sábado, 29 de abril de 2017

Fragmentos de entrevista com Axelle Ropert

“A crítica é a melhor escola de gosto e de formação que podemos ter”
Sortie d’Usine (Mathias Turcaud): Bom dia, Axelle Ropert.     

Axelle Ropert: É um prazer.     

Sortie d’Usine (M.T.): É um prazer também. Obrigado por nos conceder essa entrevista. Para começar, eu adoraria saber qual foi a gênese de Mostre a língua, moça e se havia, no início, essa vontade de propor uma visão pessoal do triângulo amoroso, que é ainda assim um motivo muito recorrente, ou mesmo gasto, do cinema e da literatura?    
       
Axelle Ropert: Em todo caso, hiper gasto, porque se eu tivesse dito: “Vou propor minha visão do triângulo amoroso”, socorro, eu teria saído correndo, porque não tenho nenhuma visão do triângulo amoroso. As pessoas fazem o que querem da vida; eles podem ficar com três, quatro, cinco... Então, eu não penso desse jeito, de maneira alguma. Quando eu tenho ideias para um filme, não são ideias teóricas ou temáticas, não é subitamente como “tenho um tema sobre o qual é preciso que eu me expresse urgentemente”, elas vêm realmente do que vejo na vida, das paisagens, a maneira que o mundo chega a mim ou não. Acontece que eu moro em Paris, que é uma cidade que amo imensamente, e que habito no bairro do meu filme, que é o bairro chinês. Um bairro que é muito pouco filmado no cinema francês. Geralmente, quando Paris é filmada no cinema francês, ou é Montmartre sob sua vertente pitoresca, ou o bairro Marais sob sua vertente um pouco “boêmio-chique”, ou XVI distrito para os filmes de poder ou da burguesia. Eu detesto isso, isso não me interessa nem um pouco, filmar esses bairros que são, para mim, bairros folclóricos ou caricaturais. Acontece que o meu bairro é o bairro chinês que é, então, um bairro de grandes prédios, que foi construído nos anos 70. Eu adoro porque, se nós não o conhecemos, achamos hiper feio, logo é um bairro que não é muito cheio. É um bairro que pode parecer hiper poluído, hiper repugnante se nós o visitamos por cinco minutos, e quando passeamos por ele, percebemos que na verdade há cenários de cinema soberbos, porque há uma arquitetura bem especial, uma mistura de pequenas casas de operários e de grandes prédios. Há uma luz muito particular que é a luz do sul de Paris — eu sou muito sensível à qualidade da luz, é por isso também que faço cinema, e é um bairro que pede para ser revelado pelo cinema e que propõe um desafio. Tivessem me dito “Deve filmar a torre Eiffel”, eu teria desmaiado, tão impossível que é filmar um ambiente que já foi filmado 500 milhões de vezes. Ora, o XIII distrito é um bairro que quase nunca foi filmado e, então, havia um desafio. Veio realmente daí: como a partir desse bairro, inventar uma história romanesca e que tenha charme.   

Sortie d’Usine (M.T.): Você é muito cinéfila. Alguns filmes te acompanharam nessa filmagem de uma maneira obsedante?


