segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ABBAS KIAROSTAMI: CINEMA DE INCERTEZA, CINEMA DE ATRASO* (fragmento)


Laura Mulvey**

Em Gosto de cereja (1997), Kiarostami combina a busca do protagonista pela morte com o estilo cinematográfico fluido que desenvolvera em seus dois fil­mes anteriores, Onde fica a casa do meu amigo? (1987) e E a vida continua (1992). Filmando de dentro de um carro, os movimentos da câmera delineiam o movimento da jornada de modo a fundir o movimento do cinema, uma nar­rativa rumo a seu fim e o inevitável fim da vida. Aqui, a topografia da pulsão de morte difere do sentido horizontal da pulsão de “morte conjunta” em fil­mes B ou, por exemplo, do percurso inconsciente de Marion rumo à morte na primeira seção de Psicose (Psycho, Alfred Hitchcock, 1960). A jornada se dá em grandiosos movimentos circulares pela paisagem, retornando de vez em quando ao lugar escolhido pelo motorista para sua futura cova. O senhor Badii decidiu suicidar-se. Está disposto a pagar uma grande quantia de dinheiro a alguém que vá até sua cova na manhã seguinte, confirme sua morte e enter­re seu corpo. Suas tentativas de convencer três homens diferentes a aceitar tal proposta dividem o rumo narrativo do filme em uma série de encontros, todos transcorridos em seu carro. O primeiro homem, um soldado curdo, salta do carro e foge, horrorizado, quando o motorista estaciona para lhe mostrar a cova. O segundo, um seminarista afegão, tenta dissuadir Badii, argumentando que suicídio é pecado. O terceiro, um homem mais velho e que trabalha como taxidermista, tenta, num primeiro momento, dissuadi-lo, argumentando que a vida vale a pena pelos pequenos prazeres, como, por exemplo, o gosto da cereja. No entanto, depois concorda em ajudá-lo justifi­cando que a escolha entre vida e morte é um direito natural.
Por sua vez, “o fim” é representado metaforicamente nos diferentes níveis alegóricos da história, da estrutura narrativa e do cinema. Quando o senhor Badii chega à cova, a tela mostra o céu noturno com uma tempestade que se aproxima. A lua se esconde por trás das nuvens, a tela entra em fade e permanece negra. “Sabe-se que não há nada lá”, diz Kiarostami. “A vida se origina da luz. Aqui, o cinema e a luz se fundem. Porque o cinema também não é senão luz... O espectador precisa confrontar essa não existência que, para mim, evoca uma morte simbólica.”1 Depois da tela negra, que representa o fim da vida, da narrativa e do cinema, uma pequena coda mina a finali­dade desse encerramento. Gravada em vídeo, a imagem granulada mostra a paisagem transformada no tom verde da primavera; a equipe de filmagem trabalhando; HomayounErshadi, que interpreta o senhor Badii, acendendo um cigarro; os soldados descansando na beira da estrada. Embora o tema da morte exija finalidade, à maneira de Hitchcock, Kiarostami termina seu fil­me mais no espírito de Rossellini em Viagem à Itália (Viaggio in Italia, 1954), no qual, após o final formal, a obra casualmente indica que a vida continua. No entanto, “St. James’ Infirmary”, interpretada por Louis Armstrong, entra na trilha sonora, acompanhando a sequência de coda. A canção, em dois ver­sos, fala simplesmente de um homem que encontra sua amante falecida, no necrotério, e depois visualiza a própria morte. Embora a sequência mine um final calcado na pulsão de morte, ela reconhece a produção do filme. A morte simbólica de Kiarostami anuncia, então, que a rodagem acabou.
As preocupações temáticas e o estilo de Gosto de cereja surgem de forma destilada; esse filme é um dos mais abstratos de Kiarostami. Peter Brooks comenta sobre a significação de repetições em narrativas da pulsão de mor­te. A repetição, no texto, detém o movimento progressivo, postergando ou atrasando o fim. Brooks assinala que a linha da narrativa não pode seguir o caminho mais direto de um ponto a outro sem se desviar do curso. “A dis­tância mais curta entre o começo e o final seria o colapso de um no interior do outro, da vida na morte imediata.”2A forma narrativa em que o princípio do atraso se traduz pode variar significativamente – por exemplo, construída em torno de uma estética de suspense ou, de forma mais extrema, da intru­são da digressão ou dos “passeios aleatórios” que Gilles Deleuze associa ao afrouxamento da imagem – movimento, como no caso de Viagem à Itália, de Rossellini. No cinema de Kiarostami, uma estética da digressão conduz a uma estética da realidade, não em oposição simplória à ficção, mas rumo a maneiras segundo as quais o cinema reconhece suas limitações represen­tativas. Na trilogia de Koker, rodada entre 1987 e 1994, Kiarostami retornou duas vezes a uma obra anterior e tentou mobilizar um cinema de observação que acompanharia ausências na representação, as quais são, em geral, deslo­cadas pela necessidade de um sistema de ordenação determinado externa­mente, tal como a coerência narrativa.
