segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Debatendo "Aurora"


Noites estrangeiras
Os mundos intrusos de F. W. Murnau (fragmento)

(...)
“Sempre há uma outra voz falando pela nossa voz quando realmente dizemos alguma coisa”.
(Nancy)

É com Aurora (1927) e City Girl (1930), porém, que Murnau tornará todo o raciocínio acerca da intrusão ainda mais complexo. Filmados em Hollywood – fábrica de aparências – os dois filmes podem, hoje, ser vistos como um díptico, um par harmônico que apresenta dois lados de uma mesma questão. Aurora (foto ao lado) leva as máscaras novamente aos rostos: um casal que vive no campo tem sua tranqüilidade matrimonial atormentada por uma sirigaita da cidade. Ela – morena, com traços fortes de vaidade – tenta convencer o rapaz a assassinar sua esposa – loira, com rosto de boneca inacabada – e fugir com ela para a cidade. A idéia de trabalhar com arquétipos fica ainda mais clara pelos nomes creditados às personagens: The Man (George O’Brien), The Wife (Janet Gaynor) e The Woman From the City (Margaret Livingstone).
Em um primeiro momento, acreditamos queAurora seria um filme sobre o paraíso maculado pela chegada dos turistas à pequena vila de veraneio. Qualquer possibilidade de uma crítica esquemática e anunciada ao mundo urbano cai, por completo, na segunda metade do filme: uma vez não consumado o assassinato, homem e esposa pegam um bonde para a cidade. Ao contrário do que poderíamos esperar, esse espaço não é retratado como antro de corrupção, mas sim como terra de luzes pulsantes, jorrando vivacidade em desordenado e maravilhoso movimento. Mais do que estabelecer uma oposição entre os dois espaços, Murnau os desenha como trajetória: as personagens precisam sair do campo e passar pela cidade (daí os nomes arquetípicos) para redescobrir o amor que as une. É preciso, portanto, delimitar as personagens por suas diferenças espaciais e culturais, para, assim, descortinar as projeções que as deformam. É preciso, acima de tudo, compreender o intruso como um intruso.
(...)


Fabio Andrade
(Texto na íntegra: 
http://www.revistacinetica.com.br/murnaufabio.htm)

Nenhum comentário:

Postar um comentário