terça-feira, 25 de novembro de 2014

Pat Garrett & Billy the Kid (Sam Peckinpah, 1973)


Mama, take this badge off of me
I can’t use it anymore.
It’s gettin’ dark, too dark for me to see
I feel like I’m knockin’ on heaven’s door.
Knock, knock, knockin’ on heaven’s
door
Mama, put my guns in the ground
I can’t shoot them anymore.
That long black cloud is comin’ down
I feel like I’m knockin’ on heaven’s door.

Antes de produzir Pat Garret & Billy the Kid, Peckinpah já havia decretado o fim da era western no cinema, mas nunca de forma tão romântica e alegórica quanto neste monumento erguido à passagem do tempo – que muito bem pode ser encaixado como último capítulo do epílogo de um gênero. Aliás, tem um único plano, sutilmente posicionado no princípio da fuga que estabelece a caminhada final de Pat e Billy rumo à morte, que mais ou menos representa o próprio filme, em tom e substância: um take em contraluz que mostra a silhueta de um dos protagonistas enquanto anda a cavalo às margens de um lago, no período crepuscular.
É talvez o plano mais representativo de todo o velho-oeste; não este do filme de Peckinpah, mas a própria ação e o exercício de se fotografar o cowboy em passos lentos rumando em direção a qualquer lugar, com o horizonte ao fundo, abusando de uma atmosfera romântica e, porque não, completamente épica. Mas Peckinpah filma tudo ao contrário. Não é no horizonte que se forma a silhueta – ele está encoberto por tantos outros contornos pretos que compõem a paisagem arborística da locação. O que vemos é o reflexo invertido nas águas do lago, sempre tremulas, deixando o cowboy desfigurado, torto, com linhas balançantes.
O que encontramos neste Peckinpah não é o nosso velho-oeste, aquele que tanto adoramos; vigoroso, embrutecido, musicado pelo tilintar das esporas e recheado com a macheza e violência corriqueiras. Pat Garret & Billy the Kid é a distorção, o fim definitivo de tudo isso, mais do que qualquer outro ensaiado anteriormente – não simplesmente o desencaixe do velho código de honra, mas a punição a quem ainda não havia se entregado aos novos costumes, através dos quais a lei finalmente tomava o posto de maestro social, numa forma de tentar coibir a violência e encobrindo, automaticamente, a justiça autônoma, pessoal.
Garret e Kid, sendo assim, representam dois lados de uma mesma moeda. Ambos são homens à moda antiga, velhos amigos, mas que acabam desenvolvendo uma diferença determinante: enquanto Pat se rende ao novo modelo social, Billy nega a adaptação. O fato que os coloca em lados opostos de uma mesma batalha – enquanto um permanece como caça, o outro se transforma em caçador – também motiva a melancolia que tanto as imagens, sempre crepusculares em sua anti-epicidade e não raramente representantes de uma antologia totalmente contrária à mitologia do western, quanto à trilha-sonora de Dylan constroem através de cada seqüência.
Por sinal, o momento-chave do filme, quando Pat finalmente encontra e assassina Billy the Kid, pode ser visto facilmente como o último suspiro do faroeste. Porque todos sentiam o contragosto sempre explícito pelo amargor irrefutável com o qual o personagem de James Coburn mantinha arduamente sua perseguição a Bill-, não por estar realizando um trabalho do qual não se orgulha, mas por saber que, matando Billy the Kid, estaria fatalmente assassinando a si próprio. E poucas coisas são tão dolorosas quanto ver o homem, plenamente iluminado pela claridade solar, trilhar rumo ao horizonte passos mortos que celebram o fim de toda uma era. 
Diferente de tudo o que você já viu no gênero – e na retratação de um mito, coisa feita sem nenhum brilho, sem nada de épico -, talvez por ser o maior anti-western do mundo. Devastador.
Daniel Dalpizzolo
(Texto original: http://multiplotcinema.com.br/antigo/2008/05/17/pat-garret-billy-the-kid-sam-peckinpah-1973/)

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