domingo, 11 de dezembro de 2016

A QUADRILHA


por Jesús Cortés

(The Outfit). 1973. Metro-Goldwyn-Mayer (103 minutos). Produção: Carter DeHaven. Roteiro: John Flynn, baseado na novela The Outfit, de Richard Stark. Fotografia: Bruce Surtees (Metrocolor). Música: Jerry Fielding. Cenografia: Tambi Larsen (a.d.), James L. Berkey (s.d.). Montagem: Ralph E. Winters. Elenco: Robert Duvall (Macklin), Karen Black (Bett Harrow), Joe Don Baker (Cody), Robert Ryan (Mailer), Timothy Carey (Menner), Richard Jaeckel (Chemey), Sheree North (a esposa de Buck), Felice Orlandi (Frank Orlandi), Marie Windsor (Madge Coyle), Jane Greer (Alma), Henry Jones (médico), Joanna Cassidy (Rita), Tom Reese (braço direito), Elisha Cook Jr. (Carl), Bill McKinney (Buck), Anita O’Day (ela mesma), Archie Moore (Packard), Tony Young (contador), Roland La Starza (atirador), Edward Ness (Ed Macklin), Roy Roberts (Bob Caswell), Toby Andersen (atendente do estacionamento), Emile Meyer (Amos), Roy Jenson (Al), Philip Kenneally (barman), Bern Hoffman (Jim Sinclair), John Steadman (atendente do posto de gasolina), Paul Genge (homem do pagamento), Francis De Sales (Jim), James Bacon (apostador), Army Archerd (mordomo), Tony Trabert (ele mesmo).

A partir do momento em que Macklin (um Robert Duvall perfeito, recém-saído de O Poderoso Chefão) acerta o relógio que lhe é devolvido ao sair da prisão após cumprir pena por roubo e até mesmo antes, na cena de assassinato a sangue frio de quem depois saberemos que era seu irmão, A Quadrilha é um mecanismo de precisão que desafia o tempo, as modas e as tendências que dominaram o thriller dos anos 70.

A iconografia da América dos grandes noir que começam nos anos 30, os chapéus e os impermeáveis, os trajes e os vestidos de noite, os clubes, os carros e os métodos e meios da polícia para combater o crime organizado ou “de sobrevivência” ficaram para trás e nas bem-sucedidas Chinatown, Um Lance no Escuro, Perseguidor Implacável, À Queima-Roupa ou O Perigoso Adeus a perspectiva se torna claramente renovadora, especialmente no que se refere aos elementos puramente estéticos e éticos.

Adiantando-se em vários anos em relação a Michael Cimino (sobretudo pela estrutura de O Ano do Dragão, que teria ligações com Fuller, uma referência comum) ou Clint Eastwood, John Flynn injeta sabedoria cinematográfica, sentido do drama, de tempo narrativo, da direção de atores, como se a lição mais importante, a única que realmente valesse a pena ser aprendida, viesse dos grandes Fleischer dos anos 50 e quase nada das contaminações mais ou menos proveitosas que os anos 60 trouxeram tivesse afetado de alguma forma a construção do filme.

Parece que a preocupação de Flynn em A Quadrilha não é apenas com o todo, mas mais particularmente por set pieces, segmentos independentes. Blocos de granito puro, que se abrem e se fecham para se encadearem em elipses quase invisíveis que lhe dão um sentido fulgurante, como se estivesse suspenso no tempo. Na verdade, se não fosse a mistura de estóico revanchismo a essa expressão amargurada ante o pior que pudesse acontecer a Macklin, A Quadrilha estaria mais próximo de Alan Clarke que de Don Siegel e em todo caso se aproxima mais de Ulu Grosbard que de Martin Scorsese e muito pouco às correntes abertas mais tarde por Wim Wenders.

Em especial, esse procedimento “miniaturista” e a aparição em papéis secundários de ícones da idade de ouro como Robert Ryan, Jane Greer, Richard Jaeckel, Marie Windsor e Elisha Cook Jr. poderia ter condenado A Quadrilha a se tornar pouco mais que um modelo em escala dessas obras que suponho assaltar a memória sobre o papel em seu argumento: Os Assassinos e Baixeza de Siodmak, O Grande Golpe de Kubrick, Seu Último Refúgio de Walsh, O Poder do Ódio de Dwan... e westerns de Boetticher, Mann, Stuart Heisler ou Jack Arnold.

Mas John Flynn, sem se tornar em momento algum revisionista e com uma contenção exemplar, se atreve a transitar nesse vasto território policial olhando em frente e sem ter na cabeça os recursos que estavam funcionando tão bem nos filmes contemporâneos mencionados acima. Isso cinematograficamente se traduz compondo-se à distância (sem usar apenas o primeiro plano e dando sempre uma importância decisiva ao equilíbrio do enquadramento), usando pouco diálogo e nunca frases feitas nem ironias, quase nada de música (que além do mais é muito pouco estridente, com apenas umas pequenas notas de “funk” em um par de ocasiões), não tocando no zoom e sobretudo injetando humor e humanidade ao longo do filme ao invés de optar pela tendência mais cômoda e rentável na qual derivaria por pura deformação o gênero: como os tempos se tornaram mais sofisticados, mais velozes, esqueceram-se dos códigos morais e já não há mais espaço para aqueles que pensam e sentem, tomemos o caminho fácil e conduzamos o objetivo na medida do possível à ação, evitemos ou reduzamos a trivialidades os conflitos sentimentais ou de consciência, tratemos de mostrar que todos nós podemos ser impotentes como uma desculpa para validar qualquer atrocidade cometida, que já não será mais castigada, e esbocemos um inferno sem ordem ou justiça que é o quê já não mais era, certo de que é no quê este mundo se converterá em breve... a base de tantos filmes desde então e até nova ordem, sem percurso, desagradáveis, gratuitamente violentos, afobados, insubstanciais.

Uma cena simples reflete o que distancia A Quadrilha de tantos filmes do seu gênero. Quando Bett (Karen Black) atropela com seu carro dois homens para evitar que disparem contra Macklin e seu amigo Cody (Joe Don Baker), que escapam por um triz e na euforia de ter salvado a sua pele, Macklin faz o gesto de abraçá-la, mas ela o afasta com o braço, ainda em estado de choque por ter feito algo assim, quem sabe pela primeira vez e talvez surpreendida por ter sido capaz de tomar tal iniciativa.

Assim, o melhor e mais tocante de A Quadrilha acontece na sua parte final, quando, em duas conversas, uma no carro e a outra no fim do assalto à casa do mafioso interpretado por Robert Ryan, em uma chave muito Peckinpah e com reminiscências do Jacques Becker de Grisbi, Ouro Maldito, vem à luz a intensa amizade que une Macklin a Cody - que até aquele momento parecia um simples mercenário cruel - que querem acabar o quanto antes com esta vida que levam, de motéis de rodovia e armas escondidas debaixo do travesseiro, talvez para começar de novo, como em tantos westerns, nessa aldeia de Oregon onde “quando neva te cobre até a cabeça”, da qual Cody fala com uma mistura de saudade e utopia.
       
(Traduzido por Bruno Andrade)  

Publicado originalmente em
http://focorevistadecinema.com.br                  

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