Axelle Ropert: Eu sou hiper cinéfila, ou seja, eu vejo três ou quatro filmes atuais por semana. E, além disso, entre os vinte e trinta anos, eu ia todos os dias à Cinemateca, nas salas Actions, então tenho um certo estoque de filmes um pouco avassalador na minha cabeça. Eu adoro imensamente o cinema francês e não fantasio de maneira alguma com o cinema americano. O que não impede que, para esse filme, eu tivesse modelos que eram, ao mesmo tempo, modelos narrativos e estéticos. Eu tinha modelos de filmes que trabalhavam bastante com o charme de um bairro. O que é um filme em que existe um charme de bairro, um filme onde o bairro é quase um personagem pleno e o bairro acompanha as emoções dos personagens e as suas vidas. E na verdade eu tinha um pequeno filme que era um modelo — não é definitivamente uma obra-prima da história do cinema, é um pequeno filme, mas que foi um grande sucesso na sua época — que é Frankie e Johnny. Eu não acho que você conheça, acho que você é muito jovem. É um filme que deve ter uns quinze anos, com Michelle Pfeiffer e Al Pacino. É um filme que se passa num pequeno bairro de Nova York e é uma história de amor entre um homem e uma mulher. É uma história de amor que leva muito tempo para acontecer, porque eles se detestam no começo; ela é hiper desagradável, ela não quer amor na sua vida e, depois de uma hora, Al Pacino consegue dizer “Eu te amo” a Michelle Pfeiffer e, depois de duas horas, eles conseguem se beijar.  É um filme onde o amor caminha muito lentamente, é cheio de dificuldades e demora muito tempo para acontecer. E o que eu gosto bastante, é que são situações hiper romanescas, mas que acontecem a personagens “pequenos” socialmente: ela é garçonete em um pequeno bar e ele é cozinheiro. E eu gosto muito da ideia que com personagens que não são grande coisa, conseguimos construir algo romanesco e criar um suspense sentimental. E isso se passa num bairro que eu não conheço o nome, mas esse bairro tem realmente muito charme, porque ele é filmado sob todas as costuras: há cenários recorrentes, personagens recorrentes e isso cria realmente um vínculo para o espectador. Então, era um pouco o modelo para mim: reencontrar esse sentido do bairro nova-iorquino que temos no cinema americano, conseguir filmar, ao mesmo tempo, os cenários que não são tão cativantes a priori — os prédios, as ruas, uma circulação hiper densa — e, ao mesmo tempo, tornar isso cativante.    

[...]

Sortie d’Usine (M.T.): Você já pôde dizer constantemente que o que você amava acima de tudo no cinema eram os atores — por exemplo, eu vi ontem a sua conferência sobre os atores ingleses no Forum des Images. Mas, em contrapartida, o que me impressionou em Mostre a língua, moça é que o filme é muito belo visualmente: então, você teria mudado um pouco de ótica?

Axelle Ropert: Ou seja, ou fazemos filmes onde os atores são soberbos e o filme é muito feio visualmente, ou fazemos filmes muito belos esteticamente onde os atores não tem nenhum interesse. Mesmo se o que você diz é interessante, porque ao mesmo tempo, eu vou muito ao cinema e percebo que constantemente, no fluxo médio do cinema, ou temos um cinema de autor hiper top de linha de um lado, deslumbrante esteticamente mas no qual os atores não são assim tão importantes — enfim, os atores são tão importantes quanto a luz, o cenário e etc. — ou temos filmes de meio termo, onde os atores estão soberbos, mas então plasticamente é um horror, é tão feio que sufoca. É verdade que eu tenho gosto pelos dois: eu quero que seja belo plasticamente, mas que o filme não repouse unicamente sobre coisas estéticas, mas sobre os atores. Nos meus filmes, se os atores não são bons, não presta. Minhas tomadas, eu as escolho unicamente em função dos atores quando estou na montagem; se o ator não está bem, a cena não está lá. E, ao mesmo tempo, eu ainda assim fui formada pelo cinema clássico americano e no cinema clássico americano, tudo é belo constantemente, há uma espécie de milagre estético que é constante. Então, eu me preocupo com os dois: cinema de ator, mas cinema, ainda assim, do olhar, em que o olhar tem muita importância.    

Sortie d’Usine (Elias Msaddek): Em relação ao cinema clássico, no cinema clássico americano você cita Hawks. E, como Hawks, você gosta que os seus personagens representem também um pouco a sua visão do cinema?           

Axelle Ropert: Bem, eu adoro Hawks, acho que é meu cineasta americano preferido, porque acho que ele faz um cinema incrivelmente altivo, aristocrático, irônico, um cinema extraordinário. Eu não me inspiro de maneira alguma nele, porque faço apenas histórias de famílias sentimentais, e acho que não há nada sentimental em Hawks. Mas há uma coisa um pouco aristocrática em Hawks que eu amo bastante e na qual me reconheço; ou seja, eu não gosto de maneira alguma do cinema “câmera na mão”, muito histérico, e que é ainda assim algo do cinema contemporâneo, em que seguimos os personagens a todo custo, em que tudo se encaminha para a energia das cenas. Em Hawks, isso não se encaminha para a energia das cenas e não chega à histeria, há sempre uma certa superioridade no seu cinema e eu sou muito, muito sensível a isso, então eu penso que a herdei. Quanto ao resto, não sei bem...           

Sortie d’Usine (E.M.): Os personagens de Hawks representam a sua visão de mundo — por exemplo, seu estoicismo — quando geralmente, nos realizadores, é mais o próprio filme. E nos seus filmes, em La famille Wolberg, eu achei que os personagens se parecem um pouco com o filme.        

Axelle Ropert: Então, isso é misterioso, porque Hawks nunca se disse “eu vou transmitir minha visão do mundo ao espectador”, Hawks — eu li muitas coisas sobre ele — era muito artista, mas nem um pouco intelectual e, de qualquer maneira, na época, os realizadores não tinham de modo algum esse discurso bem versado que temos sobre os filmes que fazemos. Não impede que os filmes que fazemos sejam parecidos conosco. É uma pergunta que eu me faço frequentemente: nós conseguiríamos fazer filmes que não se parecem conosco, eu teria em mente exemplos de cineastas que fazem filmes que não se assemelham a pessoa que eles são e, na verdade, eu não vejo nenhum. Eu creio que o cinema é uma arte em que há muitas coisas que se transmitem assim, sem que nos demos conta, que os filmes que fazemos se assemelham conosco sempre um pouco. O único cineasta, para mim, que faz filmes que não lhe assemelham, é Rossellini. Então, eu sou uma fã absoluta de Rossellini e acho que nos seus filmes — eu falo de seus filmes realmente neorrealistas, dos anos 40-50, há algo trágico, uma relação com o real, uma relação com o documentário, um elo com a história atual que acho perturbador; e, na verdade, quando nos interessamos por Rossellini, era um cara hiper desfrutador que era capaz de deixar o plateau para dar voltas com carros de corrida, que era uma espécie de dandy assim bem desenvolto, enquanto imaginamos Rossellini mais como um santo hiper devotado, a pessoa que ele era não se assemelha totalmente aos filmes que ele fazia — o que eu acho misterioso, particularmente. Os filmes se parecem conosco, mas sem que nós queiramos, logo eu não posso responder muito mais que isso...   

[...]      

Sortie d’Usine (M.T.): Agora, eu vou te fazer uma pergunta que, sem dúvida, já te fizeram cem vezes, mas eu tenho vontade de te perguntar mesmo assim: como é ser crítica e realizadora ao mesmo tempo? E de que maneira a sua reflexão crítica nutre o seu trabalho de realizadora?     

Axelle Ropert: Eu fui crítica de cinema durante uns dez anos; eu adorei isso, eu adorei fazê-lo. Eu escrevi, inicialmente, para La Lettre du Cinéma, depois para os Inrockuptibles e enfim, eu fui crítica na televisão. É algo que eu recomendo a qualquer um que quer fazer filmes e roteiros, ao contrário do que dizem. Eu escuto frequentemente que os críticos de cinema são pessoas escolares, ou frustradas, que vivem em seus sonhos. Eu não concordo de maneira alguma com isso, eu penso que ver muitos filmes e refletir sobre os filmes e colocar as suas idéias no papel é a melhor escola de gosto e de formação que podemos ter, muito mais que uma formação prática, de campo, etc., logo, eu recomendo a qualquer um que quer fazer filmes. Além disso, é uma bela tradição francesa — a Nouvelle Vague, eram críticos extraordinários, e quando vemos os filmes que eles fizeram, isso forçosamente lhes serviu para alguma coisa, e eu penso que pensar sobre os filmes, ver muitos filmes e escrever sobre os filmes, isso ajuda a ter idéias claras sobre o que se quer fazer, ajuda a descobrir certas leis objetivas que existem no cinema, e isso desenvolve o olhar, basicamente. Eu acredito que é a melhor das escolas, eu não tenho nenhuma vergonha de ter sido crítica de cinema antes de fazer filmes.   

Sortie d’Usine (M.T.): E foi duro — como você era apenas conhecida como crítica — encontrar um financiamento, convencer os produtores? 

Axelle Ropert: Não, porque, por outro lado, eu sempre fui uma crítica de cinema, mas como amadora esclarecida, não procurei fazer disso uma profissão ou ocupar uma posição social importante; ao contrário, eu sempre fiz isso de maneira que continuasse a ser pequeno e bem amador. Eu nunca tive uma ambição profissional neste sentido e, além do mais, nunca me aproveitei disso para ocupar um lugar vistoso. É certo que se eu estivesse à frente do serviço de cinema do “Monde”, isso teria sido um pouco complicado, mas nunca tive vontade disso, então, eu não era conhecida como uma ambiciosa que queria, além disso, fazer filmes.          

Sortie d’Usine (M.T.): O seu percurso e também seus filmes evocam realmente Trufaut. Como você definiria a sua relação com ele? Ele é uma espécie de pai espiritual?  

Axelle Ropert: Eu sou uma fã absoluta da Nouvelle Vague, penso que, se nós não tivéssemos a Nouvelle Vague na França, nós faríamos o “cinema do papai” e isso seria o horror. Meu cineasta preferido da Nouvelle Vague é Eric Rohmer que, para mim, fez os filmes mais misteriosos, os mais simples, os mais insondáveis da Nouvelle Vague. Eu amo imensamente Godard, mas ele me terroriza — eu seria incapaz de escrever sobre Godard, isso me cobre de uma admiração aterradora, mas seria incapaz de escrever sobre isso. Chabrol, eu amo bastante, porque ele se dobrou a indústria, ele ousou fazer muitos filmes, ele ousou fazer filmes desiguais e gosto muito disso. Eu gosto muito de cineastas que ousam correr riscos e errar, e eu não tenho muita admiração por cineastas que fazem sempre um filme a cada dez anos, produzindo uma obra-prima cada vez, por exemplo alguém como Terrence Malick não me fascina nem um pouco. Alguém como Chabrol, que fez muitos filmes médios, isso me interessa muito mais. E eu amo muito o humor de Chabrol, eu acho que ele tem um humor muito, muito forte e, na verdade, bizarramente, penso que Truffaut é quase o cineasta menor do bando. Para mim, Truffaut não é um grande cineasta, mas ele fez filmes perturbadores. Penso que é alguém que não tinha a abstração extraordinária de Jacques Rivette, é alguém que não tinha o gênio lírico e teórico de Godard, é alguém que não tinha uma espécie de integridade monocórdica de Eric Rohmer, é alguém que não tinha a ironia paradoxal de Chabrol; o que não impede que, em seus filmes, exista algo de direto em relação a sua ligação com o romanesco, a relação com a autobiografia que eu acho perturbadora, mesmo que eu não goste de todas as suas obras. Então, não é de maneira alguma um modelo, mas — e penso que isso pode ser uma definição da cinefilia — eu amei tanto seus filmes que isso ressurge nos meus; mas eu nunca me disse “Acima de tudo, faça como Truffaut, minha filha”, penso que isso seria uma catástrofe e que os imitadores de Truffaut não são nem um pouco interessantes. Penso que o jogo das influências é bom quando ele é inconsciente, quando ele é consciente, não há nenhum interesse.       
Sortie d’usine (M.T.):
 Uma pergunta um pouco geral. Você é ao mesmo tempo crítica e realizadora, você dá papéis dramáticos a atores cômicos — eu penso no seu primeiro filme, com François Damiens e Valérie Benguigui — ou então, o que é também interessante, você faz dos realizadores, atores — Serge Bozon e Cédric Kahn. Você gosta de misturar as referências: o que é um ator e etc?      

Axelle Ropert: Não é de maneira alguma para tornar interessante, do tipo eu vou pegar Virginie Efira e eu vou fazê-la atuar em uma tragédia de Racine, não é nada como a ideia de torná-la interessante, é que eu acho que há muitos castingsque se contentam com pouco, incluindo no cinema de arte e ensaio, e não só no cinema comercial francês, ou seja, todos esses filmes onde os atores são chiques, impecáveis, têm bom gosto, isso me deprime, eu não tenho vontade de ver isso e gosto bastante que haja uma espécie de risco quando faço um casting, quando há uma coisa perigosa e que possamos, eventualmente, falhar. Então, é aterrorizante, mas é bem excitante. Portanto, para meu primeiro filme, eu peguei François Damiens que na época só fazia programas de câmeras escondidas e começava a fazer pequenos papéis secundários, e eu lhe dei um papel hiper romanesco e hiper trágico. Poderia ter sido uma catástrofe.      

[...]

Sortie d’Usine (M.T.): Em relação aos seus dois primeiros filmes, percebemos um grande pudor quanto ao amor, não há nenhuma cena de sexo...         

Axelle Ropert: Eu não sou nem um pouco contra as cenas de sexo mesmo que ache que, frequentemente — mas não é, de maneira alguma, pudor ou puritanismo —, eu acho que no cinema, frequentemente, é só feio, um “mal-estar” e que isso não serve pra nada. Eu acho que as cenas de amor físico são uma prova absoluta de mise en scène, é muito difícil acertar. A única que me marcou recentemente é a abertura de um filme de James Gray, que eu esqueci o título...

