terça-feira, 11 de maio de 2021

Sobre "Uma rapariga no verão", de Vítor Gonçalves (1986)

"Uma Rapariga no verão" mal foi visto em Portugal (só estreou
comercialmente em 2014) e foi objeto de lenda e culto por décadas.”

Por quê?

Se é mesmo verdade que uma obra qualquer só se torna objeto de lenda e culto quando mobiliza no Outro algo que acaba reverberando, como ondas que agitam a superfície da água atingida por uma pedra, então penso que a crítica de João Bénard da Costa[1] pode ter sido um desses pontos de reverberação.

No entanto, ao ler o texto do Bénard, fico com uma nova pergunta: a quê ele está realmente respondendo?

De novo um condicional: se é mesmo verdade que cada um só responde a si mesmo, parece-me que o Uma rapariga no verão que Bénard viu (cor)responde muito mais ao seu próprio repertório, dentro do qual ele declara ter posto o filme a conversar com duas outras obras: o poema Esplendor da Relva, de Ruy Belo; e o filme homônimo (Clamor do Sexo, no Brasil), de Elia Kazan, com Natalie Wood fazendo uma rapariga, outra que não essa do verão de Vítor Gonçalves.

A crítica de Bènard, portanto, parece-me um exercício elaborado no interstício – no inter-texto – de uma tríade de obras, de onde se extraem uma potência e uma beleza que acabam, por um curto-circuito, atribuídas a apenas uma delas – a “Uma rapariga no verão” que, sem me deixar no mesmo lugar, não me leva tão longe.

O que me mobiliza no filme, sem me levar muito longe?

Encontro na crítica de Luiz Soares Jr.[2] as palavras que me servem para falar da minha resposta a Uma rapariga no verão:

O filme apresenta-me algo “do mundo como totalidade inapreensível pela experiência finita dos personagens” e, ao mesmo tempo, me dá “a sensação de que poderíamos estar lá com eles...” captando “olhares e gestos evasivos... que podem ser reapropriados pela consciência do espectador...” e que acabam sendo “interiorizados em mim”.

O nome desta resposta, portanto, poderia ser “reconhecimento”: um reconhecer-se ali, na rapariga, em algum verão da vida, coagida, por serenidade de menos ou por dor demais, a responder naquele ali e então. Sem o apoio de uma elaboração anterior que desse lastro ao presente e sem a menor possibilidade de prever os desdobramentos e consequências da escolha do momento – escolha que se apresenta ali como urgência –, responder impedida de desbastar os excessos mortíferos do ato.

O mesmo pode ser dito a respeito de Millennium Mambo, de Hou Hsiao-Hsien (2001). Se aqui a forma é a de um rio caudaloso, o fundo de alma que se revela é o mesmo pelo qual corre o regato de Vítor Gonçalves. Se Hsiao-Hsien grita, Gonçalves sussurra.

Nos dois casos, testemunhamos uma resposta à deriva.

Curitiba, 08 de Maio de 2021
Vera Lúcia de Oliveira e Silva


Um comentário: