Unidade de tempo, dois ambientes, um fio condutor tênue mas sólido: no cinema, raramente o cômico da observação e a sátira de costumes apareceram com tamanha pureza, isenta de qualquer efeito burlesco, de qualquer gag acrescentada ou supérflua. A interpretação, de uma suprema elegância na caricatura, é um regalo – particularmente, aquela de Jean Galland no papel de um grande burguês esnobe e cerimonioso. O refinamento e a limpidez da arte de Jacques Becker atingem aqui o seu apogeu. Para vê-los viver no espaço de uma noite, o espectador é colocado pelo autor na confidência dos personagens ao ponto de ter impressão de tudo saber sobre eles, sobre sua posição social, suas manias, suas fraquezas e seu caráter. Obra-prima de perfeição clássica à francesa, onde a verdade, captada com uma extrema exatidão, se oferece o luxo de parecer superficial.
N.B. Dois anos mais tarde, em 1953, em parte com a mesma equipe (Annette Wademant, Anne Vernon, Daniel Grélin), Becker filmará uma obra bem próxima de Édouard et Caroline, Rue de l’Estrapade. Não tão perfeitamente clássica quanto Édouard et Caroline, Rue de l’Estrapade possui, no entanto, uma destreza, uma graça e um charme maravilhoso. É preciso, por outro lado, reconhecer no crédito da virtuosidade de Becker o fato que ele pôde assinar dois filmes de qualidade equivalente usufruindo do benefício, em um deles (Rendez-vous de juillet), de uma completa liberdade de atuação (seis meses de filmagens, com a possibilidade de improvisar quando quisesse) e, no outro (Édouard et Caroline), sofrendo restrições severas, até mesmo draconianas. No seu simpático livro de memórias, Hier à la même heure, Acropole, 1988, Anne Vernon escreve: “A filmagem de Édouard et Caroline não foi nada divertido. A atmosfera no estúdio estava sobrecarregada. O produtor que não tinha nenhuma confiança no script [...] só se engajava o mínimo possível e nos tinha feito contratos miseráveis. Cinco semanas e nenhum dia a mais estavam previstas para a filmagem e qualquer atraso deveria ser reembolsado pelo próprio metteur en scène. Nessas condições, Becker deveria decidir rápido, não hesitar nunca, não filmar mais que duas tomadas, devido à falta de película. Para esse artista ansioso, isso era a fonte de tormentos terríveis.”
Jacques Lourcelles
(Dictionnaire du cinéma, Éditions Robert Laffont, 1992, Paris. Traduzido por Letícia Weber Jarek.)
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