por François Weyergans
O que torna Lola tão importante é primeiramente
sua beleza evidente, a elegância de sua forma, a indiferença em cada traço e a
firmeza do todo, a graça em seu desdobramento, enfim, a felicidade contínua da mise en scène. É difícil de nomear essa
beleza e se há um termo que se impõe desde o princípio, ele não é o mais
preciso: charme. Não se trata, convenhamos, do termo mais usado hoje em dia, enquanto
a moda está em um cinema afetado, teatral, empoeirado, reunindo o melhor e o
pior sob a bandeira brechtiana. Tal noção de "charme" poderia, por
mais que fosse imponderável, designar o último avatar da famosa especificidade
cinematográfica. De um filme, o charme não seria o resto, mas a soma. Deixando
de ser clandestino, aqui está o cinema "puro" tomado como objeto do
filme. A mise en scène não pode mais
ser considerada como instrumento de implementação, mas como intenção principal.
Esperamos que Lola torne todos
claramente cientes desta evolução. Tomada de consciência da crítica, entenda-se,
uma vez que nem Murnau nem Renoir precisavam de Jacques Demy, claro, da mesma
maneira que nem El Greco nem Scève contavam com Van Gogh ou Mallarmé.
Mas é inútil escrever mais sobre
isso. Basta dizer claramente que Lola
é uma das primeiras obras do cinema moderno que não pode ser amada pelas razões
erradas. E será suficiente ter visto Lola
para entender sem esforço o que me resta e o que vem adiante. Por exemplo, Lola é o golpe definitivo, parece-me, em
obras como O Grito ou O Sétimo Selo, que parecem distantes,
fora de moda, debatendo-se em vão nos níveis dos signos e da alegoria.
Não acredito que essas
declarações sejam subjetivas e inaveriguáveis. Antes de fundamentá-las mais
diretamente, gostaria de examinar o roteiro, onde já se amarra a forma da obra.
A Fênix e a pomba
Abertura da íris. Um Cadillac branco, cinemascópico, sem capota, registrado
como “10.000 Lakes”, se aproxima e para. Estamos na beira do oceano. Um homem
vestido de branco desce e olha para as ondas.
É fabuloso. Estes primeiros
planos – planos americanos em um filme francês – são autoritários, incontestáveis,
insolentes. Servem para Demy instaurar desde as primeiras tomadas um clima de sucesso inexorável: esta “aparição” branca
encarna um Fatum benéfico.
Após o motorista “olhar o mar uma última vez e voltar ao seu
carro como os cowboys em seus cavalos brancos nos Westerns”, note a
decupagem. Não haverá grandes surpresas depois, uma vez que já sabemos que
vamos testemunhar a história de um desses Retornos Afetivos, como prometidos pelos
videntes de parques de diversões.
Segundo tema: Roland. Enquanto
alguém chega, Roland sonha em ir embora. Ele fixou um mapa-múndi na parede do
seu quarto. Ele verá um filme que o faz querer ir para as ilhas de Mangareva.
(Aprenderemos mais tarde que aquele que acaba de chegar, Michel, chega
precisamente dessas ilhas.)
Então Frankie, marinheiro
americano, terno branco também, nas ruas de Nantes cruza com Michel, Roland.
Lola, bailarina no Eldorado, recebe Frankie, porque lembra um primeiro amor,
Michel. Ao mesmo tempo, Roland dá um dicionário para uma garota de catorze anos
porque ela parece uma amiga de infância com o mesmo nome, Cécile. O nome de
Lola é Cécile.
Precisamente Roland reencontra
Lola. Eles se reconhecem. Lola está esperando há sete anos por um marinheiro
cuja roupa branca e aparência imponente a seduzira aos catorze anos. No dia de
seu décimo quarto aniversário, Cécile é seduzida pela presença de Frankie; ela
o ama.
Roland ama Lola. Lola espera por Michel. Michel e Lola se reúnem sem se encontrarem.
No dia em que Lola deixa Nantes, Michel chega para buscá-la no Eldorado, “Michel surge em um raio de sol” diz a
decupagem. Ele é rico. Ele vai se casar com Lola.
Roland deixa Nantes.
Nantes desempenhou o papel de
encruzilhada das tragédias gregas. Todo o cenário é banhado por uma atmosfera
de fatalidade paradoxalmente inofensiva. Inofensiva? Sim e não.
A chegada de Michel em Nantes
desencadeia uma cascata de coincidências sobre as quais não é inapropriado
evocar os universos paralelos, os círculos de Euler ou o Retorno Eterno do Mesmo.
A mistura dessas vidas, despertada por Michel, que é ao mesmo tempo o personagem
mais distante e mais implicado na intriga, assume a aparência de um sonho.
Entre a primeira e a última sequência de Lola,
como na queda da chaminé da fábrica em Sangue
de um Poeta, "nem visto nem conhecido", um sonho.