Abbas Kiarostami foi acachapado em 1990 por um evento real e traumá­tico que afetou seu cinema. Em 1987, ele realizou Onde fica a casa do meu amigo?,que ganhou, em 1989, o Leopardo de Bronze no Festival de Locarno. O filme se passa nos vilarejos de Koker e Potesh, centenas de quilômetros ao norte do Teerã, e conta a história de um menino de cerca de dez anos de idade, Ahmed (BabekAhmedapour), que percebe que o amigo Mohammed Nemat­zadeh (Ahmed Ahmedapour) deixou cair um caderno de exercícios depois da aula. Como não conseguirá fazer o dever de casa, Mohammed será punido no dia seguinte pelo professor; portanto, Ahmed vai de Koker a Potesh para devolver o caderno e achar a casa do amigo. Ninguém no caminho parece capaz de ajudá-lo. Começa a anoitecer, e Ahmed vai ficando nervoso; então, a repentina aparição de um cavalo saído das sombras faz seu medo emergir. Um idoso tenta, de maneira um tanto ineficaz, ganhar a amizade do garoto. Quando Ahmed volta para casa, ele faz tanto seu dever de casa quanto o do amigo, e ambos são aprovados no dia seguinte, na escola.
Todos os intérpretes são oriundos dos próprios vilarejos, e o filme foi uma elaboração dos temas que Kiarostami desenvolvia em seus trabalhos para o Kanoon – instituto para o desenvolvimento intelectual de jovens e adultos havia anos. O filme continua a dramatizar a importância das crianças no con­texto pós-revolução e chama atenção à relevância da educação na criação de uma nova geração articulada e socialmente consciente. Numa sociedade em que tanto pais como professores tinham uma tendência evidente a tratar as crianças com um misto de crueldade e indiferença, fazia-se necessário dar a elas voz e um ponto de vista.
Em 1990, após o filme ter se tornado o primeiro sucesso internacional de Kiarostami, houve um terrível terremoto na área em que Onde fica a casa do meu amigo? foi rodado. Muitas pessoas morreram, a economia agrícola foi devastada e os camponeses dos vilarejos arruinados foram viver em cam­pos improvisados no entorno das estradas principais, onde poderiam receber auxílio. Em E a vida continua, FarhadKheradmand, amigo de Kiarostami, interpreta o “diretor” de Onde fica a casa do meu amigo? que ouve falar do desastre em sua casa, no Teerã, e volta à região acompanhado pelo próprio filho pequeno, Puya (interpretado pelo filho do diretor de fotografia). Durante o dia, eles tentam chegar a Koker por estradas congestionadas ou tomando atalhos por vias secundárias, tentando descobrir se os irmãos Ahmedapour haviam ou não sobrevivido. Ecoando o filme anterior, começa como uma jor­nada e uma missão, sendo a busca original pela casa do amigo transposta à busca pelos próprios meninos. Farhad e Puya mostram às pessoas o cartaz do filme, no qual estão os meninos, para ajudar na identificação. Na zona do terremoto, a câmera desliza a partir do carro em movimento ao longo de tre­chos de estrada margeados por casas e vidas arruinadas. As pessoas cavam os escombros, tentam resgatar pertences ou digerir a tragédia. O filme se detém para registrar e gravar essas cenas de devastação, morte, perda e pes­soas estonteadas pelo terremoto: “Ele atacou como um lobo faminto, matando tudo que estava em seu alcance”, “restam apenas ruínas e miséria”. Pessoas de todas as idades relatam as perdas familiares e histórias de sua própria sobre­vivência e especulam acerca da responsabilidade de Deus pelo desastre. Pela janela do carro, o diretor, Farhad, observa à volta as vidas devastadas e, assim, um filme futuro, com o testemunho do sofrimento e da coragem daquelas pessoas, começa a tomar forma em sua mente. É nesse ponto que o filme passa a olhar para dois lados diferentes. Com a busca pelos meninos e o encontro fortuito com o senhor Ruhi, que havia interpretado o velho que tenta ajudar Ahmed em Onde fica a casa do meu amigo?,E a vida continua volta o olhar para o passado, mas as experiências e os encontros do diretor conduzem tam­bém ao futuro, ao terceiro filme da trilogia.
Através das oliveiras (1994) é um documentário dramatizado que recons­trói episódios tomados durante a jornada de Farhad pós-terremoto. FarhadKheradmand interpreta, ainda, o “diretor” original de Onde fica a casa do meu amigo? e participa de cenas que testemunhou em E a vida continua. Mas seu papel é secundário, substituído por outro representante do papel de “diretor”, um ator que interpreta o diretor do documentário dramatizado. No primeiro plano de Através das oliveiras, um homem se apresenta, falando diretamente com a câmera: “Sou Mohammed Ali Keshavarz, ator que interpreta o diretor. Os outros atores foram todos contratados nessa locação”. Porém, à medida que prosseguem as filmagens do documentário dramatizado, sua tentativa de reencenar o trauma passado é deslocada por outra história, a qual emerge gradativamente e apresenta mais um problema de representação e narração.
E a vida continua medeia entre o primeiro e o terceiro filmes da trilogia de Koker não apenas do ponto de vista cronológico, mapeando o impacto do terremoto, mas também em termos do impacto do terremoto sobre o cinema de Kiarostami no que diz respeito à realidade e sua representação. Um tema recorrente no filme é a lacuna entre a realidade e o desastre em si. Ao comen­tar o encontro entre o diretor e seu filho com o senhor Ruhi, Kiarostami diz: “Eu queria apenas lembrar aos espectadores, no meio da exibição, de que esta­vam assistindo a um filme, não à realidade. Porque no momento em que ocor­reu o terremoto nós não estávamos presentes para filmar”.3
Essa lacuna entre o evento e a subsequente filmagem foi inevitável, mas em vez de tentar preenchê-la, Kiarostami reconhece a distância entre a rea­lidade e sua representação. O atraso aqui não é apenas um fato, mas também um fator na estética do filme. Há uma relação entre essa estética e a ligação trauma/exegese em psicanálise. O Real em Lacan refere-se à atualidade do evento traumático, pessoal ou histórico. A mente busca palavras e imagens que possam traduzir e transmitir essa realidade. Porém, sua tradução em for­ma simbólica e na consciência separa os dois, bem como o relato de um sonho é afastado do sonhar e perde seu sentimento original. Defrontado com a rea­lidade da tragédia, o filme tenta encontrar maneiras de traduzi-la. A busca pelos dois meninos é atrasada por estradas interditadas, e as repetidas histó­rias de tragédia e sobrevivência forçam o filme a ralentar ao ponto de deter-se, à medida que tenta registrar e inscrever a transição entre desastre e a maneira como a “vida continua”. A morte, não apenas em termos da proporção dessa tragédia, cria um elo entre o estético e o psicanalítico, representando um últi­mo “não dizível”, além da compreensão consciente, a fonte dos rituais, fenô­menos culturais e sistemas de crença que tentam impor-lhe sentido.
Tal pausa na narrativa, seu atraso entre ruínas, lembra-nos a visão que Deleuze tem de um cinema da imagem-tempo a emergir das ruínas da Segun­da Guerra Mundial. O neorrealismo italiano refletiu o choque deixado pela guerra e a necessidade de uma nova maneira cinematográfica de pensar o mundo. O choque exigiu, nos termos de Deleuze, o afrouxamento da “situação sensório-motora”. Isto é, uma estética cinematográfica derivada da lógica da ação, alimentada e duplicada pela pulsão progressiva do cinema no sentido do movimento, passaria a hesitar e encontrar maneiras de reagir ao que há ao redor, derivando imagens do que a câmera observa, não da aspiração narrativa à ordem e à organização. Com o declínio da ação, um espaço cinematográfi­co evacuado preenche a lacuna, registrando as imagens vazias de paisagens rurais e urbanas que Deleuze associa ao cinema pós-guerra de Rossellini. Esse cinema de registro, observação e atraso tende a trabalhar com planos longos, permitindo que a presença do tempo surja na tela. A duração dos planos cha­ma atenção ao tempo à medida que este passa na tela, o presente do filme, mas a ausência de ausência confronta a plateia com um senso palpável de tempo cinematográfico que conduz de volta, a partir do momento da exibição, ao tem­po do registro, ao passado. Embora esse atraso esteja embutido na tecnologia (o tempo cinematográfico é sempre equivocado), o sentido do passado pode encontrar complemento no conteúdo. O passado na forma de traços e ruínas preenche o conteúdo da imagem no cinema de Rossellini e nesses filmes de Kiarostami. Para Deleuze, esse cinema exige uma personagem que observe a cena, um “observador”, à parte da ação ou do evento narrativo.
São puras situações ópticas e sonoras em que a personagem não sabe como responder, espaços desativados nos quais ela deixa de sentir e agir e parte para a fuga, a perambulação, o vaivém, vagamente indiferente ao que lhe acontece, indecisa sobre o que é preciso fazer. Mas ela ganha em vidência o que perde em ação ou reação: ela VÊ, tanto assim que o problema do espectador torna-se “o que há para se ver na imagem?” (e não mais “o que veremos na próxima imagem?”).4
E a vida continua conforma-se a esse padrão.
Kiarostami, bem como muitos de sua geração, foi influenciado pelo neor­realismo italiano,5 e seus filmes anteriores, incluindo Onde fica a casa do meu amigo?, haviam sido rodados no contexto da reavaliação iraniana de uma estética realista. O choque do terremoto e suas consequências redire­cionaram o realismo de Kiarostami para a difícil questão de uma realidade que desafiava a representação adequada. Com E a vida continua, ele introduz na história um “observador”. Farhad exerce essa função, mas também atua como “diretor”, cujo papel é traduzir em cinema o que vê. A imagem-movi­mento, a pulsão narrativa, é colocada em pausa menos pela crise estética que pelo choque. A visão do caos e da devastação atrasa a jornada, decompondo esta em episódios e breves encontros que possibilitam que as pessoas contem suas histórias. A montagem deixa de ser fluida. Travellingstomados a partir do carro que se movimenta lentamente têm a integridade, ou a autossuficiên­cia, do plano-sequência e pouco respeito demonstram por uma montagem de continuidade correta, direcional. Essa maneira de filmar se conforma à visão de Bazin de que o plano-sequência abre tempo para o pensamento dentro do fluxo do filme. Ele argumenta que a composição em profundidade, planos que evitam a montagem e mantêm uma unidade de espaço e tempo, “afeta a relação entre a mente dos espectadores e a imagem”, implicando
uma atitude mental mais ativa e até mesmo uma contribuição positiva do espectador à miseenscène… lhe é solicitado um mínimo de escolha pessoal. De sua atenção e de sua vontade depende em parte o fato de a imagem ter um sentido.6
Bazin identifica o investimento neorrealista no continuume na “ambi­guidade da realidade” como o momento formativo em que esse cinema se desenvolveu.
