terça-feira, 31 de março de 2015

Cineclube Sesi: "A Dama de Preto" de Samuel Fuller

Nesta quinta-feira, dia 2, o Cineclube Sesi exibe "A Dama de Preto" abrindo o ciclo Samuel Fuller, que contará ainda com "No Umbral da China" (09/04), "Dragões da Violência" (16/04), "Paixões que Alucinam" (23/04) e "Cão Branco" (30/04)
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi apresenta: "A Dama de Preto" de Samuel Fuller


No final do século 19, um jornalista esforçado consegue abrir seu próprio jornal, que logo se transforma num grande sucesso. A herdeira de um dos maiores jornais da cidade começa uma forte oposição contra ele. Apesar de desenvolver um interesse romântico pela adversária, o jornalista decide continuar na luta.

Serviço:
dia 02/04 (quinta)
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

segunda-feira, 30 de março de 2015

Cineclube da Cinemateca: Abel Ferrara


“Os vampiros têm sorte, eles podem alimentar-se dos outros. Nós precisamos nos alimentar de nós mesmos. Comer nossas pernas para que possamos adquirir a energia para andar. Precisamos vir para ir, nos sugarmos inteiros, precisamos comer tudo de nós mesmos para que não reste nada além do apetite.”                                  
(Zoë Lund em "Vício Frenético")

Programação
04/04 – O Rei de Nova York
11/04 – Vício Frenético
18/04 – Go Go Tales
25/04 – 4:44 – O Fim do Mundo (*excepcionalmente às 14h)

Serviço:

Aos sábados
às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante


domingo, 29 de março de 2015

Cineclube Sesi: Samuel Fuller

A câmera de Samuel Fuller é um lança-chamas no front das mediocridades.
 - Alex Pinheiro

Programação
02/04 - A Dama de Preto
09/04 - No Umbral da China
16/04 - Dragões da Violência
23/04 - Paixões que Alucinam30/04 - Cão Branco

Serviço:
Toda quinta
às 19h30 
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA

Realização: Sesi 
Produção: Atalante

quinta-feira, 26 de março de 2015

Carta a Jean-Pierre e a Jean-Luc


Saudações a ambos do ano de 2004, 32 anos após sua carta à “atriz” e “militante” conhecida como Jane Fonda. Vamos falar sobre sua meditação de 52 minutos – infame, “anormal” (segundo John Simon, que exclamou este epíteto quando saiu feito um furacão da coletiva de imprensa do New York Film Festival) – sobre a célebre foto de “Hanoi Jane” dando ajuda e conforto ao inimigo.

Êxtase

“Há um ponto em que, num certo estado mental, o espírito recupera a esmagadora sensação da matéria,” disse Jean-Pierre Gorin numa entrevista à revista Jump Cut, em 1974. “Então você chega num ponto em que não existe certo ou errado, desespero ou alegria. Você está além destas contradições e tudo é uma experiência completa e totalizante.” Nos anos imediatamente seguintes a Carta para Jane, quando as pessoas já não mais falavam no filme – o que foi raro – o êxtase do materialismo era a última coisa que passava pelas suas cabeças. Os filmes do Grupo Dziga Vertov, em geral, e Carta para Jane, em particular (filmado, gravado, e mixado em tempo recorde) eram mencionados como o máximo em “não-cinema”, “des-prazer”, um pouco demais até para o mais rigoroso esteta do centro de Nova York. Se por um lado os filmes eram muito “políticos” para a vanguarda, por outro estavam muito distantes da política nua e crua – muito “cinemáticos” – para os engajados politicamente.
“Nós fizemos este filme da mesma maneira que se faz um abridor de latas.”
Gorin devia estar falando de algum outro filme do Grupo Vertov, mas poderia estar descrevendo este aqui também. Um filme feito sem grandes ambições, como uma ferramenta audiovisual, um aditivo cultural, como aqueles compostos químicos que removem várias camadas de tinta para chegar à madeira original que está por baixo. Mas, 30 anos depois, é o êxtase da empreitada que parece mais surpreendente. Gorin muitas vezes recorre à teorização “rizomática” de Gilles Deleuze, com sua falta de conclusão máxima, sua substituição de um “portanto” reprimido por um “e… e… e…” eufórico. Enquanto Carta para Jane parece se destilar em um ponto final conclusivo – que qualquer atividade para os ocidentais que pensavam sobre o Vietnã em 1972 que não fosse ouvir os vietnamitas e entender o tipo de paz que eles queriam era nada mais que um disfarce, o filme acaba sendo qualquer coisa menos uma apresentação com um desenrolar lógico. Em vez de cavar cada vez mais fundo, ficam apenas acumulando insights (o olhar no rosto de Jane Fonda ecoando o olhar compassivo usado por seu pai em As vinhas da ira), resolvendo quebra-cabeças (por que a atriz “em foco” é ideologicamente indistinta, enquanto o vietnamita “fora de foco” é, como a direita americana, ideologicamente definido), e desatando nós capitalistas (uma fotografia pode esconder mais do que revelar, dependendo de como é publicada e posicionada). “Você não vai entender Marx se não perceber que este cara descrevendo a máquina capitalista estava num estado contínuo de masturbação mental”, disse Gorin na entrevista da Jump Cut. “Ele adorava colocar todos os elementos juntos, e é muito importante amar o que você está fazendo.” Trinta e dois anos depois do fato, você não sai deste filme sentindo que viu uma inquisição acadêmica seca, mas um engajamento estático com o presente. Deve ser dito que o prazer é quase todo seu, mas que nós ganhamos nosso quinhão também.

Dois estrangeiros

Quando escuto a trilha sonora de Carta para Jane – e esse é um filme que você tem de escutar, acima de qualquer outra coisa – estou ciente de que estou ouvindo dois papéis sendo encenados, interpretados diante do microfone para uma ocasião especial: um filme feito para “explicar” um outro filme (Tudo vai bem) para platéias americanas. Quais papéis vocês dois estão interpretando? Dois intelectuais “marxistas” se queixando? Dois europeus enxergando a verdade sobre uma americana? Dois homens num lengalenga sobre uma mulher? Todas as coisas acima. Pode-se dizer também: dois juízes num previsível tribunal stalinista (conforme apontou James Monaco em The New Wave); dois detetives num confronto verbal com o criminoso antes de chamar a polícia; dois espiões comunistas enviados do quartel-general para exortar seus camaradas mais conhecidos, direto das páginas do subvalorizado romance de Chester Hime, Lonely Crusade. E a idéia de como uma platéia americana deve ser abordada, o tipo de conversa “na lata” ao qual eles possam responder, agora parece um mecanismo extremamente antiquado dos Estados Unidos da era Nixon. Por exemplo, o olhar de compaixão lançado pela atriz enquanto ela supostamente ouve os camponeses vietnamitas foi “tomado emprestado, o principal e os juros, do New Deal”. Como se vocês fossem dois vendedores de seguros que pararam para tomar um trago no boteco da esquina depois de um dia duro de trabalho estudando as tabelas atuárias mais recentes.

Uma mulher é uma mulher é uma mulher

“Por que uma carta para Jane?” Eu pensava enquanto assistia ao filme outra vez.
“Por que não uma carta para Yves?” Aí, é claro, o filme – ou vocês – me deram a resposta: porque Yves Montand não foi fotografado quando foi ao Chile. Pelo menos não de forma simbólica. E vocês até abordam a questão de por que dois caras estão, mais uma vez, repreendendo uma mulher. Em 1972, todos os caminhos levavam ao Vietnã e a formas de promover a causa do povo vietnamita. Mais do que qualquer um, foi Fonda quem deu motivos, seu senso de estratégia e o derradeiro impacto de seu gesto ficaram abertos ao tipo de inquérito instaurado aqui por vocês. Muito justo.
Mas a pergunta ficava me incomodando do mesmo jeito. Por que não simplesmente fazer uma interrogação sobre esta fotografia, sem a abordagem direta? O nível de minúcia na análise da foto, tirada por Gerard Guillaume e publicada no L’Express, parece ser totalmente imaterial para um diálogo genuíno com a mulher que aparece nela. Trinta e dois anos mais tarde, parece que Jane – “Hanoi Jane”, a santa padroeira do esquerdismo militante americano; Jane, a antiga estrela que quase desistiu do filme de vocês; Jane, na “função de Jane”, a incorporação do esquerdismo de celebridades – foi o que botou o motor de vocês pra funcionar. Ou talvez o ato de dois caras se juntando para dar uns apertos numa moça tenha sido apenas isso, mais uma encenação. Eu acho que entendo: a direita americana é “nítida” e a esquerda americana é “imprecisa”, o que significa que a direita é “masculina” e decidida, enquanto a esquerda é “feminina” e inconstante. Um toque de mestre, então, captar no rosto sensível e terno da “mulher” que está no coração do esquerdismo toda emoção, e nada de pensamento. Depois de feitos todos os cálculos conceituais, parece ser uma ótima idéia.
 Então, à segunda vista, continua sendo dois caras se juntando para dar uns apertos numa moça.

Plus ça change

Então, 32 anos depois, os EUA estão, mais uma vez, em guerra por motivos duvidosos. Mais uma vez o país está polarizado. Mais uma vez, talvez com mais força do que em 1972, a direita americana está em ascensão. Um de vocês é agora residente nos Estados Unidos há muito tempo. O outro está entocado na Suíça. Ambos continuam sendo grandes cineastas.
O filme “abridor de latas” de vocês agora foi fixado no tempo. Ganhou o status de “curiosidade” – uma obra que é um “produto de sua era” antes de ser qualquer outra coisa. Pronto para ser encaixotado e enfiado no fundo do armário histórico.
Nós temos infinitas maneiras de nos isolar dentro do nosso próprio presente, passando tantas demãos de verniz que nem conseguimos tocar sua verdadeira superfície. Como falou uma vez o velho amigo e colega de Gorin, Raymond Durgnat, o fato de algo ficar “antiquado” não o torna mais interessante? Por que devemos rejeitar o que está preso no tempo?
Assistindo a seu filme outra vez, depois de tantos anos, agora que os estudantes inquietos que o assistiram em 1972 já estão grisalhos, agora que McNamara já foi imortalizado por Errol Morris, agora que Jane já passou de pacifista militante para esposa de político liberal para melhor atriz de Hollwood para Rainha da Malhação para esposa de aristocrata bilionário para “superestrela” distante de anos passados, depois que o senhor Gorbachev derrubou aquele muro, depois que Reagan inaugurou o processo que transformou este país no que parece ser uma fantasia permanente de si mesmo, agora que praticamente todos os mercados imagináveis já estão livres, eu acho que o filme fala de forma ainda mais poderosa através da natureza do seu passado e de sua idade do que quando ele tinha acabado de sair do laboratório.
O que há de tão especial no seu pequeno adendo a um filme? Será que é o fato de ele ser tão “barato”, tão um produto da fome, numa época em que toda a ênfase e toda a energia do cinema estão sendo dispendidas na criação de uma superfície apresentável? Será que é o tom deliciosamente impenitente de dois tribunos marxistas assumindo a responsabilidade de instruir uma platéia, sem humildade ou autojustificação? Será que é o fato de vocês terem percebido a urgência em analisar imagens e a maneira como são disseminadas (levando a análise elegante de Barthes a alturas extáticas), talvez inconscientemente prevendo o mar de informação visual em que agora nadamos – ou nos afundamos? Será que é o fato de vocês terem afirmado a verdade concreta do mundo pós-colonial, aquela que parecemos estar mais uma vez ignorando no Iraque, que os habitantes do país em questão é que devem ser aqueles a decidir sobre seu futuro coletivo? Será que é o jeito que vocês focalizaram aquele ar de compaixão patenteado, que nos anos entre lá e cá saiu dos filmes e agora está na televisão enfeitando semblantes tão variados como os de Diane Sawyer, Oprah Winfrey e Michael Moore?
São todas essas coisas. E é sua vivaz avaliação da dignidade liberal, que vocês caracterizam assim: “produz uma boa consciência para nós mesmos de maneira ordinária”. O que nós ocidentais, de todas as correntes políticas, não parecemos ser capazes de parar de fazer, ou fazer com que os outros parem de fazer por nós. E que o mundo não tem mais condições de agüentar.
Vejo vocês daqui a 32 anos – quando estiver na hora de abrir mais algumas latas.


Kent Jones
(Editor independente da revista Film Comment)
(Texto publicado no Tout va bien DVD Booklet, Criterion Collection, 2005 e extraído de audiovisualcontemporaneo.files.wordpress.com)

Cineclube da Cinemateca apresenta: “One Armed Swordsman" de Chang Cheh




A História de Fang Kang, um exímio espadachim que perde um braço e se torna o herói de sua época. O filme foi um dos primeiros filmes de Wuxia a tratar de um guerreiro solitário que derrota o bando de inimigos. Deu origem aos filmes atuais de Kung Fu e se tornou uma trilogia de sucesso. Magnífico!

Serviço:
28 de março (sábado)
às 16h 
Na Cinemateca de Curitiba (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 - 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

terça-feira, 24 de março de 2015

Cineclube Sesi: "Carta Para Jane" de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin

Nesta quinta-feira, dia 26, o Cineclube Sesi exibe "Carta Para Jane" encerrando o ciclo Grupo Dziga Vertov. Em abril o cineasta estudado será Samuel Fuller.
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi apresenta: 
"Carta Para Jane" de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin


Godard e Gorin desconstroem a fotografia de Joseph Kraft que apareceu na revista L'Express em julho/agosto de 1972, mostrando Jane Fonda no Vietnã do Norte. Na época, Jane Fonda ficou conhecida pelo apelido Hanói Jane e foi acusada de ser usada como uma estrela de cinema pelos vietnamitas. O filme apresenta uma sessão de fotos da atriz em várias situações diferentes e foi considerado uma lição de leitura de imagem por Susan Sontag em seu livro Sobre Fotografia. Ele reflete sobre o status da imagem e o papel do intelectual de forma minimalista e critica ironicamente a iconografia e o star sistem hollywoodiano.

Serviço:
dia 26/03 (quinta)
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

sexta-feira, 20 de março de 2015

TUDO VAI BEM


(Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin, Tout va bien, França, 1972)

1. Na produção de Tudo Vai Bem, entra em cena o bendito financiamento da Gaumont: o Grupo Dziga Vertov finalmente faria um filme que seria distribuído e visto pelo público. Fazer politicamente os filmes políticos, diziam Godard e Gorin. Necessidades táticas de difusão, portanto: "Como fazer para atingir o máximo de gente possível?". É a essa pergunta que Tudo Vai Bem tenta responder de início. Para fazer um filme, contrata-se uma vedete (Jane Fonda), arruma-se para ela um par romântico (Yves Montand), cria-se uma história de amor entre os dois etc (a primeira seqüência do filme explica tudo passo a passo). A linha de montagem dos filmes do Grupo Dziga Vertov era uma questão de ordem; relação de produção, sempre. A mise en scène é uma prática política que deve gerar um dispêndio de energia, um rendimento (não financeiro, desta vez), um trabalho. Se a primazia é da produção, o filme em si é uma inversão que nos leva do produto acabado ao processo produtivo – e então nada mais justo do que mostrar, já de início, o talão de cheques se evaporando à medida que se preenche cada folha com um valor diferente, sempre justificado no canhoto como um gasto essencial para a feitura do filme. A translúcida afirmação de Serge Daney soa quase como uma explicação de Tudo Vai Bem: todo filme é antes de qualquer outra coisa um documentário sobre seu modo de produção. O próprio pensamento, em Tudo Vai Bem (e também em Sons Britânicos), se torna um produto em processo de manufatura – o espectador não é mais aquele que consome um extrato do real e se dá por satisfeito com a duplicação mecânica do mundo, mas sim alguém que precisa "jogar" com o filme. A assertiva brechtiana é bem conhecida hoje: arrancar o espectador de sua posição passiva – a passividade não era entendida como um dado natural da espectatorialidade, mas como uma produção histórica do sistema de representação da sociedade de classe. A forma "épica" é a crítica da forma "dramática", e lutar contra esta última se faz uma meta decisiva do cinema político tal como entendido pelo Grupo Dziga Vertov. Em Tudo Vai Bem Godard e Gorin pedem nada mais que uma "epistemofilia" de nossa parte, um desejo insaciável de ouvir mais, receber mais, processar mais. O espectador deve se deslocar para uma posição crítica... Mas isso é terreno já fartamente estudado. Passemos ao Número Dois.

2. A imagem é uma superfície, e a narrativa é uma passagem de superfícies, um trem que passo ao lado de um muro (como ocorre no final de Tudo Vai Bem). Imagens e sons brutos: significantes simplistas, primários, rudes, verdadeiramente grosseiros na sua platitude. Nada mais se passa na profundidade da ficção, na desarticulação inteligente do espaço teatral operada pela decupagem clássica. É antes um cenário em bloco o que interessa a Godard e Gorin; um espaço não decupado, não religado senão por contigüidade arquitetônica, passagem concreta de um compartimento a outro, radicalização materialista do espaço cênico. A câmera fará então um simples sobrevôo por este prédio fictício: uma dinamização das aparências. Para tanto, um gênio acorre a favor deles: o mega-cenário de dois andares construído por Jerry Lewis em O Terror das Mulheres serve de inspiração para a representação em estúdio da fábrica em que, gesto de sublevação em voga no pós-68, os trabalhadores mantêm o patrão refém dentro de seu escritório. O filme se põe, então, a passear por um cenário que só pode ser filmado por um lado – Tudo Vai Bem perde o contracampo. Ou melhor, o contracampo é tudo que lhe interessa, é a parte em que se encontram os técnicos, os equipamentos e os recursos todos que produzem o filme. Melhor ainda: o cenário filmado é o contracampo do que, como já foi dito em 1, constitui o filme em última análise. Campo: Yves Montand é um cineasta e Jane Fonda é uma repórter de rádio, e ela quer fazer uma reportagem na fábrica. O casal acaba também refém (luta de classe é luta de classe) e deixa aflorar a crise – clichê de casal burguês, sim. A imagem economiza no gesto, faz apenas o suficiente para que o espectador coloque nela sua etiqueta – como preços em produtos de supermercado –: a grande questão teórica do filme diz respeito menos ao motor das imagens do que ao seu fora-de-quadro (universo que contém a caixa de ferramentas, ou seja, as referências e coordenadas capazes de organizar essas imagens). Recuando estrategicamente, seria o espaço-fora que remete ao próprio social, ao próprio lugar do espectador (que é quem decide o que fazer com as imagens). Tudo Vai Bem não pertence à ordem da linguagem, mas sim do receptáculo de formas. Logo: "Juste une image" – a imagem de cinema não é mais o reflexo inocente de um mundo intrinsecamente ambíguo, mas sim um produto discursivo, uma manifestação humana sujeita a todo tipo de falha e/ou falsidade. Para um cinema feito em plena era da multiplicação de significados que começam a transbordar para um terreno virtual, cabe a decisão corajosa de rapidamente se assumir como mero atualizador de enunciados. Um cinema do curto-circuito, cinema da duração não porque fetichiza o escoamento do plano-seqüência, mas porque encontra o tempo necessário, a duração suficiente seja lá qual for o rendimento buscado através das imagens (a publicidade não assombra esse cinema, apenas o estimula a ir mais longe). Contracampo: "Para falar dos outros, é preciso ter a modéstia e a honestidade de falar de si mesmo. A novidade é não falar de si mesmo em si, mas de falar de suas próprias condições sociais de existência e das idéias que daí resultam" (Jean-Luc Godard). 

3. O som parasita a imagem – e por tabela seqüestra o fluxo cognitivo do espectador. A pista de som traga as imagens do filme. Técnica de ventriloqüismo: modular as imagens através do som, transformá-las em referentes de um discurso que lhes é exterior, simular seus movimentos labiais e fazer valer um conjunto de vozes que debatem o conteúdo visual do filme, discutem, concordam ou discordam. O som é chapado no primeiro plano, mas a superfície sonora e a superfície icônica se descolam uma da outra, vão para caminhos independentes (se de vez em quando coincidem, normal: a redundância é também um recurso sonoro válido). Nos filmes do Grupo Dziga Vertov, o som dá a volta por cima da imagem – revanche do som frente ao imperialismo da imagem, à primazia do visual na nossa cultura. Tudo Vai Bem vira uma máquina de dispersão que dispara lições rápidas e teorias "instantâneas", uma agressiva verborragia contra a pseudo-neutralidade da imagem. A confluência está na cena do supermercado, que consiste num único e memorável plano-seqüência. Jane Fonda passeia pelo supermercado, indo de um lado a outro acompanhada por uma câmera em travelling lateral, enquanto vemos ao fundo os manifestantes saquearem as prateleiras. Na melhor parte do plano, Anne Wiazemsky protesta contra um "intelectual de esquerda" que vende seus livros empilhados como se fossem legumes. O uso da profundidade de campo é notável: o jogo de superfícies fica ainda mais complexo. Aquele plano é a tentativa de pôr o mundo inteiro em um travelling (como em Weekend). Tentativa infinitamente bela em seu fracasso inevitável.


Luiz Carlos Oliveira Jr.
(Texto original:  
http://www.contracampo.com.br/75/tudovaibem.htm)

terça-feira, 17 de março de 2015

Cineclube Sesi: "Tudo Vai Bem" de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin

Nesta quinta-feira, dia 19, o Cineclube Sesi exibe "Tudo Vai Bem" dando sequência ao ciclo Grupo Dziga Vertov que contará ainda com "Carta Para Jane" (26/03).
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi apresenta: 
"Tudo Vai Bem" de Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin

Susan (Jane Fonda) é uma repórter americana que trabalha como correspondente internacional na França. Ela e seu marido Jacques (Yves Montand), que já foi um cineasta de prestígio e agora vive à sombra de seus melhores dias, vão à uma fábrica para entrevistar o gerente da instituição (Vittorio Caprioli). Porém, durante a visita do casal, os funcionários declaram greve e prendem Susan, Jacques e o gerente no escritório. Enquanto os grevistas tentam passar suas reivindicações para a câmera, o casal discute a relação e os rumos políticos e sociais do país.

Serviço:
dia 19/03 (quinta)
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

sexta-feira, 13 de março de 2015

“Godard, Glauber e o Vento do leste: alegoria de um (des)encontro”¹ (fragmento)

Por Mateus Araújo*
(...)

III. Um Cristo e duas moças na encruzilhada

Em seus primeiros 50 minutos, Vent d’est nos mostra uma série de vinte e poucas cenas filmadas em exteriores italianos (rurais) no verão. Elas se sucedem ou se alternam num fluxo bastante descontínuo, a meio caminho entre a narrativa e o ensaio.25 No mais das vezes plácidas e calmas, as imagens mostram um grupo de seis personagens nunca nomeados mas cuja caracterização (figurinos, gestos, falas) e cuja interação em paisagens amplas tendem a evocar figuras e situações de um western. Em constante desacordo com a imagem, a banda sonora complexa traz a intervenção de várias vozes over, ora em francês (puro ou com sotaque italiano), ora em italiano, falando sobretudo das lutas operárias, de modo a trazê-las também para a ficção. Assim, três atores evocam um soldado Yankee, uma mocinha burguesa e um índio vindos do western, e os três outros evocam um casal de jovens revolucionários e um personagem que a banda sonora sugere ser um líder sindical. Conjugando estes dois universos em dois gêneros igualmente distintos (uma narrativa de western evocada sobretudo nas imagens, um ensaio sobre a greve e as lutas operárias esboçado sobretudo na banda sonora), o filme vai avançando de maneira descontínua, mostrando os personagens em separado, em grupos de dois ou três ou todos juntos, de modo a sugerir um confronto entre, de um lado, o Yankee, o líder sindical e a moça burguesa e, de outro, o índio e o casal de revolucionários. Pontuando o fluxo, e empurrando-o para o terreno do ensaio, algumas cenas mostram as próprias filmagens (atores se maquiando, assembléia da equipe discutindo como usar uma imagem de Stalin, etc) e muitos planos trazem inserts de cartazes anunciando blocos do filme, mostrando fotos rabiscadas e repetindo slogans políticos.26 No som, as vozes femininas predominam, sobretudo uma, dita “revolucionária” na transcrição da banda sonora (cf. GODARD; GORIN, 1972: 33, 36, 38, 39 etc.), que comenta em over todo o fluxo das imagens e dos sons, pontuando toda esta primeira parte como um fio reflexivo em meio aos embates entre revisionistas e revolucionários, às evocações de lutas operárias e episódios históricos (antigos ou recentes) e às palavras de ordem. A questão que se repete vem de Lênin (“Que fazer”?), e sua resposta aponta para uma prática revolucionária cujo caminho passa pela tematização da greve, do líder sindical, das minorias ativas, da assembleia geral e da repressão.
O comentário feminino em over se torna ainda mais importante na segunda parte do filme, mais ensaística, que começa aos 49’ e se organiza como uma (auto)crítica à primeira, num procedimento recorrente nos filmes de Godard desde Le gai savoir até pelo menos a sérieFrance tour détour (1977-1978).27 Agora, aquela voz se dirige a um “tu” que estaria fazendo o filme, para criticá-lo e comentar sua démarche (nota do Guaci: procedimento), o que soa estranho, pois o filme é de Godard e de Gorin. Aos poucos, vamos inferindo que ela se dirige a Godard e, mais importante, que ela parece exprimir a posição e o discurso de Gorin, explicitando assim na textura mesma do filme um debate interno ao grupo Dziga Vertov que poderíamos definir como uma autocrítica dialógica. Que este diálogo entre Godard e Gorin passe pela mediação de vozes ou personagens femininos não surpreende, pois Godard já instituíra em seus filmes uma espécie de paridade das vozes num constante diálogo masculino-feminino. Le gai savoir tornava este gesto explícito, e os filmes seguintes o sistematizavam, especialmente através da dupla Vladimir e Rosa, que aparece em Pravda antes de reaparecer no filme homônimo, interpretada por Godard e Gorin.
Abrindo a segunda parte, a voz feminina cobra de Godard um exame da primeira, e encadeia uma série de críticas severas à insuficiência do seu método e da sua démarche desvinculada das massas e das lutas reais. Diante de imagens documentais que irrompem no filme pela primeira vez (trabalhos agrícolas, fábricas, favelas, prédios, canteiros de obras), a voz é implacável em sua crítica, que resumo:
você não pesquisa… você faz sociologia burguesa… você faz cinema-verdade… teu cinema é o das televisões burguesas e seus aliados revisionistas… você nem chegou a pensar tua situação concreta. De onde você parte? Não há cinema acima da luta de classes, a classe dominante cria as imagens dominantes que reforçam sua dominação. Quer trabalhar para Nixon-Paramount (ou suas filiais imperialistas na França, na Itália, na Alemanha) ou para Brejnev-Mosfilm (e seus agentes revisionistas no leste), você trabalha sempre para o mesmo patrão, que encomenda sempre o mesmo filme, que chamamos, não por acaso, de western”.
Neste momento, a voz feminina anuncia um breve exercício de teoria. Nele, sobre imagens paródicas do oficial Yankee a cavalo, trazendo o índio amarrado pelas mãos, a voz esboça um esquema geopolítico do cinema mundial, dividindo-o em três pólos que ela critica severamente: 1) Hollywood, Nixon-Paramount; 2) Brejnev-Mosfilm e suas zonas de influência (Argélia, Cuba); 3) Underground. Os três pólos deste esquema, cuja tripartição conjuga parâmetros geográficos (EUA x URSS) e estéticos (underground, com vários núcleos de irradiação), são criticados e aparecem como caminhos sem saída, inimigos ou obstáculos para a emergência de um cinema materialista.
É exatamente neste momento, e sem transições, que aparece a cena de Glauber, cuja duração não excede dois minutos (57’–59’). Seu contexto imediato no filme é portanto a dura autocrítica de Godard e sua crítica severa a três grandes modelos de um cinema ocidental comprometido (ou compatível) com o imperialismo e emblematizado pelo western. Quando Glauber surge no filme, ele parece anunciar uma quarta via, o cinema do terceiro mundo,28 de modo a completar uma espécie de transposição cênica, mais precisa, de um esquema já presente no manifesto de Godard pelos dois ou três Vietnãs no cinema, de 1967. Escrito por ocasião da Chinoise, e ecoando a divisa “criar dois, três… muitos Vietnãs”, que Che Guevara usara no título de seu artigo publicado em Havana num suplemento especial da revista Tricontinental de abril de 1967 (e traduzido na França em Dossier Partisan, 1967), tal manifesto dizia:
Cinquenta anos depois da revolução de Outubro, o cinema americano reina sobre o cinema mundial. Não há muito a acrescentar a este fato, salvo que, em nossa modesta escala, devemos nós também criar dois ou três Vietnãs no seio do imenso império Hollywood – Cinecittà – Mosfilms – Pinewood – etc. E devemos fazê-lo tanto economicamente quanto esteticamente, ou seja, lutando em duas frentes, criando cinemas nacionais, livres, irmãos, camaradas e amigos” (GODARD, 2006: 88).
A transposição cênica do manifesto de 1967 neste momento do Vento do leste acrescenta oUnderground como um subproduto ou uma variante do cinema imperialista e elege o terceiro mundo como representante dos cinemas nacionais, mas o movimento geral do argumento é o mesmo: ataque ao cinema imperialista em suas várias versões seguido de um apelo a um outro cinema. Glauber encarnará por um instante esta promessa de um outro cinema. Passemos à sua cena.
Plano geral fixo, não muito aberto, de paisagem campestre atravessada por uma estradinha de terra em forma de “V”, em cujo vértice, no centro do quadro, vemos Glauber de corpo inteiro, de frente para a câmera. Ao fundo, o céu claro e o capim em torno da estrada. À sua esquerda, uma vegetação mais densa, contrabalançando a secura da paisagem. De calça e camisa compridas, em primeiro plano, Glauber tem os braços abertos,29 como se sinalizasse desde já os caminhos que apontará logo depois, mas evocando ao mesmo tempo a figura do Cristo crucificado (sem a cruz, como notou MACBEAN, 1971: 144; 2005: 58) e um gesto expansivo muito recorrente dos personagens de seus filmes,30 dentre os quais o primeiro a nos vir à mente é o Corisco no fim de Deus e o diabo, de braços também abertos e gritando “mais fortes são os poderes do povo!”. Glauber canta em português e à capella, desde o inicinho do plano, com alguma desafinação – numa entonação a meio caminho entre a melodia e a simples recitação dos versos -, o refrão ligeiramente modificado31 da canção Divino maravilhoso de Caetano Veloso e Gilberto Gil:
Atenção! É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / É preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / Atenção! é preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte / é preciso estar atento e forte / não temos tempo de temer a morte”.
(...)
Texto na íntegra (e notas): http://guaciara.com/2009/03/29/godard-glauber-e-o-vento-do-leste-alegoria-de-um-desencontro-por-mateus-araujo/

terça-feira, 10 de março de 2015

Cineclube Sesi: "Vento do Leste" do Grupo Dziga Vertov

Nesta quinta-feira, dia 12, o Cineclube Sesi exibe "Vento do Leste" dando sequência ao ciclo Grupo Dziga Vertov que contará ainda com "Tudo Vai Bem (19/03) e "Carta Para Jane" (26/03).
Sempre com entrada franca!

Cineclube Sesi apresenta: 

"Vento do Leste" do Grupo Dziga Vertov

O filme trata de inúmeras questões a respeito das posições políticas anticapitalistas, mas principalmente, de questões sobre a ideologia das composições do cinema que são antecipadamente consideradas “naturais”, como a junção da imagem e do som, através de um grupo de pessoas que supostamente fará um filme. Glauber Rocha participa de uma pequena cena do filme. Ele se encontra em uma encruzilhada, quando é abordado por uma mulher grávida que pergunta o caminho do cinema político. Glauber então aponta para o “cinema perigoso, divino e maravilhoso”.

Serviço:
dia12/03 (quinta)
às 19h30
na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)
ENTRADA FRANCA
 

Realização: Sesi 
   
   (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)

segunda-feira, 9 de março de 2015

Cineclube da Cinemateca: "A Mulher Infiel" de Claude Chabrol


Uma entediada esposa, Hélène Desvallées (Stéphane Audran), é casada com Charles Desvallées (Michel Bouquet), executivo de uma seguradora. Charles tem boas razões para crer que sua mulher o está traindo, assim contrata um detetive, que descobre que o amante de Hélène é um escritor, Victor Pegala (Maurice Ronet). Charles tenta adotar um ar de indiferença ao confrontar Victor, mas a conversa termina quando Charles fere mortalmente Victor e então tenta remover as evidências, mas sempre fica algo.

Serviço:
14 de março (sábado)
às 16h 
Na Cinemateca de Curitiba (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 - 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

sexta-feira, 6 de março de 2015

A PROPÓSITO DE GORIN E DO GRUPO DZIGA VERTOV


O que dizer da passagem de Jean-Pierre Gorin pelo Brasil, apresentando os filmes que fez em parceria com Jean-Luc Godard, num período que se transformou num dos mais obscuros e controversos da carreira de um dos cineastas mais importantes e conhecidos do mundo inteiro? O mínimo a se dizer é que passou tudo como um furacão. Sessões lotadas, enormes filas de desistência, protocolos de sessão totalmente rompidos pelas falas introdutórias e finais de Gorin, num estilo rebarbativo e frontal, jogando as farpas de um ressentimento ainda mal resolvido mas igualmente contextualizando e apresentando de forma muito aguda as problemáticas e as inconsistências do Grupo Dziga Vertov, apelido dado à união dos dois para fugir do cinema comercial e da glamurização do nome-do-autor e voto de princípio, a partir da menção ao cineasta russo, a uma dedicação estrita em refletir e problematizar sua época através de situações visuais bem específicas. Aos pouco inteirados sobre a carreira e o percurso particular da obra de Godard (e de uma determinada situação do cinema moderno na passagem dos anos 60 para os 70), parecia que a exibição dos filmes era um mero adendo para ouvir as virulentas invectivas de Gorin contra Os Sonhadores, contra Cidade de Deus, ou explicando o processo de cada filme, sua opinião em relação a cada um deles (bastante sincera e apaixonada, diga-se – no bullshit), e tecendo comentários ácidos sobre a carreira que Godard desenvolveu depois do término do grupo. Impressão falsa: os filmes ainda falam muito, e falam forte. Falam, inclusive, mais e mais forte que Gorin.

Se um dos textos canônicos sobre a obra de Godard dizia da dificuldade de ser Jean-Luc Godard, deve-se dizer hoje que também não é nada fácil ser Jean-Pierre Gorin, e ter seu nome afixado na história do cinema apenas como uma espécie de apêndice, no melhor dos casos, e de "Yoko Ono de Jean-Luc Godard" (citação do próprio Gorin), ou de "mau passo", desvirtuamento de um gênio, no pior deles. Então, quando se ouve o discurso verborrágico do, digamos assim, lado fraco da relação, algumas coisas devem ser postas em perspectiva. O próprio comportamento de Gorin já o colocava de antemão como alguém que parecia estar falando ou toda a verdade, ou toda a mentira. Como todo discurso orgulhoso sobre uma relação que deu errado, não há tanto mentiras, mas julgamentos relativamente desequilibrados, injustiças patentes. Mas também testemunhos precisos, análises certeiras. O trunfo maior de seu discurso é o momento do primeiro encontro entre os dois, até concretizar-se o Grupo Dziga Vertov: "Quando eu o conheci, ele já era Godard e eu era um militante, mas ele tinha vários projetos e não conseguia completar nenhum, não sabia mais que tipo de cinema fazer, estava estagnado (stuck). Fui eu quem fez que o grande cineasta voltasse a trabalhar e fazer filmes." Ou então na análise da função estética dos filmes do grupo no seio de um cinema de esquerda: "Toda a idéia do Grupo Dziga Vertov foi de questionar o dito cinema de esquerda, que se interessava por temas políticos mas organizava suas ficções da mesma forma que o cinema imperialista ou comercial, sem questionar seus pressupostos, dentro do mercado capitalista, em sua relação com os atores, etc.".

Os testemunhos mais bombásticos, porém, não vinham sem um quê de desdém: "Se observarmos o cinema de Godard antes do Grupo Dziga Vertov e o cinema que ele fez depois, vamos perceber que o trabalho de som e o descentramento das imagens não estão presentes em nenhum de seus filmes antes de 68, e em todos os filmes depois do fim do grupo. Aí a modéstia fala mais alto, ou a memória prega peças. Pode-se dizer, sem nenhum exagero, que todo o revolucionário trabalho de som (voltaremos a ele já já) já está prefigurado no lema "lutar em duas frentes", emitido numa das conversas entre Anne Wiazemsky e Jean-Pierre Léaud, em A Chinesa: ela coloca um disco, e quando a música começa ela diz a ele que não quer mais ficar com ele, que não o ama mais, etc. Lutar em duas frentes, é também colocar bandas sonoras que entram em conflito umas com as outras, fazer delas um uso dialético. Assim também em Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela ou One Plus One. Não que não haja uma novidade no discurso do grupo, mas é mais no sentido de uma radicalização operada por um processo sistemático e centrado nesse tipo de questionamento do que numa inovação trazida por Gorin que modificaria inteiramente o cinema de Godard.

O som, ou tratado de desarmonia

Se a frase mais pregnante do cinema de Godard em todo o período do Grupo Dziga Vertov refere-se à imagem ("Não uma imagem justa, mas justo uma imagem", numa cartela de Vento do Leste), é no trabalho de edição de som que os filmes desse período se destacam. Muitos quiseram ver na época – em em alguma medida é a interpretação mantida por muitos até hoje, na mostra, a despeito mesmo das recorrentes indicações de Gorin – apenas uma verborragia militante que revela um discurso datado ou ultrapassado. Sobre a caduquice de muitos dos questionamentos do pós-68 expressos nos filmes, não é aqui a ocasião mais adequada a demonstrar ou "desdemonstrar" (muitos dos questionamentos contemporâneos passam pelos mesmos tipos de problemas, só que com uma radicalidade atenuada e um vocabulário mais, err, moderno). Mas o que essa impressão deixa de completamente errôneo é o argumento de que a única coisa que filmes como Um Filme como os Outros, Vento do Leste e Tudo Vai Bem faziam com o som era elencar palavras de ordem uma atrás da outra. Ora, basta entrar em contato com os filmes para perceber que os "discursos" dos filmes, quase sempre tirados diretamente de livros que faziam a sensação entre os militantes do momento, não eram o discurso dos filmes propriamente, mas a matéria prima que eles utilizavam para criar ouro tipo de discurso, um discurso propriamente cinematográfico. Não exatamente uma imagem justa, mas uma montagem justa: usar uma banda sonora como espaço invasivo da outra (montagem sonora) ou usar filmetes quaisquer de maio de 68 – não filmados por Godard ou por Gorin, ao contrário do que se diz freqüentemente – para cortar o fluxo das imagens do grupo militante sentado na relva discutindo os caminhos do pós-Maio (montagem visual). Essa montagem justa não é uma montagem lógica para provar um ponto, um argumento, mas uma montagem propriamente musical, que o som viria metaforizar de forma flagrante. Se as leituras off são cortadas ou cortam as falas dos militantes conversando, é porque nenhuma delas tem exatamente o papel de voz da verdade – pois, se assim fosse, logicamente elas não deveriam nem poderiam ser cortadas –, mas uma espécie de função de colagem dadaísta, uma maneira de problematizar e perspectivar esses "discursos". Como sempre no cinema de Godard, antes e depois, é um princípio socrático: jamais dar a verdade de uma problemática (isso seria recair no cinema cheio de pressupostos e falhas lógicas do cinema "imperialista" de esquerda), mas montar elementos que sirvam para a criação de um objeto artístico que possa fissurar, suspender, instaurar um outro tipo de questionamento. A fala dos filmes do Grupo Dziga Vertov, ou pelo menos os melhores entre eles, não é ilustrativa, mas problematizante.

Assim, vendo os filmes em seqüência, percebe-se com facilidade que as obras assinadas Grupo Dziga Vertov realizam melhor ou pior seus projetos à medida que a banda sonora é mais ou menos complexa, desempenha um papel mais ou menos problematizante do discurso das palavras de ordem. Assim, é possível ver em filmes comoPravda ou Lutas na Itália apenas um esboço do que viria a ser esse cinema (a banda sonora em voz off é ainda uma capitulação à voz da verdade), ou em Vladimir e Rosa uma dramatização cínica e um tanto pueril que mais tem a ver com o agitpop (sic) de um Michael Moore do que com as outras propostas e problematizações do grupo. Em seus melhores momentos, contudo, os princípios da imagem justa/justo uma imagem são também aplicados ao som (ao contrário do que sugere Pascal Bonitzer em seu artigoO Que é um Plano): em Sons Britânicos, em Um Filme como os Outros, em Vento do Leste, em Tudo Vai Bem, o uso do som – e nisso vai um grande grau de rascante perversidade godard-goriniana em relação à cartilha militante do momento – assume uma função fundamentalmente plástica, abstrata, musical em relação aos "conteúdos". Em contraposição à voz do pai (mais uma vez, expressão de Gorin para se referir a Lutas na Itália) dos discursos "conscientes" e auto-suficientes do cinema de esquerda (basta olhar para o cinema de Ken Loach, Costa Gavras e Mike Leigh para ver que o problema ainda se faz presente hoje), o que esses filmes nos entregam com força enorme ainda hoje é um preciso questionamento do cinema de esquerda como didática (como conscientizador, ou seja, fazendo o espectador sentir-se como um aluno de escola primária diante do professor que sabe tudo) e sua outra face, a de um filme que apenas nos apresenta, nos coloca diante de certos dados que o próprio filme não faz questão de enquadrar numa significação determinada (num sentido pronunciadamente diferente do que aquele que lhe dá Serge Daney, uma pedagogia godardiana), mas simplesmente de associar uma certa imagem com uma outra, acavalar um certo som em cima de outro, e fazer o espectador então experimentar a força que surge do choque de um com outro.

Claro, há ainda no projeto do Grupo Dziga Vertov uma certa ausência de auto-crítica, uma certa idealização do papel da vanguarda revolucionária, um certo fetichismo da revolução. Isso é parte integrante do trabalho do grupo, e é bem possível que tenha sido essa constatação o que fez com que o Grupo se separasse e cada um tenha seguido o seu caminho. A melhor crítica a se fazer do Grupo Dziga Vertov já foi feita, e pelo próprio Godard, no filme que retoma um projeto inacabado do grupo em 1970, Jusqu'à la victoire. A melhor crítica ao Grupo Dziga Vertov se chama Ici et ailleurs, Aqui e Acolá, obra-prima que inaugura um certo tipo de cinema que Godard pratica até hoje. Mas isso é outra história. Restam os filmes, uns fortes, outros nem tanto, e resta o discurso de Gorin, infelizmente um tanto mais datado do que os melhores filmes, mas ainda assim um discurso repleto de uma inesperada energia, uma energia que se vê nos filmes e que, como o próprio Gorin observa, tem muito a ver com um certo sentimento de cinema de garagem que anos depois viria a se configurar no punk, e que hoje poderia ser visto em determinados usos do hip-hop. Em comum entre os filmes e os dois movimentos musicais, um desejo em desarmonizar, em desarranjar o arranjado fazendo uma nova ordenação sonora em que o ruído exerce uma função de significação (contrariamente à regra geral, que deseja o ruído fora da composição) e problematiza a estética beletrista. Não basta aumentar o amplificador, é preciso também agenciar as notas.

Ruy Gardnier
(Artigo original: http://www.contracampo.com.br/75/grupodzigavertov.htm)