domingo, 28 de abril de 2019

Uma mulher que você precisa conhecer

por Matthew Eng

 
Desde que Marlon Brando pegou de surpresa a luva branca de Eva Marie Saint em Sindicato de ladrões não surgia uma forma inteiramente nova de atuação originada da potência de um ator na maior performance de sua vida. A atuação de Brando permanece – indisputável – como uma das maiores já vistas em celuloide, mas cada vez mais, francamente e com o devido respeito à Stella Adler, a de Rowlands neste filme parece a mais arriscada e, portanto, destemida façanha.

Na primeira vez em que vi Uma mulher sob influência na faculdade, eu fui muito intimidado pela volatilidade intramural da história e pela declarada falta de pudores do cinema de Cassavetes para realmente entender – muito menos apreciar completamente – as excelentes sutilezas do desempenho de Rowlands. Eu assisti a Uma Mulher novamente pela segunda vez em agosto passado, preparado para me submeter a essa experiência cinematográfica assustadora e emocionalmente desgastante mais uma vez. Eu esperava me emocionar, mas não esperava ter o ar praticamente arrancado dos meus pulmões, meus olhos jorrando e meu coração subindo rapidamente em direção à minha garganta enquanto Mabel tentava desesperadamente afastar seu marido amoroso mas violentamente exasperado, Nick (Peter Falk), o homem a quem ela é intrínseca e desesperadamente ligada, que acaba de recorrer à ajuda de um médico para levá-la para um manicômio no inesquecível e traumático colapso no meio do filme. 

Enquanto Brando e seus colegas do Método trabalhavam a partir de um sistema intensamente estudado de imersão, motivação e reação que havia sido fundado décadas antes por Stanislavski, Rowlands quase que sozinha liderou seu próprio movimento de ser na tela descomunalmente emocional enquanto psicologicamente guiada, uma escola de desempenho que só parece inconsequente para aqueles que observam as loucuras furiosas de Rowlands de uma perspectiva puramente superficial. A sublime atuação de Rowlands é de forma quase inédita dirigida pelo id: suas heroínas sitiadas operam a partir de reservas tão profundas que podem ser acessadas por Rowlands, que não apenas estabelece momentos, mas também luta com eles para extrair camadas ainda mais robustas de autenticidade. Esticando o corpo esguio e a voz maleável até seus pontos de completa ruptura, Rowlands exibe esta autenticidade, esta necessidade, com todos os brilhos de emoção que a tela poderia conter. Suas personagens encurraladas e instáveis ​​agem não porque Rowlands acha que deveriam, mas porque precisam, a fim de que sejam ouvidas, vistas e, quem sabe, compreendidas.


Uma mulher foi um divisor de águas no cinema americano, mas também uma marca sem paralelos da atuação norte-americana que foi recebida em êxtase pelos grupos de críticos e associações de premiação. Cassavetes recebeu uma indicação ao prêmio de Melhor Diretor e Rowlands, claro, conquistou uma vaga na maior disputa de Melhor Atriz de todos os tempos no Oscar de 1974, apenas para ver sua óbvia vitória entregue à reconhecidamente maravilhosa Ellen Burstyn em Alice não vive mais aqui. Em retrospecto, talvez a encarnação selvagem de Rowlands fosse chocante demais, a desesperança de sua Mabel perturbadora demais para os votantes da Academia, os quais acabaram por votar no papel de uma mãe solteira resiliente da classe trabalhadora que é, na verdade, uma encarnação muito mais heroica da feminilidade da era setentista?


De qualquer maneira, a obra-prima de Rowlands é aquela se tornou o critério, um momento inestimável na história do cinema americano que irá perdurar mais que qualquer disputa do Oscar. Ela se tornou, junto com o pai fundador Cassavetes, uma embaixadora vitalícia e defensora orgulhosa do cinema indie, tendo chegado a declarar “eu amo o cinema independente. Não concordo com muito dele, mas este é o ponto”.



Após Uma Mulher, Rowlands fez mais três filmes com Cassavetes até a morte prematura do diretor em 1989 aos 59 anos. E ela está estupenda em todos: como uma contrariada diva dos palcos em passos falsos que só nós podemos ver em Noite de Estreia, como uma irritadiça amante da máfia tornada protetora de criança e vingadora de batom em Gloria (sua segunda indicação ao Oscar) e como a emocionante e avoada mãe-esposa em Amantes, no qual Rowlands faz a mais melancólica performance screwball de todos os tempos na habilidosa carta de amor de Cassavetes a todos os laços imperfeitos de família. Todos esses filmes merecem ser vistos, bem como o contemplativo A Outra de Woody Allen, no qual Rowlands abre mão de todos maneirismos e consegue queimar um buraco na tela de forma sutil e cativante no papel de uma professora de filosofia cuja confiança começa a vacilar diante de um despertar pessoal desagradável.



Retirado de “It’s About Damn Time Gena Rowlands Got An Oscar” (novembro de 2015). Disponível em https://www.tribecafilm.com/stories/it-s-about-damn-time-gena-rowlands-got-an-oscar-john-cassavetes-honorary-oscar-2015. Tradução de Giovanni Comodo.

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