No princípio de E a vida continua, com um longo travellingem um bos­que de oliveiras, o filme parece indicar uma perda de direção, distraído da busca pelos meninos e até mesmo das consequências do terremoto. A câmera vai absorta pela malha de luz e sombra que de alguma forma dança à medi­da que o vento se move pelas árvores. Mas o fim do plano rompe o feitiço da paisagem e retorna ao sofrimento das pessoas que tentam lá viver. Quan­do o diretor breca o carro e caminha para o interior do bosque, ele ouve um choro e encontra um bebê, sozinho, deitado numa rede pendurada entre duas árvores. Ele tenta apaziguá-lo até ouvir o próprio filho chamá-lo; ao partir, a mãe surge na distância, juntando lenha. Esse é um dos encontros que serão reconstituídos em Através das oliveiras. É também o primeiro de muitos pla­nos, em ambos os filmes, que registram, novamente com longos travellings, o movimento do vento nas árvores. Embora esses planos sejam uma meditação sobre a relação entre movimento e luz e sombra no cinema e na paisagemnatural, mesmo ao criar um contraste com as cenas de devastação, atuam também como lembrete de que o terremoto em si foi um fenômeno da nature­za. Tal como o vulcão em Viagem à Itália, o terremoto representa a repentina erupção e a entrada em movimento de algo que deveria permanecer imóvel, a súbita transformação de uma natureza benevolente em uma força destru­tiva. Os planos recorrentes de árvores movendo-se ao vento parecem sugerir a presença de alguma forma animística que confere uma personificação às reflexões das vítimas sobre a origem do desastre: “Foi a vontade de Deus” ou “não, isso não foi obra de Deus”.
Em Através das oliveiras, os dois “diretores” – Farhad, atuando no docu­mentário dramatizado, e seu diretor fictício, o ator Mohammed – caminham juntos de manhã cedo, observando, a partir da pradaria onde a equipe de filmagem assentou acampamento, o vilarejo devastado na colina oposta. A presença desses “diretores” na tela substancia a lacuna no tempo, o atraso, que separa um evento de sua representação, seu processo de tradução em pensamento e criatividade. Como se pretendesse personificar ainda mais a ideia de separação e atraso, os dois homens discutem a respeito do eco que provém do vilarejo assolado e da lenda de que os antigos habitantes do local respondem, misteriosamente, a uma saudação gritada. Isso amplia o fenô­meno natural do eco como forma de atraso até suas conotações mais fantas­máticas, vozes do passado ecoando pelo tempo e o limite entre os vivos e os mortos. A tentativa de Farhad ao experimentar o eco de fato convoca a voz de Puya, seu filho ficcional em E a vida continua e que lhe devolve o chama­do, por assim dizer, a partir do filme anterior. Quando a cena chega ao fim e Farhad vai retornar ao acampamento, ele tem um sobressalto, como se tives­se sido tocado por algo invisível. Essas sutis indicações do insólito conduzem a um prolongado e emblemático travellingdo vento nas oliveiras.
O estilo cinematográfico em E a vida continua é marcado pela presen­ça gráfica da estrada enquanto motivo visual, mas também como caminho pelo qual chegam auxílio e provisões às pessoas. Essas sequências alongadas de direção, os extensos travellingsa partir de um carro em movimento, tor­naram-se subsequentemente uma marca do cinema de Kiarostami. Jornadas, factuais ou metafóricas, sempre foram um tema narrativo recorrente em seus filmes, do curta de início de carreira O pão e o beco (1970), em que um meni­no pequeno precisa atravessar um beco ocupado por um cão, à jornada que Ahmed faz de Koker a Potesh. Com o retorno para Koker, é como se a incer­teza acarretada pelo terremoto à vida já difícil dos camponeses precisasse ser espelhada pela perda de certeza do próprio cinema. A certeza relativa do rea­lismo se afrouxa conforme vai batalhando um caminho para criar um regis­tro visual de uma tragédia histórica real, e o cinema começa a se materializar na lacuna que separa o evento de sua representação adequada. Nesse caso, o carro é um ponto crucial entre tomadas recorrentes de seu próprio movimen­to pela estrada e os alongados movimentos do cinema pela paisagem. Essas tomadas mesclam a imagem de uma direção progressiva para a jornada, que já que não é preenchida por caracterização nem por ficção e exige pensa­mento ou imaginação, a uma câmera que observa as ações dos personagens e da história. Mas quando o filme, em seu percurso, de fato encontra pessoas, sua busca pelos meninos e a presença reiterada da obra anterior atuam como lembretes da incerteza dos eventos representados na tela.
A presença de um “observador” substituto, o qual Deleuze associa à ima­gem-tempo, é corporificada na presença do “diretor”. Após a tragédia do terre­moto, as relações entre o diretor e os nativos, invisível em Onde fica a casa do meu amigo?,têm de tornar-se objeto de observação e comentário; é preciso que um diretor substituto apareça na tela para representar a distorção e a perda que acompanham qualquer registro cinematográfico da realidade. Kiarostami sugere não apenas que eles não estiveram presentes para filmar o terremoto, mas que o trauma exige um novo reconhecimento da lacuna entre o cineasta urbano de classe média e a realidade de vidas despedaçadas. O filme pode dar testemunho dessa tragédia, mas não pode representar sua verdade. O primeiro sinal da ruptura entre o filme inicial da trilogia e o período que se segue ao terremoto em E a vida continua assume a forma de “autocrítica” retrospectiva. Farhad e Puya alcançam o senhor Ruhi enquanto ele caminha com dificulda­de pela estrada, carregando um vaso sanitário. Eles lhe dão uma carona até sua casa e conversam acerca do papel desempenhado por ele no filme anterior. Puya diz que ele aparentara ter muito mais idade. O senhor Ruhi responde:
Estes senhores disseram que eu deveria aparentar mais idade... fizeram-me usar uma corcunda para parecer mais velho. A ver­dade é que não gostei. Eu disse: “Sim, senhor. O que o senhor quiser”. Foram cruéis comigo. Não sei que espécie de arte é essa que mostra as pessoas mais velhas e mais feias. É estranho...
Quando chegam à casa, a conversa continua.
Puya: Eu esperava vê-lo na mesma casa de antes...
Senhor Ruhi: Aquela era minha casa no filme. Não era minha casa de verdade. A verdade é que esta tampouco é minha casa verdadeira. Esta também é minha casa no filme. Os senho­res disseram: “Que esta seja sua casa”. Mas a verdade é que minha casa foi destruída pelo terremoto. Por ora, estou viven­do numa tenda.
Ele tenta, então, encontrar uma tigela para dar a Puya um pouco de água, tal como fora roteirizado, mas as portas da sacada estão trancadas e ele não localiza o objeto cenográfico. Dirige um pedido de ajuda à câmera, e a senho­rita Rabbi, script-girl, adentra o set correndo para lhe entregar a vasilha. Essa é a cena a que Kiarostami se refere especificamente como tentativa de estabe­lecer a lacuna entre realismo e a realidade da rodagem de um filme.
O senhor Ruhi parece, num primeiro momento, funcionar como críti­ca do realismo em favor de uma realidade mais brechtiana, irreprimida. Ele representa o modo como até mesmo a insistência em locações reais e atores nativos não profissionais enraizados fidedignamente em uma realidade social e em conformidade com o potencial da câmera para inscrever uma estética realista podem bem envolver distorções. Perante a realidade bruta do terre­moto, Kiarostami deseja acertar as contas e estabelecer a diferença entre um cinema de transparência que oculta as distorções impostas por elementos externos, isto é, entre Onde fica a casa do meu amigo?, e o cinema de E a vida continua. Mas o senhor Ruhi ainda não mora em sua própria casa: os “senho­res” intervieram novamente, e aquilo que tencionava dizer sai pela culatra em E a vida continua, implicando um miseenabîmeem que a realidade é cons­tantemente confundida, seja a estética realista, seja caracterizada por um dis­tanciamento brechtiano. Esse tipo de confusão entre o real e o imaginário é levado adiante no terceiro filme da trilogia, Através das oliveiras, a partir do momento em que o novo “diretor” se apresenta. Na sequência, ele se encami­nha, trajado como a personagem, a um grande grupo de meninas, no intuito de encontrar uma para interpretar o papel da jovem esposa no documentário dramatizado. Nativos são escalados para reencenar eventos já encenados por outros nativos elencados como atores em E a vida continua.
O encontro com o senhor Ruhi é também crucial devido a sua posição em E a vida continua. Um plano do diretor o mostra olhando pela janela do carro, aparentemente dilacerado entre suas memórias do último filme e sua projeção imaginativa ao próximo. O filme, então, duplica essa confusão no tempo. Um travellinglongo, em close-up, dos ramos das oliveiras salpicados de luz movendo-se ao vento conduz a um repentino plano de Ahmed corren­do pela estrada ziguezagueante de Koker a Potesh, a qual desempenhara papel visual tão importante em Onde fica a casa do meu amigo? Já que o caminho havia sido criado especialmente para o filme, ele é emblemático da imbricação entre o imaginário e o real. Mas o caminho é também uma representação grá­fica da linha imaginária que liga os eventos da jornada de Ahmed, a rodagem pré-terremoto de Onde fica a casa do meu amigo?,ao futuro, à reconstrução pós-terremoto e às reencenações em Através das oliveiras. Em E a vida con­tinua, as camadas de tempo começam a trabalhar na memória do espectador. A memória ficcional de Farhad, o corte abrupto para Ahmed correndo pela estrada, imediatamente detona a memória real de qualquer espectador que tenha visto o filme anterior. O flashback se dá logo após Farhad decidir pegar uma estrada vicinal, abandonando as estradas diretas para Koker, que estão interditadas por congestionamento e deslizamentos. E o flashback conduz, logo em seguida, a um encontro com o senhor Ruhi e, por conseguinte, a suas memórias de Onde fica a casa do meu amigo? As memórias dos espectadores do filme anterior são reforçadas e, claro, questionadas pelo senhor Ruhi, deto­nando um movimento que perpassa o “antes” e o “depois” do terremoto, que se tornam um “então” e um “agora” nas ficções que separam e unem ambos os filmes. Assim o senhor Ruhi conduz a história a sua nova “casa no filme”, num pequeno vilarejo nos arredores de Koker. Aqui, Farhadobserva, parado, as pessoas morando em casas arruinadas enquanto tentam reconstruir a vida. Ele conhece um jovem casal e ouve a história de seu casamento, e a reconstru­ção desse encontro será o evento central de Através das oliveiras. Quando E a vida continua foi lançado, a plena extensão de seu alcance era inimaginável. Embora Através das oliveiras proporcione de fato um déjà vu com relação a E a vida continua, os detalhes precisos da cena original são difíceis de reme­morar. Assim, rever E a vida continuana sequência é experimentar, numa súbita descarga de reconhecimento, uma fusão do filme futuro e do filme passado em um momento presente de espectação.
No decurso dos três filmes, a presença do cinema vai de transparente à escancarada. Embora o processo de realização cinematográfica não esteja em Onde fica a casa do meu amigo?,a presença do diretor e uma consciência do cinema e de suas realidades e suas distorções permeia E a vida continua. Por fim, em Através das oliveiras, a história está vinculada à produção de um filme sobre as experiências de Farhad na zona de terremoto. O senti­do de regresso, de meia-volta, que caracterizara E a vida continua se repete. Mohammed, interpretando o diretor, filma o encontro de Farhad com um jovem casal enquanto os dois tentam fazer uma nova vida nas ruínas, um incidente que se deu durante E a vida continua. Porém, outras realidades interferem e perturbam as tentativas de reproduzir esse evento passado empreendidas pelo diretor. Assim como, no período após o terremoto, o pas­sado regressava para pôr em questão a filmagem de Onde fica a casa do meu amigo?,também no terceiro filme a tentativa de filmar uma história acerca das consequências do terremoto é deslocada por outra realidade. Cada vez mais, a obra registra a presença de relações de gênero e a maneira como se inscrevem na sociedade e no cinema. O processo de realização cinematográ­fica é quase interrompido depois de seguidos planos em que “atores” deso­bedecem o roteiro. Gradualmente, do ponto de vista dramático, a relação entre os atores se torna mais significativa que a cena que desempenham, e o interesse do diretor se volta para eles. O incidente original que se está reen­cenando para o documentário dramatizado não apenas fora emblemático de que “a vida continua”, como também sugeria que o desastre poderia quebrar a rigidez das convenções sociais. Na cena crucial de E a vida continua, um jovem conta a Farhad sua história. No dia seguinte ao terremoto, ele e a noi­va constataram que a família deles havia sido dizimada (“Perdi muita gente, primos inclusive, 60 ou 65 parentes”). De acordo com o costume, teriam de observar o período de luto correto, um ano, antes do casamento. Ele diz: “Em meio à confusão, demos cabo da coisa”. Então, descreve três noites passadas sob um abrigo improvisado de plástico, seu mirrado “banquete de casamen­to”. Àquela altura, eles já haviam se mudado para uma casa abandonada, ain­da ostensivamente de pé, a qual o jovem trabalhava para reconstruir.
Em Através das oliveiras, esse encontro deve ser reencenado, e Moham­med precisa encontrar uma jovem e um jovem para desempenhar os papéis do casal original. Mais uma vez, a lacuna entre o evento original e sua reen­cenação abre um vácuo estético, evidenciado em um primeiro momento pela natureza estática da filmagem e, depois, pela intervenção dos sentimentos dos próprios atores na truncada cena. A equipe de filmagem se encontra a postos do lado de fora da casa, e Farhad está parado na mesma posição do encontro original. Um jovem passa por ele carregando um saco de gesso e sobe as escadas. Sua esposa, interpretada por TaherehLadanian, que fora selecionada na cena de abertura do filme, o cumprimenta, mas ele não res­ponde. O diretor diz “corta”, e eles tentam um segundo take. Após duas ten­tativas fracassadas, o jovem explica ao diretor que, embora conseguisse dizer suas falas para ele com perfeição, quando tenta falar com a garota, começa a gaguejar. O diretor manda chamar Hossein Rezai, que prestara serviços no acampamento, como substituto. Mais uma vez, um jovem passa caminhando por Farhad com um saco de gesso. Dessa vez é Tahereh que não responde à saudação; o diretor, mais uma vez, grita “corta”. Após diversas tentativas fra­cassadas, eles interrompem o trabalho. Dirigindo de volta ao acampamento, Hossein conta ao diretor que tempos atrás cortejou Tahereh, porém, como havia sido rejeitado pela família dela, ela se recusava a dirigir-lhe a palavra até mesmo no contexto do filme. Antes do terremoto, a mãe dela o rejeitara, qualificando-o como pretendente indigno para a estudiosa filha, porque ele era analfabeto. Quando o terremoto matou os pais dela, ele tentou novamen­te e foi rejeitado pela avó de Tahereh por ser analfabeto e sem-teto.
O relato de Hossein conduz a um flashback com uma prolongada sequên­cia que percorre os meandros do cemitério lotado enquanto os enlutados cuidam de covas após o terremoto. A câmera acompanha Hossein enquan­to ele observa Tahereh e a avó dela. Só mais tarde, no filme, é que Hossein, em um de seus incensados discursos para a silenciosa Tahereh, diz que ela havia devolvido o olhar no cemitério, e que ele interpretara isso como sinal de encorajamento. Durante o flashback, a câmera registra o intenso olhar de Hossein, mas não dá nenhuma indicação quanto ao olhar de Tahereh. O momento que falta torna-se um ponto crucial de incerteza no filme. Ele inscreve a posição impossível de Tahereh, dividida entre a família e o pre­tendente. Mas também dá testemunho das diretrizes para a representação cinematográfica das relações entre os sexos estabelecidas pelo Ministério da Cultura e Orientação Islâmica. HamidNaficy já assinalou que o contato visual, especialmente como expressão de “desejo”, era bastante “desencora­jado”.7 Em Através das oliveiras, a presença de Tahereh, até então primeiro papel feminino notável em um filme de Kiarostami, provavelmente assinala o ponto em que um excepcional ponto cego da cultura islâmica – o status e a representação das mulheres – afinal daria um hesitante passo para dentro da tela. A ausência de seu olhar torna presente o problema, e seu silêncio sublinha ainda mais as restrições que cercam as jovens mulheres. Uma vez que o filme a coloca inesperadamente em contato com Hossein, ela mantém um silêncio total, mirando-o uma vez enquanto “o problema” é discutido por Mohammed e o senhor Shiva. A história estabelece logo no princípio que Tahereh é uma jovem obstinada dotada de vontade própria quando ela tenta rejeitar um vestido de camponesa inadequado que lhe é imposto pelas filma­gens. Ao passo que o silêncio dela passa a representar o silêncio das mulheres, o dilema de Hossein fundamenta-se na miséria de classe. Ele explica ao dire­tor que não apenas ama Tahereh, mas que é muito melhor quando pessoas alfabetizadas se casam com analfabetos e pessoas sem-teto se casam com proprietários de terra – desse modo, todos podem se ajudar. No flashback, após a cena no cemitério, Hossein segue a avó argumentando em prol de si mesmo enquanto passam pelo bosque de oliveiras; ele baseia o discurso no fato de acreditar que Tahereh sente o mesmo por ele. A avó reitera a rejeição, e Hossein vaga, desorientado, rumo à filmagem do documentário dramati­zado. Ele assiste a uma reencenação do episódio entre Farhad e o bebê que havia transcorrido em E a vida continua. Para indicar o novo rumo do filme, a câmera foca em Hossein por todo o decurso da cena; apenas a trilha sonora e a locação sugerem a reencenação que se processa diante da câmera fictícia.
Sob pressão do senhor Shiva, o diretor de produção, Tahereh concorda em fazer a cena com Hossein e em responder à saudação. No dia seguinte, a cena transcorre bem, até o momento em que Hossein precisa dizer a Farhad quantos parentes perdeu. Por três vezes, em vez dos 65 que constavam no roteiro, ele dá o número de mortos como 26, número de familiares que per­dera “na realidade”. Quando Hossein acerta as falas, a filmagem acaba. Tah­ereh vai embora, e o diretor encoraja Hossein a segui-la e continuar argu­mentando em seu favor. Mohammed segue o casal a distância, visualizando, talvez, mais uma história sobre as consequências do terremoto, na qual, das ruínas e da devastação, barreiras sociais poderiam ser desafiadas e escolhas pessoais talvez ganhassem ascendência sobre escolhas familiares no tocante ao casamento (Kiarostami trabalhou por dois anos em um projeto intitulado Os sonhos de Tahereh, mas o filme nunca foi realizado). A espetacular toma­da final, de seis minutos, mostra Hossein seguindo Tahereh pelos campos até que ele se detém e corre de volta ao bosque de oliveiras. Embora o final seja incerto, Tahereh parece ter dado a Hossein o sinal pelo qual ele esperava.
Em suas discussões com Mohammed, o diretor, e em suas súplicas a Tah­ereh, Hossein frequentemente reiterava o quanto era importante para ele que seus filhos tivessem um parente alfabetizado que os ajudasse com a lição de casa.8 O problema do dever de casa dá, então, uma volta completa até o ponto de partida da trilogia, quando Ahmed, em Onde fica a casa do meu amigo?, tenta devolver ao amigo o caderno. Após o terremoto, a busca pelos meninos Ahmedapour é o ponto de partida para E a vida continua e, embora na cena final Farhad e Puyapareçam estar prestes a encontrá-los na estrada, o filme termina sem eles. Através das oliveiras traz os meninos Ahmedapour de volta à trilogia. Eles levam vasos de gerânios para a casa que está fazendo as vezes de set e, numa longa e complexa tomada, a câmera os acompanha pelo retrovisor do carro enquanto eles correm pela estrada, rumo à escola. Estão a salvo, mas a escola, onde estão fazendo prova, é agora uma tenda num campo.
O terremoto é o evento central, traumático e real que Kiarostami não pôde mostrar porque não estava lá quando aconteceu. No entanto, quando retorna ao local após o acontecido, o filme reage à devastação registrando a ruína de vidas e lares com um estilo disjuntivo que testemunha o trauma ao mesmo tempo que reconhece as limitações da representação. Essa separação, ou distância, de um ponto de referência original é duplicada no modo como os acontecimentos do filme encontram-se frouxamente interligados, com planos longos em vez de montagem associativa, o que produz uma estética de reflexão em vez de ação. Existe um elemento de “ação diferida” nessa estraté­gia cinematográfica, como se um evento traumático possibilitasse um regres­so ao passado, o qual é, então, submetido a reinterpretações e considerações. O conceito freudiano de Nachträglichkeit (ação diferida) tenta evadir-se a um conceito hiperlinear ou hiperdeterminado da psique humana, favorecen­do uma possível revisão de eventos por meio de um retorno, em momento posterior, a partir do qual as memórias encontram novo significado. Em seu “retorno” a Onde fica a casa do meu amigo?,Kiarostami borra temporalidades e submete o filme a uma espécie de revisão; contudo, deixa aberta sua estraté­gia estética como se a integridade dos acontecimentos fosse mais significativa que um sentido de “fechamento” nas imagens e na imaginação do diretor. Em Através das oliveiras, a estratégia é quase contrária. Os atores que reence­nam um acontecimento refratado pela imaginação do diretor fictício, Farhad, agora dirigidos por outro diretor fictício, Mohammed, desviam o passado no sentido do futuro com a urgência de sua própria história. Mais uma vez, o terremoto é um pano de fundo essencial às relações, mas Kiarostami dá mais um passo oblíquo no sentido de borrar imaginação e realidade. A história de Tahereh e Hossein, arquitetada por Kiarostami, conduz seu cinema por essa ficção casual e cuidadosamente construída até a realidade da posição ocupada pelas mulheres na República Islâmica e em seu cinema. Embora em tempos recentes seu cinema tenha, particularmente com Dez (2002), se voltado às mulheres de modo direto, a série de repetições e retornos que compõe a trilo­gia conduz ao olhar invisível de Tahereh em Através das oliveiras.

(...)
Tradução do inglês por IsmarTirelli Neto

Notas:
* Publicado originalmente com o título “Abbas Kiarostami: Cinema ofUncertainty, Cinema ofDelay”, em Death 24 x a Second – StillnessandtheMovingImage. Londres: Reaktion Books, 2006, pp. 123-43. (N. E.)
** Teórica influente nos estudos do cinema, professora (BirkbeckCollege – Universidade de Londres) e cineasta. Autora de livros de referência, tais como Visual andOtherPleasures – Language, Discourse, Society(1989); FetishismandCuriosity(1996); e Feminisms: Diversity, DifferenceandMultiplicity in ContemporaryFilmCultures(com Anna Backman Rogers, 2016). (N. E.)
1 Michel Ciment, “Entretienavec Abbas Kiarostami”, Positif, n. 442, dez. 1997, p. 84. 
2Peter Brooks. Reading for thePlot: Design andIntention in Narrative. Nova York: Harvard University Press, 1984, p. 104. 
3StéphaneGoudet, “La reprise: retoursurl’ensemble de l’oeuvre de Abbas Kiarostami”, Positif, n. 408, fev. 1995, p. 12.
4 Gilles Deleuze. Cinema 2: The Time Image. Londres, 1989, p. 272 [ed. bras.: Cinema 2: a imagem-tempo, trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2005].

5
Um momento influente, frequentemente referido, foi uma retrospectiva de neorrealismo italiano que ocorreu em Teerã nos anos 1960. Kiarostami mencionou sua admiração por Rossellini: “Sempre ia ao cinema quando era jovem e fiquei profundamente marcado pelo neorrealismo italiano, em especial por Rossellini. Há claras ligações entre as ruínas e as pessoas de Alemanha: ano zero e de E a vida continua. Porém, durante todo o período de escrita e filmagem, eu nunca pensei a respeito”. Positif, n. 380, out. 1992, p. 32. Em 1992, ele recebeu o Prix Rossellini em Cannes por E a vida continua.  
6André Bazin, “The EvolutionoftheLanguageof Cinema”, em Whatis Cinema?. Berkeley: UniversityofCalifornia Press, 1967, v. I, p. 37 [ed. bras.: O que é o cinema?, trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2014].
7 HamidNaficy, “IslamicisingFilmCulture in Iran”, em The New Iranian Cinema: Politics, RepresentationandIdentity. Londres: Richard Tapper, 2002, p. 46.

8Em 1989, Kiarostami realizou um documentário, Lição de casa, no qual ele elabora a questão através de entrevistas com crianças.

Texto na íntegra no catálogo Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami. Organizado por Fábio Savino e Maria Chiaretti (CCBB, 2016)

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