Isso explica por que Jacques Demy
não teve a ambição de apresentar as relações entre os personagens como
"psicologicamente" plausíveis, mas de ligá-los por essa evidência
poética que é a coincidência (os personagens de Lola rimam entre si). É evidente que as relações entre homens e
mulheres em Lola, mesmo que estejam
ligadas a situações semelhantes, não têm nada em comum com as descritas por
Astruc, Kast ou Moreuil, uma vez que estes se baseiam na observação objetiva e
realista, enquanto Jacques Demy nos faz sentir seu universo como um de sonhos,
portanto subjetivo (mas que pode expressar, sob outras formas, as estruturas fundamentais
da existência). Disto para desprezar os personagens de Lola, que se perderiam em um sonho perpétuo, e para taxar Demy de esquizofrênico
(ou quase), é só um passo rapidamente tomado por alguns.
Mais verdadeiro que a verdade
Tal seria julgar (ou pré-julgar)
de acordo com critérios realistas que nada têm a ver com o tom da obra. Lola rejeita imediatamente o verdadeiro
e o falso para chegar ao mais verdadeiro que a verdade: Demy sabe até que ponto
deve admirar Cocteau.
Ele elabora um universo formal
sem referência a significações convencionais e é constantemente fiel ao seu
ponto de partida. Portanto, contestar o final de Lola é tão irracional quanto culpar Giraudoux de não ser Zola. Ao
contrário, admiro sem reservas a coerência do caráter de Michel consigo mesmo,
que age de acordo com sua existência cinematográfica, e de quem, se o compreendermos
corretamente, não poderíamos esperar outra coisa senão o que ele faz: "É apropriado que a poesia seja inseparável
do previsível, mas não do formulaico", propõe René Char.
O propósito de Jacques Demy é um
pouco um propósito de ópera. Os personagens existem através do cinema como
Fígaro através da música, de um livreto ou de uma realidade, rapidamente
ultrapassados. Eu quero dizer que a criação artística lá também é predominante,
que é vinculada tanto a uma como a outras disciplinas a fim de destacar a
presença dos seres (enquanto em um romance literário, trata-se de preencher uma
ausência). Em Massimilla Doni, Balzac faz a Duquesa explicar como
Rossini une já com a melodia dois seres que se odeiam, prevendo sua união. Em
uma situação um pouco diferente, é o mesmo caminho tomado pelo estilo de Demy e
da mesma forma ele atinge o sublime: o abraço final de Michel e Lola é tão comovente
quanto os mais comoventes acentos mozartianos.
Em Lola, os personagens são sempre ligeiramente divididos, em
representação. O diálogo denota claramente esta tendência, como evidenciado por
este surpreendente "recitativo" de Madame Desnoyers:
Madame Desnoyers - Estou morta. Essas
compras na cidade me deixam louca. Todos esses carros. Todas essas pessoas.
Cécile - Sim, mamãe
Madame Desnoyers - Todas as pessoas são
gentis, Cécile. Salvo talvez algumas. Você não tem que acreditar que a
humanidade é totalmente podre. É preciso confiar nas pessoas às vezes. Haverá
sempre os bons, mesmo se as aparências nos enganam. No entanto, o
"hábito não faz o monge". Não fique agitada assim. Você me cansa. Ele
tem uma boa aparência. Sabe se expressar bem. Eu me pergunto o que ele faz da
vida. Cécile, traga meus chinelos cinza, seja um anjo.
Cécile – Sim, mamãe.
Madame Desnoyers - Afinal, ele não foi
obrigado a trazer-lhe este livro. É muito amável da parte dele. Você não pode
esquecer de lhe agradecer, não esqueça. Nós poderíamos convidá-lo para jantar,
seria um modo de conhecê-lo melhor. Mas isso é realmente necessário? O que você
acha, Cécile? Você não diz nada. O que você está fazendo?
O autor de um filme falado precisa
saber, escrevia Malraux, quando seus
personagens devem falar. Raramente tive a impressão de um diálogo tão bem
"distribuído" como este de Lola, muitas vezes um pouco à frente
daquele que o diz; as palavras e seu ritmo parecem desenhar em um espaço
fictício o caráter daqueles que as pronunciam, com um pouco de fantasia o suficiente
para corrigir a seriedade de uma confidência.
Um viés de irrealismo também inspira a direção dos atores: Lola sobretudo, como
um pássaro em um galho, tratada em silhueta, andando enquanto esboça passos de
danças (pernas que patinam, se aproximam).
Irrealista em sua intenção, Lola, no entanto, se fundamenta em uma
fidelidade mais essencial à realidade, e que é peculiar ao que eu chamaria de
cinema horizontal: a linguagem usada é sempre uma linguagem universal, veículo
por sua vez de uma linguagem pessoal. Renunciando às facilidades arbitrárias do
sonho filmado e do flashback, Jacques Demy consegue impor a sensação do
imaginário, a presença do tempo, pelos meios mais simples, mais diretos. Quando
Lola sobe a escada da rua, enquanto um movimento de grua baixa a câmera em
direção a ela, que é tipicamente um movimento de comédia musical, o filme
milagrosamente se abre para um momento mais raro, uma espécie de elevação
lírica. Quanto às três mulheres, Cécile, Lola e Madame Desnoyers, elas aparecem
como as três idades do mesmo personagem, e esse atalho é mais bonito do que
qualquer flashback.
Um dos grandes momentos de Lola, e um dos menos explicáveis, é a
câmera lenta de Cécile e Frankie na festa. A extraordinária delicadeza (sim, é
necessário usar esta palavra desgastada) deste momento desautoriza a proposição
de uma análise. É possível constatar o ritmo do amor descoberto e agradecer a
Demy por ter forçado o ritmo de sua arte a se basear no ritmo do amor, mas ao
mesmo tempo perfura uma nostalgia: essa câmera lenta não propõe já o ritmo da
memória que se tornará um dia?
Um filme resolutamente moderno
Lola é um filme perpetuamente entreaberto, que deve por isso
agradar ao autor de "La Poétique de la Rêverie". E a ocasião é boa
demais para não citar a sentença essencial de André Bazin: "Sendo o cinema por essência uma dramaturgia
da natureza, não pode haver cinema sem a construção de um espaço aberto, que
substitui o universo em vez de incluir-se nele."
A graça do filme de Demy vem dessa extrema disponibilidade do campo. A belíssima
fotografia de Coutard constantemente desvanece os personagens ou os cantos do
cenário, em um halo que não é falta de jeito, mas estilo (Demy trabalhou no
laboratório a película), e isso ajuda a dar ao filme esse caráter relaxado e de
esboço, de negligência fingida (após aquele pelo qual tantos outros ficaram acossados).
Não vejo por que
o respeito por um quadro sacrossanto seja uma condição necessária para fazer um
bom cinema. Deve ser entendido que não há uma verdade eterna. O cinema moderno
conquista uma forma que vem da sua necessidade à sua liberdade. E não é um dos
menores méritos de Lola de nos
oferecer o filme nesta liberdade como de um esboço vista também em outras obras
convergentes como O Almoço na relva, Eu, um negro e Shadows.
A liberdade total da forma, em Lola, é o elemento natural do jogo:
"A arte é um jogo",
escreveu Max Jacob em seu “Conseils à un jeune poète", pena de quem a realiza cumprindo um dever.
Este jogo, que é antes de tudo um jogo da forma consigo mesma (vejam como os
encontros entre Roland e Lola são organizados, durante a longa confissão de
Lola, no restaurante, nas ruas), impede que a tragédia se manifeste. "Você tem que agradar", dizem Lola e
Mozart, bem próximos. E como decididamente esse filme me parece mozartiano, talvez
por meio de Renoir e Ophüls, repito sobre Lola
o que o teólogo protestante Karl Barth disse sobre Wolfgang: com ele, tudo que
é pesado plana, enquanto o que é leve pesa infinitamente.
Demy, tão naturalmente um
cineasta como Mozart um músico, fez com Lola
um filme onde o prazer de filmar justifica tudo. E isso o dispensa do mesmo
golpe de preocupação com a metafísica que desconcertou os bons espíritos que
viram em Lola apenas um mero
entretenimento sem significação precisa. O Concerto do Prazer de Vivaldi, Moça
com brinco de pérola de Vermeer tampouco têm um significado preciso. Mas eles
nos ajudam a viver.
Despacho
Ainda há muito a dizer, mas
também não há nada a dizer. Vamos esperar que a estupidez não se detenha sobre
esta obra frágil. Nós não culpamos Jacques Demy por ter dedicado o seu trabalho
a Ophüls: nisso ele participa do mesmo movimento moderno que faz Stravinsky
recriar Pergolesi, Picasso Velásquez e já Mozart “emprestava” de Handel!
Demy e Cocteau: encontro nas notas
de lançamento de A Bela e a Fera
algumas anotações que combinam com Lola:
os personagens não vivem, mas vivem uma vida contada; um clima que corresponde
mais aos sentimentos que aos fatos.
Gostaria também de ressaltar a
objetividade de Jacques Demy, a serenidade de seu filme, essa repulsa à
autobiografia que, contudo, não sucede em mascarar completamente uma
sensibilidade que nem deveria interessar ao crítico se ela não guiasse toda a construção
do filme.
O que é Lola?
A palavra final não existe, sobre
uma obra de arte. Lola é um filme tão
belo, tão fictício, tão verdadeiro, tão efêmero, tão gracioso quanto uma asa de
borboleta. Fico feliz em aprender por Roger Caillois que no homem essa asa é
chamada precisamente de obra de arte.
Disponível em Cahiers du Cinéma nº 117,
março de 1961. Tradução de Giovanni Comodo.