quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Terrorizers, de Edward Yang

 

por Vera Lúcia de Oliveira e Silva

Terrorist é a palavra inglesa para terrorista – aquele que comete crimes em nome de uma causa ou bandeira; sendo terrorizer (ou terroriser) aquele que produz terror, intencionalmente ou não, sem qualquer proposta “evangelizadora”.

Ponho esta marca no ponto de partida desta reflexão sobre o filme de Edward Yang que recebeu, em inglês, o título Terrorizers, traduzido entre nós como “Terroristas”.

O filme é de 1986 e o enredo segue a vida de um pequeno grupo de pessoas agregadas três a três: um jovem fotógrafo bem-nascido e sua namoradinha irritadiça, orbitando um pai rico; um jovem contraventor e sua namorada idem, em um laço torto com a mãe desta, uma mulher de meia idade, romântica e má; e um profissional de saúde, marido de escritora, agora lutando com um conto que pretende inscrever num concurso, o casal em triangulação com um relacionamento anterior da esposa. Adicionem-se os colegas do marido traído e um seu amigo policial, temos aí o elenco, personagens reunidos em três fios.

A trama fará com que as linhas se desenrolem ao longo do relato, trançando-se aqui e ali. Apesar de as pessoas não se conhecerem, seus caminhos serão entrecruzados no decorrer do tempo, dentro do anonimato próprio da cidade grande. E tais cruzamentos produzirão consequências recíprocas e funestas.

A direção dos atores, a mise en scène, os cenários, a luz – tudo será dirigido com precisão para que essas inteirações permaneçam espúrias: nem nos gestos, nem nos diálogos, jamais nos é dado testemunhar uma única troca significativa entre as pessoas. Yang dá relevo à tecnologia disponível para a comunicação - telefones e fios estão à vista - mas o esgarçamento do laço social transcende a disponibilidade dos meios. O que é muito atual.

Se, em outros filmes de Yang, o mundo exterior a Taiwan aparece como saída possível, aqui os personagens parecem enclausurados em Taipei – e as elipses, cortes e saltos transmitem vidas vividas no aqui-e-agora errático, sem um antes e um depois que possa dar algum sentido à experiência de viver.

Solidão, enclausuramento e fragmentação subjetiva parecem adensar um Pathos que invade a ação e transmite um mal-estar sólido, que prossegue inexorável, até o fim. O fotógrafo, o único que parece entrever o andamento trágico em curso, não consegue traduzi-lo para os demais, em um Logos potencialmente portador de salvação.

No lance final, antes da derrocada, o personagem central ainda vive uma fantasia onipotente onde, não só recolhe e exibe seu triunfo, como até se vinga daqueles que atravessaram o seu projeto de construir uma família e galgar uma posição social – afinal, ele nem pedia demais. Yang nos esfrega na cara a violência e nos recusa mesmo o consolo de uma fantasia redentora ou um sonho pacificador.

Com o que retorno ao título – Terrorizers: aqueles que produzem o terror, sem porquê e sem para quê. O que os faz (ou nos faz?) ainda mais assustadores.

Curitiba, 04 de Novembro de 2021

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