Sortie d’Usine (M.T.): Os donos da noite?        

Axelle Ropert: Sim, é esse, onde a atriz principal é acariciada no começo da cena, acho isso magnífico, porque não é frontal, não é um casal fornicando — acho isso, por exemplo, bem desgracioso filmar frontalmente um casal fornicando, sempre temos a impressão, na verdade, que os atores imitam, que não é sério. Nesse caso, é uma cena um pouco indireta, porque é uma mulher que é acariciada por um homem; além disso, é uma cena um tanto inédita, porque vemos mais frequentemente cenas em que homens são acariciados por mulheres, o inverso não tanto. E, ao mesmo tempo, é incrivelmente sensual, eis: é uma cena que me satisfaz em todos os planos, de maneira que é lateral, original e hiper sensual. Mas, de resto, as cenas de sexo são mortais para conseguir. No meu filme, havia cenas de beijo bem mais intensas entre Louise Bourgoin e Cédric Kahn, mas falhamos — e por minha culpa, e por culpa deles. É uma prova e raramente ela é bem sucedida.        

[...]

Sortie d’Usine (M.T.): Seu filme é muito sensual. Você se sente próxima de uma cineasta como Claire Denis?

Axelle Ropert: Obrigada pela sensualidade, eu sou uma realizadora bem sensível ao potencial erótico das atrizes! Eu conheço pouco o cinema de Claire Denis, mas é um cinema que me atrai pouco. Digamos que há uma diferença entre “tornar erótico um corpo pela mise en scène” e “filmar segundo uma lógica sensorial”. Eu não acredito de maneira alguma em um cinema fundado sob uma lógica das sensações (Claire Denis, um certo cinema asiático, Philippe Grandrieux, etc.), é uma escola que eu acho falsa e falsamente moderna. Eu prefiro o cinema clássico americano que filma objetivamente as coisas, sem querer filmar sob o prisma da sensação corporal, o cinema clássico americano é, contudo, um dos cinemas mais eróticos que existem, sobre os rostos e os corpos das atrizes. Mas é uma questão muito vasta para que eu possa realmente responder dessa maneira.        

[...]

Entrevista realizada e publicada na revista Sortie d’usine em outubro de 2013. 
Fonte original: http://www.sortiedusine.org/2013/08/30/axelle-ropert-la-critique-est-la-meilleure-ecole-de-gout-et-de-formation-quon-puisse-avoir/

Trechos traduzidos por Letícia Weber Jarek.     

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Cineclube da Cinemateca: Mostre a língua, moça de Axelle Ropert

Neste sábado, dia 29/04 às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "Mostre a língua, moça" da diretora Axelle Ropert. Em maio, veremos o díptico indiano de Fritz Lang. Sempre com entrada franca!
Cineclube da Cinemateca apresenta:
Mostre a língua, moça de Axelle Ropert 
Dimitri (Laurent Stocker) e Boris (Cédric Kahn) são médicos e irmãos parisienses e sempre trabalharam juntos. Eles dedicam todo seu tempo e atenção aos seus pacientes. Certo dia, os dois pegam o caso de uma criança diabética para cuidar, e ficam muito próximos da mãe dela, Judith (Louise Bourgoin), que cria a criança sozinha. Os dois acabam se apaixonando pela mulher, abalando o forte laço entre os irmãos.

Serviço:
29 de abril (sábado)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

domingo, 23 de abril de 2017

Fragmento de "Rohmer ou a mise en scène da linguagem"


Michel Mourlet


O conhecimento exato e inquieto desse preço, desse ritmo, disso que os ameaça, constitui a matéria dos filmes límpidos de Éric Rohmer. Se a modernidade se manifesta na faculdade de exprimir nossa época despojando-a de falsos semblantes e a originalidade através de um timbre como nenhum outro, ainda que de alcance universal, Éric Rohmer é o cineasta francês mais moderno e o mais original. Ele é também o cineasta moderno mais originalmente francês, o menos influenciado por estilos ou problemas estranhos ao nosso gênio. Quando nossos descendentes procurarão nosso verdadeiro rosto sob a poeira dos séculos, eles o encontrarão mais seguramente na realidade das ficções de Rohmer que na ficção de reportagens ou de pesquisas. 

É porque Rohmer tem o olhar muito treinado e penetrante para perceber a constância dos seres humanos. Essa permanência mostrada no concreto do seu cenário atual, captada nas suas instâncias íntimas que são essencialmente aquelas da relação sucessivamente ambígua, atormentada e solar entre o homem e a mulher, forma todo o tema de seus filmes. O celuloide, como uma hera, prende-se ao Beijo de Rodin.
Publicado em Sur un art ignoré - La mise en scène comme langage, Henri Veyrier, 1987. Tradução:  Letícia Weber Jarek.
 
  
Texto em francês reproduzido em http://signododragao.blogspot.com/2010/04/rohmer-ou-la-mise-en-scene-du-langage.html   

Tradução na íntegra: http://vestidosemcostura.blogspot.com.br/2017/05/rohmer-ou-mise-en-scene-da-linguagem_3.html

Françoise, vous savez que je vous aime?


Por Francisco Valente

Existirão filmes que tomam conta das nossas vidas? Que sentimos a cada passo que damos nos nossos caminhos, que vemos vislumbrarem-se a cada porta que abrimos no nosso pensamento quando nos perdemos nele? Que não existem apenas como um fantasma na nossa mente, mas que entranham-se nos nossos sentimentos, na nossa moral, ao ponto de mexer com ela para lhe dar personagens e palavras que personificam os seus dilemas? Terá sigo algo parecido com isso quando percebi que, numa conversa à volta da intimidade, descrevi um filme inteiro, cena por cena, a uma outra pessoa. Como se se abrisse uma porta fechada à chave por onde se entra no nosso espaço exclusivo e saísse de lá, repentinamente, uma sucessão de cenas de forma tão decidida como o início desse próprio filme. Assim: mal passámos os primeiros dez minutos de Ma nuit chez Maud (A Minha Noite em Casa de Maud, 1969), escrito e realizado por Éric Rohmer, e ouvimos Jean-Louis (Jean-Louis Trintignant) dizer-nos, como que ao ouvido, entre o barulho da pequena multidão de Clermont-Ferrand, as seguintes palavras: “Nesse dia, na segunda-feira de 21 de Dezembro, surgiu-me a ideia, brusca, precisa, definitiva, que Françoise seria a minha mulher”.

Françoise (Marie-Christine Barrault) fora apenas avistada há momentos por quem nos fez essa declaração solitária, tal como uma prece, aquando da habitual missa dominical. Nesta, Jean-Louis vira esse seu olhar de perfil concentrado, doce e focado, enquanto ela repetia as orações que entregavam a sua alma a uma entidade pura e sem forma (Deus). De certa forma, tal como nos entregamos também ao amor, sentimento também sem forma que procura concretizar o seu desejo no encontro doce e carinhoso dos seus corpos. Mas a fé religiosa, de certa forma, é a utopia desse amor: uma devoção espiritual por inteiro que vive pelo amor incondicional, sempre fiel, e que suplanta, pela duração, o amor que sentimos na vida física. Nessa imagem, Jean-Louis vira o melhor de dois mundos: apaixona-se não apenas por Françoise, mas também pela devoção presente nesse seu olhar transformado por algo de profundo. Uma imagem que encarna a sua moral, mas também a fantasia física (em rosto, olhos, cabelos e corpo) de alguém que procura esse amor.

Françoise surge várias vezes no caminho de Jean-Louis até que este decide, literalmente, correr atrás dela e dar forma à fantasia pelas palavras. Uma abordagem algo invasiva, diz elegantemente a Françoise, e que entra em contradição com os seus princípios. “Faz-lhe mal contradizê-los”, responde-lhe. Jean-Louis sabe e o espectador também (o filme não se chama “A minha noite em casa de Françoise”…). O que não sabemos nesse momento é que é Françoise quem entende essas mesmas palavras como mais ninguém.

O encontro entre os dois continua, cada um conhece o espaço solitário do outro sem forçar outras invasões. Como o inesquecível e carinhoso gesto de Françoise a colocar a sua mão, docemente, sobre o braço de Jean-Louis, quando este tenta um beijo e ela afasta ligeiramente a sua cara, com um sorriso. “Françoise, vous savez que je vous aime?” Françoise não duvida desse amor, tal como não duvida do seu, todos os dias, a uma hipótese de felicidade pela qual ora na Igreja. Mas Jean-Louis ainda só conhece a sua imagem, não a pessoa que tem esse amor para lhe dar.
Será preciso Jean-Louis desprender-se de uma livre Maud e desfazer-se das dúvidas que esta trouxe aos seus princípios morais – ou melhor, saber viver com essas mesmas dúvidas dentro dos seus princípios – para que os seus dias com Françoise sejam feitos de uma verdadeira empatia, para além da física, e num caminho que se deseja incondicional, tal como a confissão de amor que nos proferiu e que abriu o filme.
Mas o momento essencial chega-nos apenas no fim: quando nesse mesmo caminho, alguém se cruza com Françoise e Jean-Louis, juntos. Alguém que Jean-Louis conhece bem, mas que traz a Françoise aquilo que ainda a impedia de ser inteira: que ela, afinal, era não portadora de uma dúvida mas de uma culpa, e que terá sido ela a primeira – ainda antes de conhecer Jean-Louis – a trair os pilares que definiam a sua intimidade e a sua posição no mundo. E é apenas nesse momento, sem quaisquer palavras, que Jean-Louis conhece a sua mulher: quando reconhece, nela, a sua falha, sobre a qual ela vive conscientemente ao lado de um novo amor que encontrou na sua vida. Jean-Louis não precisa de perdoá-la, pois qualquer perdão é interior. Tal como aquele que Françoise pedia, a Deus, quando Jean-Louis se apaixonou por ela e o confundiu com uma devoção pura e imaculada. Afinal, o amor é feito disso tudo.
Termino apenas dizendo: não sinto ter poderes para afirmar se esse Deus existe mesmo, por isso, não o digo. Mas se existe, abençoou seguramente a fotografia de Néstor Almendros sobre o rosto e a postura de Marie-Christine Barrault, Françoise nas palavras de Rohmer, por quem também me apaixonei.

Originalmente publicado em http://www.apaladewalsh.com/2012/10/francoise-vous-savez-que-je-vous-aime/

sábado, 22 de abril de 2017

Eric Rohmer


Por Serge Daney


Primeira qualidade do cinema de Rohmer: a paciência. Não somente no caso de um homem seguro de si o suficiente para se impor — ao termo de um longa-metragem e de alguns filmes pedagógicos — como um dos “grandes” do jovem cinema francês. Mas também em uma obra onde tudo nos leva a esta virtude primordial: saber esperar, aprender a ver; ambas as atitudes são, graças ao cinema, uma única e mesma coisa. Como se o mundo não passasse de um imenso repertório de lições de coisas, repertório este do qual nunca se fez realmente o inventário.      

O primeiro olhar não ensina nada. Mas há por detrás da neutralidade das aparências — em Rohmer, nada é sublinhado, e ainda menos privilegiado- uma lição a merecer, uma ordem a descobrir, uma verdade a pôr em evidência. Esta lenta maturação constituirá o próprio tempo do filme, ou seja: ela, longe de excluir os tempos mortos e os detalhes, apenas será possível por meio destes.        

O princípio é simples então: catapultar idéias contra experiências, observar escrupulosamente e ver o que resulta daí. A experiência é para Rohmer um pouco o que foi para Hawks: a única realidade, que nos informa onde estão o possível e o impossível, recusando o segundo, buscando esgotar o primeiro. Toda idéia que não foi experimentada- ou seja: encarnada, filmada- não existe. A mesma coisa com os personagens: para que lhes seja consentido “ver” alguma coisa, é-lhes necessário um périplo, uma iniciação, uma prova ao termo da qual eles terão merecido o que já possuíam, mas que deveria tornar-se mais interior, melhor assimilado por eles. No Signo do leão, é preciso merecer a riqueza por meio de um teste de pobreza que o obriga a redescobrir tudo; logo, a ver melhor. A mesma situação, só que num registro menos grave em La Boulangère de Monceau.      

A experiência exige a maior honestidade possível, muitos escrúpulos e meticulosidade. Mas Rohmer é o cineasta assombrado pela geografia, as cidades, os mapas, as pedras, tudo o que pode oferecer esta resistência impessoal que torna as aventuras humanas mais exemplares.          

