sábado, 22 de dezembro de 2018

As coisas simples da vida (Yi Yi, 2000), de Edward Yang


Por Luiz Carlos Oliveira Jr.

Em 1984 a nouvelle vague do cinema de Taiwan já se podia dar por viva: era lançado um filme de estrutura narrativa complexa, uma imbricação de passado e presente que, durante 166 minutos (exatamente a duração de As Coisas Simples da Vida), fazia desfilar uma variedade de visões refletidas pela arquitetura envidraçada de uma Taipei modernizada às pressas. O nome do filme é That Day, On the Beach e seu diretor é Edward Yang, que escreveu o roteiro em parceria com Wu Nien-jen, ator que faz Nj, personagem central de As Coisas Simples da Vida. Mas não há coincidência nessa história: há um cineasta e sua relação com uma cidade em constante transformação – um cineasta e sua obra se aperfeiçoando. Assim como Tsai Ming-liang, Lin Cheng-sheng e Hou Hsiao-hsien, Yang busca formas muito particulares de traduzir um sentimento despertado pela grande cidade resplandecente e confusa que Taipei se tornou. A maneira com que Yang filma a “contaminação” cultural de Taipei, terra eternamente assombrada por investimentos americanos e japoneses, é somente comparável à Tóquio ocidentalizada de Ozu (e vale dizer que o segundo longa-metragem do diretor taiwanês se chama Taipei Story). As interações sutis dos habitantes entre si e com a cidade entram em cena através de construções que já contêm superfícies reflexivas próprias, paredes semitransparentes que delimitam o espaço à mesma medida que o transformam em imagem sobreposta. O que o dispositivo especular apresentado por Yang em As Coisas Simples da Vida evidencia, num primeiro momento, é sua profunda consciência criadora, mesmo porque a exuberância fotográfica experimentada a cada plano contribui para uma composição cuja pictorialidade não esconde o desejo de organizar e discursar sobre o espaço.

É interessante que um dos planos que melhor sintetizem o filme mostre exatamente um monitor conectado a várias câmeras de segurança, com o menino Yang-Yang correndo e transitando de um quadrante a outro da imagem, saindo de uma porção de espaço para entrar em outra, mas sem se deixar perder pelo registro. Filmado quase sempre à meia-distância por uma câmera que se espalha pelos lugares freqüentados pelos diversos personagens do filme – e que não se confunde ao olhar destes, sendo como um ponto de vista do próprio espaço –, As Coisas Simples da Vida é tanto uma vigilância afetiva do ambiente urbano quanto uma caprichosa arquitetura de locações contíguas. O filme utiliza o espaço coletivo para confrontar relações íntimas, e a privacidade para agravar falhas de aproximação. O casal adolescente dá o primeiro beijo sob um viaduto, numa movimentada avenida, e tanto as brigas quanto o sexo reconciliatório de um casal em um típico prédio de classe média vazam para a vizinhança. Mas os únicos momentos de “intimidade pura” que o filme reserva a alguns de seus personagens, em quartos de hotéis feitos para que o mundo exterior se anule, terminam por revelar uma entrega impossível, uma relação de cumplicidade refreada no justo momento em que se concretizaria. O jovem por quem Ting-Ting se interessava desde o início do filme, e que depois se tornará protagonista de um fait divers sangrento, abandona-a sozinha num quarto de hotel. E o encontro entre Nj e Sherry, seu primeiro e único amor confesso, não ultrapassa um abraço na noite em que ela tem um acesso de choro por conta do passado mal resolvido que ali era trazido à tona novamente.

Mas que não se engane com o título que o filme recebeu dos distribuidores brasileiros: Yi Yi não é uma somasseqüência de blocos brutos contendo cenas da vida cotidiana. Apesar de não haver dramatização da decupagem – pois há muito mais opacidade do que transparência narrativa em Yi Yi – e de seu estilo passar a milhas de distância do academicismo, para articular este filme Yang lança mão de alguns dos procedimentos que permitiram justamente ao cinema clássico definir sua linha mestra: inteligência editorial, composição pictórica da imagem, agenciamento dos planos em um esquema narrativo “fechado”, engrenagem do individual no coletivo, paralelismos. Raras vezes na história do cinema um filme a que se pode atribuir – se não um minimalismo – uma contenção no ato de encadear e distribuir significados foi tão enfático no aspecto retórico de sua mise en scène e de sua montagem. Quando a câmera se movimenta em As Coisas Simples da Vida, sabemos que algo novo se produz nessa poética espacial a que Yang nos conduz com tanta calma e sensibilidade. Do mesmo modo, praticamente todos os cortes do filme guardam alguma ressonância plástica ou alguma produção de sentido na passagem de um plano a outro – o raccord é um operador ativo na significação. Aqui o cinema assiste a uma técnica de espelhamento que nenhum outro exemplar de filme-painel (e olha que a lista não cansou de crescer na última década) conseguiu desenvolver tão extraordinariamente: os planos todos se implicam mutuamente, se completam e se refletem.  

Já vimos muitos filmes naufragarem na tentativa de ser filosóficos e encomendar aos seus personagens uma série de reflexões sobre o tempo e o mundo em que vivemos. Em Yi Yi o processo felizmente não se repete: tudo que é dito – e muitas vezes são verbalizações das idéias centrais do filme – desfruta uma incontestável organicidade em relação ao mostrado. Edward Yang filmou a nuca de Taipei, filmou a parte da vida que não é possível ver senão através da objetiva de uma câmera que alguém posicionou de maneira amigável. Não há nada mais simpático e solidário no filme do que o gesto de Yang-Yang de fotografar a nuca das pessoas, para que elas possam ver uma parte do próprio corpo que a visão não alcança. Retrato do cineasta enquanto criança, Yang-Yang é quem dá as cartas no fim das contas, respondendo positiva e indiretamente a uma pergunta de Ting-Ting (“se o cinema nos atrai justamente porque é tão parecido com a vida, não seria melhor não ir ao cinema e continuar vivendo?”). O que encerra o filme é a fala dessa criança diante da avó recém-falecida, com a profunda sabedoria que resulta de seu olhar quase literal sobre as coisas (do tipo: “só olhamos para frente, só podemos saber as coisas pela metade”). Yi Yi não é uma lição de vida, mas uma lição sobre a vida, uma obra que se soma à vida para compor um novo substrato. Por isso soa falso pensar que o verdadeiro contracampo do filme é a vida encenada, imaginada, ou mesmo sonhada. O pressuposto de Yang é seqüestrar a vida para depois enviá-la de volta com alterações sutis. Ele quer filmar o que ainda não vimos por uma simples condição natural – nada de condenável nem de reprovável nessa cegueira parcial, apenas um dado da espécie. Quando Ting-Ting fecha os olhos, com o rosto deitado no colo da avó, vê um mundo que lhe parece ainda melhor que antes: o otimismo de um sonho de quem está acordado. Talvez seja um efeito semelhante o que se busca ao mostrar, lá para o meio do filme, aquele discreto plano de céu azul entre uma seqüência e outra. Quantas vezes lembramos de olhar para o céu assim tão detidamente? Para quem assistiu ao filme, é hora de lembrar.


Retirado de http://www.contracampo.com.br/74/ascoisassimplesdavida.htm

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Cineclube do Atalante: As Coisas simples da vida


Cada membro de uma família em Taipei faz perguntas difíceis sobre o significado da vida, através de dilemas cotidianos. NJ é sombrio: seu irmão lhe deve dinheiro, sua mãe está em coma, seus parceiros de negócios vivem tomando péssimas decisões e sua esposa acaba de sofrer uma crise espiritual ao descobrir que sua vida não faz sentido. Sua filha adolescente Ting-Ting está experimentando os primeiros sinais de amor e Yang-Yang, seu lacônico filho de 8 anos, persegue a verdade com a ajuda de uma câmera. "Por que o mundo é tão diferente do que achamos que ele é?" quer saber Ting-Ting.

Dirigido por Edward Yang.

(Yi Yi: TWN, 2000 - 173 min. Com: Nien-Jen Wu, Elaine Jin, Issei Ogata. 14 anos.)

Serviço:
Sábado, 22/12.
Às 15h (excepcionalmente)
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização Coletivo Atalante.

domingo, 16 de dezembro de 2018

Pickpocket, Robert Bresson,1959


Por João Bénard da Costa 

Com um saber de experiências feito, posso garantir que a segunda metade dos anos 70 (mais precisamente, de 1976 a 1980) foi o período dourado da cinefilia portuguesa. Depois da ditadura, depois do gonçalvismo, uma significativa fatia de espectadores achou-se no direito - talvez com o dever - de se pôr em dia com tudo quanto, durante uma vida inteira, tinha ouvido falar, mas não tinha visto.

Só isso explica fenômenos tão insólitos como o aparatoso êxito de algumas retrospectivas ou reposições que, antes ou depois, não levariam às salas mais do que uns felizes poucos. De todos os casos que conheço, o mais singular e o mais surpreendente foi o de Robert Bresson. A retrospectiva integral de sua obra, levada a cabo pela Fundação Calouste Gulbenkian em 1978 (com as exceções de L’argent que ainda não existia e de Quatre nuits d’un rêveur de que se não conseguiu cópia), esgotou as lotações do Grande Auditório (1200 lugares) durante as 11 sessões dela.

Que tem isto de extraordinário, perguntará o leitor menos familiriarizado com Bresson? Simplesmente o fato de em nenhum país do mundo, que eu conheça, Bresson ter reunido alguma vez uma tal assistência em simultâneo para um só dos seus filmes, quanto mais para 11. Ainda hoje, deixo os franceses boquiabertos com tal brilharete. Tanto mais que, no caso em questão, nenhuma culpa é de assacar à “longa noite de 48 anos” ou à censura dela. Perante Bresson, os censores fizeram o que 99 por cento dos portugueses fizeram também: adormeceram ao fim de dez minutos e deixaram passar no fim, se houvesse quem quisesse e quem gostasse, já que há gostos para tudo.

As estatísticas não mentem: das 13 longas-metragens assinadas por Robert Bresson entre 1944 e 1983 (retenham o número 13 e o vagar da obra, que a um e outro já volto) apenas seis se estrearam comercialmente em Portugal e todas antes do 25 de Abril, entre 1959 e 1974[1]. Nem a penúria desses anos nem o nihil obstat da censura convenceram os distribuidores a pegar em mais quatro que datam dessa época. Quanto aos três filmes que Bresson assinou depois de 1974 (Lancelot du LacLe diable probablement e L’argent), nenhum foi comprado por Portugal, que não vê Bresson numa sala (refiro-me às “normais”) há 15 anos, desde a estréia de Au hasard Balthazar... “prima della rivoluzione”. Parafraseando o título que por cá deram a esse filme, tem sido uma “peregrinação exemplar”.

Mas não estamos “orgulhosamente sós”. Se a situação não foi tão drástica noutros países, os desastres de Bresson sucederam-se e só nos finais dos anos 60, inícios dos anos 70 (quando adaptou, a cores, Dostoievski em Une femme douce e Quatre nuits d’un rêveur), conheceram uma relativa pausa. Mais do que Dreyer, mais do que Oliveira - para me limitar aos muito, muito grandes -, Bresson prova o “analfabetismo primário” do público-que-tem-sempre-razão. Não sabe ver e nem sequer tem muita culpa porque ninguém o ensinou. Os professores que lhe deram sofrem da mesma ou outras miopias. Eram e são igualmente analfabetos, com a peculiaridade de se exprimirem num latim bárbaro, incompreensível tanto para os latinos como para os bárbaros. Por isso, os filmes ficaram à espera de quem os saiba ver, ou vistos, apenas, pelos que só precisaram de ver para crer.

Bresson nunca facilitou a tarefa. Este grande senhor, hoje com 87 anos[2] (nasceu em 1901 e não em 1907 como dizem quase todas as fontes), sempre entendeu que “o cinema não é um espetáculo, é uma escrita” e escreveu nos seus 13 filmes uma complicada história teológica, em torno de questões tão pouco populares como a Predestinação, o Acaso ou a Graça, na dependência de um catolicismo austero, a que por vezes se tem chamado jansenista.

Não usa a palavra cinema. Prefere o termo “cinematógrafo” para sublinhar a diferença “entre os filmes correntes e a arte cinematográfica” e diz que “o cinematógrafo é a aplicação em imagens insignificantes (não significantes)”.

Atores? É coisa que, para ele, não há. Se nos primeiros filmes (Les anges du péché, de 43; Les dames du Bois de Boulogne, de 45; Journal d’un curé de campagne, de 51) ainda transigiu e ainda foi escolher à Comédie atores (e atores de teatro) para os seus personagens, a partir do opus 4 (Un condamné à mort s’est échappé, de 1956) recorreu exclusivamente a homens e mulheres que não fizessem qualquer idéia do que fosse representar. Chamou-lhes “modelos” em vez de atores, e quis que modelos fossem em vez de parecerem atores. “Não se trata de representar com ‘simplicidade’ ou de representar com ‘intensidade’, mas de não representar de todo.” E exigiu-lhes que falassem como se falassem sozinhos, sem expressão. “Monólogos em vez de diálogos.”

Por isso, nunca usou duas vezes o mesmo modelo. Por isso, não perdoou àqueles dos seus modelos que, traindo-o, iniciaram com ele uma carreira de ator (o caso mais célebre é o de Dominique Sanda, seu modelo em Une femme douce). Por isso, os seus modelos parecem todos modelar-se uns aos outros na mesma inexpressividade. Com a pintura aprendeu que não havia imagens belas mas imagens necessárias. E que, como dizia Cézanne, “à chaque touche, je risque ma vie”.

Nunca se importou nada que o achassem ou chamassem reacionário. Nunca se importou nada que cada um dos seus filmes demorasse anos a ser feito. Levou uma série de produtores à falência, tão mais exigente e gastador quanto menos se viam os seus filmes. Obcecado com os números e as sortes (ou os azares) construiu em 13 filmes um universo que não se parece com nenhum outro, e que ninguém nunca conseguiu imitar. Dissertando sobre ele, Nuno Bragança escreveu: “Cristão que também sou, sinto a que ponto essa visão (a visão de Bresson) está, para muito do que marca o tempo em que vivemos, como sopa em torno de uma mosca. Mas opto pela sopa.” Eu também.

E opto, particularmente, entre todos os seus filmes (nenhum a que não possa chamar “filme da minha vida”) por Pickpocket (1959) que por aqui chamaram, com alguma imaginação, O Carteirista.

Já se disse que era “o filme mais branco da história do cinema” (só talvez Luz de Inverno de Bergman possa competir), pois é a mais ousada tentativa do seu autor para desmontar o real, através das suas aparências, ou, se se preferir, as aparências através da sua realidade.

Filme sobre um pickpocket, tão misteriosamente triunfador nos seus roubos iniciais, como misteriosamente vencido no seu roubo final, tanto se pode falar dele em termos de “tratado de moral” (relações entre o roubo e a homossexualidade, relações entre o crime e a lei), como em termos de “tratado metafísico” (mais uma vez, a perene contradição dos filmes de Bresson, entre o “primado da Graça” e o “primado das Obras”) ou em termos estritamente “materiais” (é um filme sobre mãos, olhares e gestos, sem outra metafísica que não essa).

ausência de expressão dos personagens, das vozes dos personagens, da fragmentação dos personagens, tanto é uma expressão de ausência como a expressão de uma presença. Quem está ausente ou presente (como em todos os filmes de Bresson) é quem não pode ser nomeado e, portanto, não pode ter imagem. Quando muito, a probabilidade dela. Dieu, probablement como, na sua penúltima obra, Bresson disse Le diable probablementPickpocket é o filme de Bresson que mais joga com esse vazio, com esses vazios. Ou, melhor dito, em que esses vazios podem ser pressentidos como o essencial, apenas porque o essencial se esgota na pura materialidade.

Nunca, talvez, como nesta obra, Bresson tenha ido tão longe na defesa da sua idéia de que “o cinematógrafo é a arte de não mostrar nada”. E esta afirmação só pode parecer paradoxal a quem não tenha sido capaz de ver o que é esse nada que Pickpocket mostra.

Ao som da música de Lully, Bresson ilumina o caminho de um homem que sabe, paulinianamente, que a lei mata e o espírito vivifica. Um homem chamado Michel que a Graça acompanha, na sua trajetória entre a liberdade e a prisão. Livre, é prisioneiro do seu corpo e do seu espírito. Preso, encontra a alma e o misteriosíssimo sentido da frase que diz depois da morte da mãe: “Acreditei em Deus durante três minutos.”

Bresson comentou que poucas pessoas poderão dizer que acreditaram em Deus durante tanto tempo. Também poucas pessoas terão compreendido, como Michel, a razão da força irracional de um destino humano. Por isso, à única mulher que o amou e que, para o amar, também teve de abandonar toda a ordem e toda a racionalidade, Michel dirá, no final, entre as grades, com o inconfundível acento neutro dos personagens bressonianos, a seguinte frase: “O Jeanne, pour aller jusqu’à toi, quel drôle de chemin il m’a fallu prendre.” E o Magnificat de Lully invade a banda sonora, imobilizando esse encontro e essa frase na sombra da iluminação total.

Notas:

[1] Lancelot du Lac, antepenúltimo filme de Bresson, foi estreado por Paulo Branco no Ávila, a 29 de Maio de 1998.

[2] Robert Bresson morreu em 1999, com 98 anos.

Disponível em: http://focorevistadecinema.com.br/FOCO1/benard-pickpocket.htm


quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Cineclube do Atalante: O Diabo, provavelmente [horário atualizado]


Desiludido pelas falhas de um sociedade materialista, o jovem Charles busca em vão um sentido para sua vida. Educação, amor físico, religião, política, psicanálise. Nada oferece a ele uma razão para viver. Mas ele não é capaz de suicidar-se.


(Le diable, probablement: FRA, 1977 - 92 min. Com: Antoine Monnier, Tina Irissari, Laetitia Carcano. 16 anos.)


Serviço:
Sábado, 15 de dezembro

Excepcionalmente às 18:30h

Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante


quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Cineclube do Atalante: programação de dezembro [atualizada]

15/12: O Diabo, provavelmente, de Robert Bresson


(Le diable, probablement: FRA, 1977 - 92 min. Com: Antoine Monnier, Tina Irissari, Laetitia Carcano. 16 anos.)

Desiludido pelas falhas de um sociedade materialista, o jovem Charles busca em vão um sentido para sua vida. Educação, amor físico, religião, política,psicanálise. Nada oferece a ele uma razão para viver. Mas ele não é capaz de suicidar-se.

22/12: As Coisas simples da vida, de Edward Yang



(Yi Yi: TWN, 2000 - 173 min. Com: Nien-Jen Wu, Elaine Jin, Issei Ogata. 14 anos.)

Cada membro de uma família em Taipei faz perguntas difíceis sobre o significado da vida, através de dilemas cotidianos. NJ é sombrio: seu irmão lhe deve dinheiro, sua mãe está em coma, seus parceiros de negócios vivem tomando péssimas decisões e sua esposa acaba de sofrer uma crise espiritual ao descobrir que sua vida não faz sentido. Sua filha adolescente Ting-Ting está experimentando os primeiros sinais de amor e Yang-Yang, seu lacônico filho de 8 anos, persegue a verdade com a ajuda de uma câmera. "Por que o mundo é tão diferente do que achamos que ele é?" quer saber Ting-Ting.

Serviço:

Sessões aos sábados.

Excepcionalmente, às 18h30 (15/12) e às 15h (22/12)
Na Cinemateca de Curitiba

(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização Coletivo Atalante.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Brian de Palma: mal visto, mal dito


por Bruno Andrade

Sobre Brian De Palma, duas proposições:

1. Seu cinema precisa ser visto
Vale lembrar o leitor que o cinema é sobretudo uma arte de imagens (O Pagamento Final), da união de/espaço entre as imagens (Femme Fatale) e do cruzamento de sons com imagens (Um Tiro na Noite). Existem os filmes, e existem alguns filmes – poucos, é verdade – que tratam direta ou indiretamente do fazer cinematográfico, momentos em que o cinema é tornado tema e matéria por e para si próprio. Apenas precisamos observar os exemplos de Godard, do Hitchcock de Janela Indiscreta e Um Corpo que Cai, de Abbas Kiarostami, de Tsui Hark, de Dario Argento... e de Brian De Palma. Mas se em Godard temos a polivalência, em Hitchcock o catolicismo, em Argento o excesso operístico, em Hark a arte schizo e em Kiarostami a contenção, qual característica pode-se atribuir a De Palma? Não, com certeza não será o maneirismo que tantos lhe acusam de exibir. A técnica brilhante – sim, qual o problema? – revela antes de qualquer outra coisa um formalista interessado na análise, na revisão e na reflexão do correr das imagens, do qual seu cinema e todo o cinema que lhe interessa é altamente dependente. Por enquanto, porém, faz-se melhor permanecer naquilo que tange sua notável habilidade como encenador; em outras palavras, o estilo De Palma que incomoda tantos.

Na técnica, o olhar
Já de início nota-se o domínio assustador da gramática cinematográfica no cinema de De Palma: a beleza nas composições, que dão conta de um close-up da mesma maneira que o mais amplo dos planos; a leveza nos movimentos da steadycam; uma certeza que impinge cada movimento, cada quadro, cada plano; e, finalmente, aqueles longos movimentos realizados pela câmera, seja através do uso do travelling ou da grua, onde De Palma passa lentamente por um sem-número de pessoas, de objetos e de ambiências diversas. A capacidade do diretor de tirar do vasto repertório de imagens com o qual costuma trabalhar apenas aquilo que lhe é essencial faz primeiros trabalhos como O Que Andam Fazendo com Nossas Mulheres? e Hi, Mom! – momentos onde sua técnica se apresenta mais rude e, talvez, mais primitiva – mostrarem propósitos que o autor retoma em filmes de maior arrojo como Um Tiro na Noite e Dublê de Corpo (a saber, as relações entre o olhar e o objeto olhado, os jogos de aparências que tomam forma via encenações intrincadíssimas e improváveis). Os aparatos de registro de imagem – câmeras de vídeo, máquinas fotográficas, óculos ou até mesmo simples olhares ocultos – estão sempre envolvidos em algum tipo de joguete de simulacro e manipulação (o artifício da encenação tão caro a De Palma).

Os Mil Olhos do Sr. De Palma
Existe algo que De Palma quer fazer, e ele o faz com a aplicação de um pupilo muito impressionado pelo que viu de seus mentores (não precisamos de joguinhos aqui: Hitchcock em especial, mas também Orson Welles, Jean-Luc Godard e Georges Méliès). Os empregos de modelos e princípios que lhe interessam sempre parecem se adequar bastante bem ao tipo de cinema narrativo que vem realizando, mas ainda assim permanece qualquer coisa que incomoda mesmo alguns dos apreciadores de seu cinema. O que? A busca do cineasta por um incessante questionamento de tudo aquilo que é mostrado ao espectador. Para tanto, uma "imagem de base" é fornecida, seja na forma de um plano, uma seqüência, uma cena ou um personagem. Esta imagem põe diante do espectador um máximo de signos e dispositivos de narração. Algumas informações são ocultadas, outras são evidenciadas ao ponto do exagero. O filme nada mais é do que uma análise absurdamente detalhada desta "imagem de base", justamente a imagem que na maioria das vezes inicia os filmes do diretor. Em O Pagamento Final, Carlito Brigante recebe um tiro, cai nos braços de sua amada Gail e é levado por uma maca. Começa a nos falar como num relato, retomando todo o percurso que traçou antes deste momento. É a partir desta narração, também a narração de De Palma, que teremos a "imagem de base" desenredada: todos os signos terão ao final – que nada mais é que o replay de toda a ação que se dá nos primeiros minutos do filme – significações que não lhes eram próprias em um primeiro momento. Podemos citar Pecados de Guerra como exemplo idêntico de estrutura, além de outros filmes que não utilizam do formato flashback mas que também mostram projetos equivalentes de narrações que se constróem a partir de uma imagem que encerra o tema e/ou o assunto do filme, como são os casos de Um Tiro na Noite, Olhos de Serpente, Carrie – A Estranha, Scarface e Síndrome de Caim.

Uma história de cinema
Pois é, Brian De Palma gosta de cinema. Algo estranho para quem realiza filmes, a se julgar por todas as acusações que vem recebendo desde seus primeiros trabalhos. O fato de que o que vemos nos seus filmes é muito menos um agrupamento de citações aleatórias que a estruturação de uma visão muito específica e pessoal sobre um certo tipo de cinema parece incomodar muito pouco seus preguiçosos detratores. Bem verdade, existe certo exibicionismo nos retornos a Hitchcock, a Godard, a Welles. Mas a apropriação de modelos já estabelecidos pelos mestres da imagem e som atende uma necessidade interna na obra de De Palma: a de se olhar algo já feito para que um processo de criação outro (o de De Palma, o dos seus protagonistas) se inicie. Seus filmes nada mais são do que espelhos deste processo de produção, e seu universo, repleto de voyeurs e investigadores, só pode se tornar concreto se o próprio De Palma toma uma "imagem de base" (de outros filmes que não os seus, ou mesmo dos seus filmes) para desencadear uma narrativa que lhe interesse. Portanto...

2. Seu cinema precisa ser revisto
A primeira seqüência de Um Tiro na Noite mostra-se emblemática no que permite compreender todo o processo depalmiano: assistimos a um filme slasher típico da década de 80. O assassino observa as ações de diversas mulheres num dormitório para estudantes antes de entrar em um banheiro. Segurando uma faca, dirige-se ao único chuveiro onde alguém toma banho (obviamente uma bela loira). O assassino recolhe a cortina de plástico que oculta o chuveiro, ergue a faca e aproxima-se da sua vítima lentamente quando esta percebe sua presença e lança um grito... absoluta e completamente desafinado. Corte, recorte: uma sala de cinema, onde o diretor e o sonoplasta do filme assistem à fita. O diretor grita um "Kill it!", apavorado com a péssima qualidade do grito, e discutirá com o sonoplasta sobre a péssima qualidade dos efeitos sonoros e sobre uma possibilidade de dublar o tal grito. É da busca do sonoplasta por um outro grito – um grito falso, portanto – que De Palma tira um inventário das suas próprias obsessões: filmes amadores, problematização da imagem e som nos mesmos moldes do Antonioni de Blowup e do Dario Argento de Prelúdio Para Matar e Suspiria, a fascinação por todo o aparato técnico próprio do cinema, o estudo do processo de captação de imagens e a junção destas com seus respectivos sons, e o tema da morte como destino único, invariável e inevitável. Sim, um cinema de retorno à imagem essencial, à imagem fundamento. Mas afinal, tudo isso para quê? Uma resposta do público, aquela que mais interessa a De Palma: o abandono de uma condição espectatorial molenga a que muitos já estão acostumados e a conseqüente conquista de uma relação com a imagem baseada no estudo e no questionamento. Em outras palavras, a passagem do espectador de mero voyeur a investigador.

Uma história de imagens / A ilusão 24 quadros por segundo
No interesse de De Palma por uma outra trama que se constituirá paralela à trama principal do filme – a farsa na qual seus protagonistas são invariavelmente engodados – já se percebe sua curiosidade pela duplicidade das formas. O seu universo é repleto de tipos já perpetuados pelo cinema: os gangsters (Carlito Brigante, Tony Montana), os tiras bons (Eliot Ness), os tiras maus (detetive Marino), os tiras bons e maus (comandante Kevin Dunne, Rick Santoro), os castrados (o soldado Eriksson, Jack Terry, Ethan Hunt), os transexuais (doutor Robert Elliott, Carter na sua encarnação Margo), as femme fatales (Laure Ash, Julia Costello, Kate Miller), os traídos (Carlito Brigante, Carter, Ethan Hunt, Rick Santoro), os traidores (Dave Kleinfeld, Cain, Jim Phelps, comandante Kevin Dunne). Mas para que retomar essas figuras se não por uma impostura, uma incapacidade de criar personagens com um mínimo de verossimilhança? O que De Palma faz, e poucos lhe dão o devido valor por isso, é jogar uma outra luz, deixar brotar uma ambigüidade que poucas vezes foi ofertada a estes personagens. Imagens que nos fazem pensar em outras imagens, personagens que nos fazem pensar em imagens, duplos que não correspondem às suas origens, tempos dilatados que não correspondem aos seus espaços, espaços exagerados que insistem em apresentar simetrias e informações visuais de toda a espécie: aqui temos um raciocínio de imagens,através das imagens, que tem a imagem como ponto de partida e outra imagem como finalidade.

Brain De Palma
O cérebro que engendra e que opera todo o excesso de e das imagens, através das imagens. A multiplicação dos pontos de vista, daquilo que vários olhares registram de uma cena, das possibilidades oferecidas por todos os tipos de aparatos de registro de imagem (vídeo ou película, binóculos ou telescópios, e até mesmo nossos olhos, vejam só); apenas de uma loucura analítica, de um estágio onde não mais se sabe o que é real ou ilusório, revelado ou ocultado, é que se pode tirar alguma conclusão do objeto que se toma como referência. Todos os pontos de vista são incompletos e todos revelam alguma informação vital. A composição criada pelo fotógrafo Nicolas Bardo em Femme Fatale, no entanto, esclarece tudo isso que pode parecer confuso e/ou excessivo ao nos debatermos em um primeiro momento com a obra de Brian De Palma: o que importa não são as imagens mas os joguetes de pontos de vista, a maneira que se agrupa e organiza todas as informações que compõe uma imagem, a operação lógica que leva a tudo isso. Finalmente, podemos dizer que é aquilo que existe entre as imagens – aquilo que comprova que um filme é uma operação que nos leva do fragmento à totalidade, da "imagem de base" a uma "imagem síntese" – o material de todo o cinema que realiza Brian De Palma.

Disponível em: http://www.contracampo.com.br/47/depalmaldito.htm

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Cineclube do Atalante: Dublê de Corpo



O fracassado e claustrofóbico ator de filmes B, Jake Scully, acaba recebendo uma proposta irrecusável: ficar no belo apartamento de um amigo seu enquanto procura lugar para ficar. No novo lar, ele presencia estranhos acontecimentos com uma vizinha, passa a persegui-la e a querer ajudá-la, mas não desconfia do perigo à espreita. 


(Body Double: EUA, 1984 - 114 min. Com:  Craig Wasson, Melanie Griffith , Deborah Shelton. 16 anos.)

Serviço:
Sábado, 17 de novembro
16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante