"Uma Rapariga no verão" mal foi
visto em Portugal (só estreou
comercialmente em 2014) e foi objeto de lenda e
culto por décadas.”
Por quê?
Se é mesmo verdade que uma obra
qualquer só se torna objeto de lenda e culto quando mobiliza no Outro algo que
acaba reverberando, como ondas que agitam a superfície da água atingida por uma
pedra, então penso que a crítica de João Bénard da Costa[1]
pode ter sido um desses pontos de reverberação.
No entanto, ao ler o texto do
Bénard, fico com uma nova pergunta: a quê ele está realmente respondendo?
De novo um condicional: se é mesmo verdade que cada um só responde a si mesmo, parece-me que o Uma rapariga no verão que Bénard viu (cor)responde muito mais ao seu próprio repertório, dentro do qual ele declara ter posto o filme a conversar com duas outras obras: o poema Esplendor da Relva, de Ruy Belo; e o filme homônimo (Clamor do Sexo, no Brasil), de Elia Kazan, com Natalie Wood fazendo uma rapariga, outra que não essa do verão de Vítor Gonçalves.
A crítica de Bènard, portanto, parece-me um exercício elaborado no interstício – no inter-texto – de uma tríade de obras, de onde se extraem uma potência e uma beleza que acabam, por um curto-circuito, atribuídas a apenas uma delas – a “Uma rapariga no verão” que, sem me deixar no mesmo lugar, não me leva tão longe.
O que me mobiliza no filme, sem me levar muito longe?
Encontro na crítica de Luiz Soares Jr.[2] as palavras que me servem para falar da minha resposta a Uma rapariga no verão:
O filme apresenta-me algo “do mundo como totalidade inapreensível pela experiência finita dos personagens” e, ao mesmo tempo, me dá “a sensação de que poderíamos estar lá com eles...” captando “olhares e gestos evasivos... que podem ser reapropriados pela consciência do espectador...” e que acabam sendo “interiorizados em mim”.
O nome desta resposta, portanto,
poderia ser “reconhecimento”: um reconhecer-se ali, na rapariga, em algum verão
da vida, coagida, por serenidade de menos ou por dor demais, a responder
naquele ali e então. Sem o apoio de uma elaboração anterior que desse lastro ao presente e sem a menor possibilidade de prever os desdobramentos e consequências da escolha do momento – escolha que se apresenta ali como urgência –, responder impedida de desbastar os excessos mortíferos do ato.
O mesmo pode ser dito a respeito de Millennium Mambo, de Hou Hsiao-Hsien (2001). Se aqui a forma é a de um rio caudaloso, o fundo de alma que se revela é o mesmo pelo qual corre o regato de Vítor Gonçalves. Se Hsiao-Hsien grita, Gonçalves sussurra.
Nos dois casos, testemunhamos uma resposta à deriva.
Curitiba, 08 de Maio de
2021
Vera Lúcia de Oliveira
e Silva
Belo texto Vera. Obrigada por me ajudar com suas reflexões.
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