por Jesús Cortés
(The Outfit). 1973. Metro-Goldwyn-Mayer (103 minutos). Produção:
Carter DeHaven. Roteiro: John Flynn, baseado na novela The Outfit, de Richard
Stark. Fotografia: Bruce Surtees (Metrocolor). Música: Jerry Fielding.
Cenografia: Tambi Larsen (a.d.), James L. Berkey (s.d.). Montagem: Ralph E.
Winters. Elenco: Robert Duvall (Macklin), Karen Black (Bett Harrow), Joe Don
Baker (Cody), Robert Ryan (Mailer), Timothy Carey (Menner), Richard Jaeckel
(Chemey), Sheree North (a esposa de Buck), Felice Orlandi (Frank Orlandi),
Marie Windsor (Madge Coyle), Jane Greer (Alma), Henry Jones (médico), Joanna
Cassidy (Rita), Tom Reese (braço direito), Elisha Cook Jr. (Carl), Bill
McKinney (Buck), Anita O’Day (ela mesma), Archie Moore (Packard), Tony Young
(contador), Roland La Starza (atirador), Edward Ness (Ed Macklin), Roy Roberts
(Bob Caswell), Toby Andersen (atendente do estacionamento), Emile Meyer (Amos),
Roy Jenson (Al), Philip Kenneally (barman), Bern Hoffman (Jim Sinclair), John
Steadman (atendente do posto de gasolina), Paul Genge (homem do pagamento),
Francis De Sales (Jim), James Bacon (apostador), Army Archerd (mordomo), Tony
Trabert (ele mesmo).
A partir do momento em que
Macklin (um Robert Duvall perfeito, recém-saído de O Poderoso Chefão) acerta o relógio que lhe é devolvido ao sair da
prisão após cumprir pena por roubo e até mesmo antes, na cena de assassinato a
sangue frio de quem depois saberemos que era seu irmão, A Quadrilha é um mecanismo de precisão que desafia o tempo, as
modas e as tendências que dominaram o thriller dos anos 70.
A iconografia da América dos
grandes noir que começam nos anos 30, os chapéus e os impermeáveis, os trajes e
os vestidos de noite, os clubes, os carros e os métodos e meios da polícia para
combater o crime organizado ou “de sobrevivência” ficaram para trás e nas
bem-sucedidas Chinatown, Um Lance no Escuro, Perseguidor Implacável, À
Queima-Roupa ou O Perigoso Adeus
a perspectiva se torna claramente renovadora, especialmente no que se refere
aos elementos puramente estéticos e éticos.
Adiantando-se em vários anos
em relação a Michael Cimino (sobretudo pela estrutura de O Ano do Dragão, que teria ligações com Fuller, uma referência
comum) ou Clint Eastwood, John Flynn injeta sabedoria cinematográfica, sentido
do drama, de tempo narrativo, da direção de atores, como se a lição mais
importante, a única que realmente valesse a pena ser aprendida, viesse dos
grandes Fleischer dos anos 50 e quase nada das contaminações mais ou menos
proveitosas que os anos 60 trouxeram tivesse afetado de alguma forma a
construção do filme.
Parece que a preocupação de
Flynn em A Quadrilha não é apenas com
o todo, mas mais particularmente por set pieces, segmentos independentes.
Blocos de granito puro, que se abrem e se fecham para se encadearem em elipses
quase invisíveis que lhe dão um sentido fulgurante, como se estivesse suspenso
no tempo. Na verdade, se não fosse a mistura de estóico revanchismo a essa
expressão amargurada ante o pior que pudesse acontecer a Macklin, A Quadrilha
estaria mais próximo de Alan Clarke que de Don Siegel e em todo caso se
aproxima mais de Ulu Grosbard que de Martin Scorsese e muito pouco às correntes
abertas mais tarde por Wim Wenders.
Em especial, esse
procedimento “miniaturista” e a aparição em papéis secundários de ícones da
idade de ouro como Robert Ryan, Jane Greer, Richard Jaeckel, Marie Windsor e
Elisha Cook Jr. poderia ter condenado A
Quadrilha a se tornar pouco mais que um modelo em escala dessas obras que
suponho assaltar a memória sobre o papel em seu argumento: Os Assassinos e Baixeza
de Siodmak, O Grande Golpe de Kubrick, Seu Último Refúgio de Walsh, O Poder do Ódio de Dwan... e westerns de
Boetticher, Mann, Stuart Heisler ou Jack Arnold.
Mas John Flynn, sem se
tornar em momento algum revisionista e com uma contenção exemplar, se atreve a
transitar nesse vasto território policial olhando em frente e sem ter na cabeça
os recursos que estavam funcionando tão bem nos filmes contemporâneos
mencionados acima. Isso cinematograficamente se traduz compondo-se à distância
(sem usar apenas o primeiro plano e dando sempre uma importância decisiva ao
equilíbrio do enquadramento), usando pouco diálogo e nunca frases feitas nem
ironias, quase nada de música (que além do mais é muito pouco estridente, com
apenas umas pequenas notas de “funk” em um par de ocasiões), não tocando no
zoom e sobretudo injetando humor e humanidade ao longo do filme ao invés de
optar pela tendência mais cômoda e rentável na qual derivaria por pura
deformação o gênero: como os tempos se tornaram mais sofisticados, mais
velozes, esqueceram-se dos códigos morais e já não há mais espaço para aqueles
que pensam e sentem, tomemos o caminho fácil e conduzamos o objetivo na medida
do possível à ação, evitemos ou reduzamos a trivialidades os conflitos
sentimentais ou de consciência, tratemos de mostrar que todos nós podemos ser
impotentes como uma desculpa para validar qualquer atrocidade cometida, que já
não será mais castigada, e esbocemos um inferno sem ordem ou justiça que é o
quê já não mais era, certo de que é no quê este mundo se converterá em breve...
a base de tantos filmes desde então e até nova ordem, sem percurso,
desagradáveis, gratuitamente violentos, afobados, insubstanciais.
Uma cena simples reflete o
que distancia A Quadrilha de tantos
filmes do seu gênero. Quando Bett (Karen Black) atropela com seu carro dois
homens para evitar que disparem contra Macklin e seu amigo Cody (Joe Don
Baker), que escapam por um triz e na euforia de ter salvado a sua pele, Macklin
faz o gesto de abraçá-la, mas ela o afasta com o braço, ainda em estado de
choque por ter feito algo assim, quem sabe pela primeira vez e talvez
surpreendida por ter sido capaz de tomar tal iniciativa.
Assim, o melhor e mais
tocante de A Quadrilha acontece na
sua parte final, quando, em duas conversas, uma no carro e a outra no fim do
assalto à casa do mafioso interpretado por Robert Ryan, em uma chave muito
Peckinpah e com reminiscências do Jacques Becker de Grisbi, Ouro Maldito, vem à luz a intensa amizade que une Macklin a
Cody - que até aquele momento parecia um simples mercenário cruel - que querem
acabar o quanto antes com esta vida que levam, de motéis de rodovia e armas
escondidas debaixo do travesseiro, talvez para começar de novo, como em tantos
westerns, nessa aldeia de Oregon onde “quando neva te cobre até a cabeça”, da
qual Cody fala com uma mistura de saudade e utopia.
(Traduzido por Bruno
Andrade) Publicado originalmente em http://focorevistadecinema.com.br
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