A ficção, contudo, é sempre uma fraude; é preciso dissimular, gerir seus efeitos. É justamente o contrário que ocorre com os filmes pedagógicos, onde Rohmer reencontra a paixão da precisão, o ódio do “flou” e da entropia, a beleza de um raciocínio e o caráter inelutável de toda experiência. Nos Cabinets de physique au XVIII siècle, que é talvez sua obra-prima, é-lhe suficiente filmar uma experiência de Física, passo a passo, para que nasça a emoção mais simples. E a mais estranha também, pois nascida unicamente da exatidão.           

Dictionnaire du cinema, Éditions universitaires, 1966         
Tradução: Luiz Soares Júnior.         
Retirado de 
http://dicionariosdecinema.blogspot.com.br
    

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Cineclube da Cinemateca: "Amor à tarde" e "Minha noite com ela" de Eric Rohmer

Neste fim-de-semana, o Cineclube da Cinemateca apresenta "Amor à tarde" (sábado, dia 22/04) e a reposição de "Minha noite com ela" (excepcionalmente domingo, dia 23/04), ambos às 16h, encerrando o ciclo em comemoração aos 3 anos do cineclube: Seis contos morais de Eric Rohmer. No sábado que vem (29/04) é a vez de "Mostre a língua, moça" da diretora Axelle Ropert. Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca 3 anos apresenta

22/04, sábado: Amor à tarde
Frédéric (Bernard Verley) é sócio de um pequeno escritório em Paris e se considera feliz em seu casamento com Hélène (Françoise Verley), uma professora com quem teve recentemente seu segundo filho. Apesar disto Frédéric sonha todas as tardes com outras mulheres, sem jamais ter tido a intenção de ir além de seus sonhos. Até que um dia aparece em seu escritório Chloé (Zouzou), ex-amante de um grande amigo, que passa a lhe fazer visitas regulares na intenção de seduzi-lo.

23/04, domingo: Minha noite com ela
Jean-Louis (Jean-Louis Trintignant) é um fervoroso católico que encontrou sua parceira ideal, Françoise (Marie-Christine Barrault), em uma missa. Ele se encontra com Vidal (Antoine Vitez), seu amigo, que o convida para conhecer sua atual namorada, Maud (Françoise Fabian). Após passarem horas discutindo filosofia e religião, Vidal vai embora para casa, deixando Jean-Louis e Maud sozinhos no apartamento.
Serviço:
22 e 23 de abril (sábado e domingo)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA
Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

domingo, 16 de abril de 2017

Éric Rohmer: só o belo é verdadeiro (fragmento)



É o mundo físico, captado por esse olhar "insensível ao que não é fato bruto", que constituirá o material primeiro de cineastas como Rossellini e Hawks. O sentido e a finalidade do filme só podem ser prospectados tendo em vista a "magnificência desse mundo sensível que somente o cinema tem o privilégio de oferecer intacto aos nossos olhos": 

"A tarefa da arte não é nos encarcerar num mundo fechado. Nascida das coisas, ela nos reconduz às coisas. Ela se propõe menos a purificar, ou seja, a extrair delas o que se dobra a nossos cânones, do que a nos reabilitar e conduzir sem cessar a reformar esses cânones." (ROHMER, 1951)

OLIVEIRA JR, Luiz Carlos. O cinema de fluxo e a mise en scène. São Paulo: ECA-USP, 2010 (p.31)

Tese completa: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27161/tde-30112010-164937/pt-br.php

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Cineclube da Cinemateca 3 anos: "O joelho de Claire" de Eric Rohmer

Neste sábado, dia 15, às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "O joelho de Claire", dando sequência ao ciclo em comemoração aos 3 anos do cineclube: Seis contos morais de Eric Rohmer, que contará ainda com "Amor à tarde" (22/04) e a reposição de "Minha noite com ela" (23/04, excepcionalmente domingo). Sempre com entrada franca!
Cineclube da Cinemateca apresenta:
"O joelho de Claire" de Eric Rohmer

Jerome (Jean-Claude Brialy) é um diplomata que passa suas últimas férias de solteiro às margens do lago Annecy. Lá ele reencontra Aurora (Aurora Cornu), uma escritora italiana que é sua amiga e que alugou um quarto na casa de uma senhora e suas duas filhas, Laura (Béatrice Romand) e Claire (Laurence de Monaghan). Logo Aurora o avisa que Laura está interessada nele, incentivando-o a ter um último namoro antes do casamento. Entretanto Jerome está interessado em Claire, tendo um desejo obsessivo em acariciar seu joelho.

Serviço:
15 de abril (sábado)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante