme, mas também funda uma nação (é um western, afinal). E o que é necessário para isso? O próprio filme diz: “terra, 200 cabeças de gado, 100 milhas de cerca e empregados” – os dois últimos requisitos são especialmente reveladores da alma americana. Assim como aqui não se faz um país sem cercas, Wyler não nega nem a violência nem o seu fascínio exercidos desde a sua fundação, como nas cenas em que se contam histórias deste passado nas belas varandas e entradas das grandes casas do filme. Estas propriedades luxuosas não existiriam sem sangue e algumas trapaças.
Há outro requisito também: homens e mulheres, e Wyler nos exibe alguns de seus melhores exemplares em Gregory Peck (o forasteiro), Jean Simmons (a professora), Charlton Heston (o capataz) e Carroll Baker (a herdeira rica). Belos, jovens e de vozes musicais, torcemos para os dois primeiros, luminosos, ficarem juntos desde o princípio – e também pelos dois últimos furiosos afinal se juntarem, ainda que isto já seja outro filme (ou outro livro: “O Morro dos ventos uivantes”, o qual o próprio Wyler já adaptara anos antes).
E é acompanhando estes corpos nos espaços abertos, em que até os interiores são imensos (it’s a big country), que Wyler exibe o fino de sua arte. Através da profundidade de campo e a sua exploração constante que somos situados e imersos neste universo, que ganha mais e mais presença física em nossas mentes, tornando a duração deste filme um documento real que nós habitamos por algumas horas, compartilhando seus dramas e sentimentos. Porque de nada adiantaria a maneira como Wyler cria linhas verticais o tempo todo no Scope (o formato super horizontal do filme), expandindo o nosso olhar e deixando mais “ar” entrar nos enquadramentos, ou como usa a arquitetura para emoldurar seus personagens, se tal não fosse para sublinhar e nos exibir sentimentos – respectivamente, a imensidão da paisagem natural e o isolamento de Peck na grande residência, por exemplo. Ou a enorme distância com que Wyler filma a luta entre Peck e Heston, tanto preservando a privacidade do confronto entre aqueles dois homens como revelando a pequenez daquela disputa – escolha corajosa do diretor, subvertendo as expectativas da plateia e mesmo as convenções do western.
Através das técnicas, tudo passa a ser crível e palpável neste cinema. Mas há também aquilo que foge a elas e que também é determinante para nossa experiência, como a pura energia dos animais vistos no filme – das manobras com cavalos no início ao bagre que salta no rio no momento determinante de uma conversa – e o calor da presença dos atores na tela. O que Peck, Heston, Burl Ives e tantos outros trazem não pode ser substituído ou sequer explicado.
Não se trata de ineditismo, os westerns contam sempre as mesmas histórias – aqui é a de um forasteiro que chega a uma cidade com clãs rivais em guerra e tenta dar fim a isto de sua própria maneira (Akira Kurosawa e Sergio Leone que o digam). Mas de como contar esta história. Wyler, que começara a carreira no cinema mudo de alta rodagem (assinou quase 20 produções em 1927), costumava dizer que, de tanto fazer westerns, ficava acordado à noite tentando pensar em novas maneiras de mostrar como montar em um cavalo. Dos mais de 40 filmes que fez deste gênero, “Da terra nascem os homens” é o seu último e uma espécie de síntese de todo o seu trabalho.
Em suas quase três horas, Wyler não apenas faz um grande filme, mas também funda uma nação (é um western, afinal). E o que é necessário para isso? O próprio filme diz: “terra, 200 cabeças de gado, 100 milhas de cerca e empregados” – os dois últimos requisitos são especialmente reveladores da alma americana. Assim como aqui não se faz um país sem cercas, Wyler não nega nem a violência nem o seu fascínio exercidos desde a sua fundação, como nas cenas em que se contam histórias deste passado nas belas varandas e entradas das grandes casas do filme. Estas propriedades luxuosas não existiriam sem sangue e algumas trapaças.
Há outro requisito também: homens e mulheres, e Wyler nos exibe alguns de seus melhores exemplares em Gregory Peck (o forasteiro), Jean Simmons (a professora), Charlton Heston (o capataz) e Carroll Baker (a herdeira rica). Belos, jovens e de vozes musicais, torcemos para os dois primeiros, luminosos, ficarem juntos desde o princípio – e também pelos dois últimos furiosos afinal se juntarem, ainda que isto já seja outro filme (ou outro livro: “O Morro dos ventos uivantes”, o qual o próprio Wyler já adaptara anos antes).
E é acompanhando estes corpos nos espaços abertos, em que até os interiores são imensos (it’s a big country), que Wyler exibe o fino de sua arte. Através da profundidade de campo e a sua exploração constante que somos situados e imersos neste universo, que ganha mais e mais presença física em nossas mentes, tornando a duração deste filme um documento real que nós habitamos por algumas horas, compartilhando seus dramas e sentimentos. Porque de nada adiantaria a maneira como Wyler cria linhas verticais o tempo todo no Scope (o formato super horizontal do filme), expandindo o nosso olhar e deixando mais “ar” entrar nos enquadramentos, ou como usa a arquitetura para emoldurar seus personagens, se tal não fosse para sublinhar e nos exibir sentimentos – respectivamente, a imensidão da paisagem natural e o isolamento de Peck na grande residência, por exemplo. Ou a enorme distância com que Wyler filma a luta entre Peck e Heston, tanto preservando a privacidade do confronto entre aqueles dois homens como revelando a pequenez daquela disputa – escolha corajosa do diretor, subvertendo as expectativas da plateia e mesmo as convenções do western.
Através das técnicas, tudo passa a ser crível e palpável neste cinema. Mas há também aquilo que foge a elas e que também é determinante para nossa experiência, como a pura energia dos animais vistos no filme – das manobras com cavalos no início ao bagre que salta no rio no momento determinante de uma conversa – e o calor da presença dos atores na tela. O que Peck, Heston, Burl Ives e tantos outros trazem não pode ser substituído ou sequer explicado.
William Wyler é o responsável por
vermos tudo isso diante de nossos olhos, são frutos de suas decisões criativas –
até mesmo manter no filme o take específico
com o bagre saltador. E aqui, como dizia Bazin no topo deste texto ao discorrer
sobre o que seria o clássico na sétima arte, em “Da terra nascem os homens”
tudo parece se alinhar em uma potência de excelência artística que atinge uma
eficácia plena dos sentimentos.
Quais sentimentos e a que servem? Falar de amor, justiça, dignidade e trabalho às pessoas e entretê-las por algumas horas e além das salas de exibição. Nunca houve nada como a Hollywood Clássica. É o sinônimo de cinema. É para onde podemos voltar sempre, fortalecidos e transformados.
Quais sentimentos e a que servem? Falar de amor, justiça, dignidade e trabalho às pessoas e entretê-las por algumas horas e além das salas de exibição. Nunca houve nada como a Hollywood Clássica. É o sinônimo de cinema. É para onde podemos voltar sempre, fortalecidos e transformados.
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