Desde que Marlon Brando pegou de
surpresa a luva branca de Eva Marie Saint em Sindicato de ladrões não surgia uma forma inteiramente nova de
atuação originada da potência de um ator na maior performance de sua vida. A
atuação de Brando permanece – indisputável – como uma das maiores já vistas
em celuloide, mas cada vez mais, francamente e com o devido respeito à Stella
Adler, a de Rowlands neste filme parece a mais arriscada e, portanto, destemida façanha.
Na primeira vez em que vi Uma mulher sob influência na faculdade, eu fui muito intimidado pela volatilidade intramural da história e pela declarada falta de pudores do cinema de Cassavetes para realmente entender – muito menos apreciar completamente – as excelentes sutilezas do desempenho de Rowlands. Eu assisti a Uma Mulher novamente pela segunda vez em agosto passado, preparado para me submeter a essa experiência cinematográfica assustadora e emocionalmente desgastante mais uma vez. Eu esperava me emocionar, mas não esperava ter o ar praticamente arrancado dos meus pulmões, meus olhos jorrando e meu coração subindo rapidamente em direção à minha garganta enquanto Mabel tentava desesperadamente afastar seu marido amoroso mas violentamente exasperado, Nick (Peter Falk), o homem a quem ela é intrínseca e desesperadamente ligada, que acaba de recorrer à ajuda de um médico para levá-la para um manicômio no inesquecível e traumático colapso no meio do filme.
Enquanto Brando e seus colegas do Método trabalhavam a partir de um sistema intensamente estudado de imersão, motivação e reação que havia sido fundado décadas antes por Stanislavski, Rowlands quase que sozinha liderou seu próprio movimento de ser na tela descomunalmente emocional enquanto psicologicamente guiada, uma escola de desempenho que só parece inconsequente para aqueles que observam as loucuras furiosas de Rowlands de uma perspectiva puramente superficial. A sublime atuação de Rowlands é de forma quase inédita dirigida pelo id: suas heroínas sitiadas operam a partir de reservas tão profundas que só podem ser acessadas por Rowlands, que não apenas estabelece momentos, mas também luta com eles para extrair camadas ainda mais robustas de autenticidade. Esticando o corpo esguio e a voz maleável até seus pontos de completa ruptura, Rowlands exibe esta autenticidade, esta necessidade, com todos os brilhos de emoção que a tela poderia conter. Suas personagens encurraladas e instáveis agem não porque Rowlands acha que deveriam, mas porque precisam, a fim de que sejam ouvidas, vistas e, quem sabe, compreendidas.
Uma mulher foi um divisor de águas no
cinema americano, mas também uma marca sem paralelos da atuação norte-americana
que foi recebida em êxtase pelos grupos de críticos e associações de premiação.
Cassavetes recebeu uma indicação ao prêmio de Melhor Diretor e Rowlands, claro,
conquistou uma vaga na maior disputa de Melhor Atriz de todos os tempos no Oscar
de 1974, apenas para ver sua óbvia vitória entregue à reconhecidamente
maravilhosa Ellen Burstyn em Alice não
vive mais aqui. Em retrospecto, talvez a encarnação selvagem de Rowlands
fosse chocante demais, a desesperança
de sua Mabel perturbadora demais para
os votantes da Academia, os quais acabaram por votar no papel de uma mãe solteira
resiliente da classe trabalhadora que é, na verdade, uma encarnação muito mais heroica
da feminilidade da era setentista?
De qualquer maneira, a obra-prima de Rowlands é aquela se tornou o critério, um momento inestimável na história do cinema americano que irá perdurar mais que qualquer disputa do Oscar. Ela se tornou, junto com o pai fundador Cassavetes, uma embaixadora vitalícia e defensora orgulhosa do cinema indie, tendo chegado a declarar “eu amo o cinema independente. Não concordo com muito dele, mas este é o ponto”.
Após Uma Mulher, Rowlands fez
mais três filmes com Cassavetes até a morte prematura do diretor em 1989 aos 59
anos. E ela está estupenda em todos: como uma contrariada diva dos palcos em
passos falsos que só nós podemos ver em Noite
de Estreia, como uma irritadiça amante da máfia tornada protetora de criança
e vingadora de batom em Gloria (sua
segunda indicação ao Oscar) e como a emocionante e avoada mãe-esposa em Amantes, no qual Rowlands faz a mais
melancólica performance screwball de
todos os tempos na habilidosa carta de amor de Cassavetes a todos os laços
imperfeitos de família. Todos esses filmes merecem ser vistos, bem como o
contemplativo A Outra de Woody Allen,
no qual Rowlands abre mão de todos maneirismos e consegue queimar um buraco na
tela de forma sutil e cativante no papel de uma professora de filosofia cuja confiança
começa a vacilar diante de um despertar pessoal desagradável.
Retirado de “It’s
About Damn Time Gena Rowlands Got An Oscar” (novembro de 2015). Disponível
em https://www.tribecafilm.com/stories/it-s-about-damn-time-gena-rowlands-got-an-oscar-john-cassavetes-honorary-oscar-2015.
Tradução de Giovanni Comodo.
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