sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Cineclube da Cinemateca: O Território, de Raúl Ruiz

Neste domingo dia 2, às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "O Território", iniciando o mês de outubro com o Cinema feérico de Raúl Ruiz. Sempre com entrada franca!

Cineclube da Cinemateca apresenta:
"O Território" de Raúl Ruiz

Uma família de campistas parte sem rumo definido para um passeio na floresta. O guia desaparecido, encontram-se perdidos no "Território", um espaço de indefinição: não só o território não corresponde mais ao mapa, como se recusa a se submeter à lógica.
Serviço:
02 de outubro (domingo)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA


Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Cineclube da Cinemateca: O Cinema Feérico de Raúl Ruiz




Raúl Ruiz (1941-2011), cineasta chileno exilado na França, compôs, entre diversos países, elencos e línguas uma obra invulgar de mais de cem filmes, cujo princípio parece ser aquele do sonho: um cinema feérico, amplamente ancorado na experiência surrealista ou lúdica, na lógica da liberdade erudita, no jogo de labirintos intelectuais ou linguísticos, cujo centro parece ser a palavra: Mistério. Apresentamos, em formato introdutório à obra, uma seleção de quatro filmes e sua rara minissérie infantil para a TV portuguesa, Manoel na Ilha das Maravilhas.

Obs: Todos os filmes têm a classificação indicativa 12 anos (Manoel na Ilha das Maravilhas com indicação livre.)


02/10 – O Território 














(The Territory, 1981/Portugal -  104 min. Com: Geoffrey Carey, Duarte de Almeida, Rebecca Pauly)

Uma família de campistas parte sem rumo definido para um passeio na floresta. O guia desaparecido, encontram-se perdidos no "Território", um espaço de indefinição: não só o território não corresponde mais ao mapa, como se recusa a se submeter à lógica.
Inglês com legendas em português.


09/10 – A Cidade dos Piratas

 












(La Ville des Pirates, 1983/França, 111 min. Com: Hugues Quester, Anne Alvaro, Melvil Poupaud, André Hengel, Duarte de Almeida, Clarisse Dole, André Gomes)

Romance de formação, fábula onírico-arquetípica - Isidore vive como uma gata borralheira na casa dos pais, no litoral dos mares do Sul, quando sua espera tem fim ao encontrar em seu armário Malo, um menino que fugiu de casa, espécie de Peter Pan que ama ouro e só come alho, com quem viaja para a Ilha dos Piratas, onde vive Toby, um homem dentro de quem vive toda sua família.
Francês com legendas em português.


16/10 – Manoel na Ilha das Maravilhas

 












(Les Destins de Manoel, 1984/Portugal - 150 min. Com: Ruben De Freitas, Marco Paulo De Freitas, Aurelie Chassel, Fernando Heitor, Diogo Doria)

Série infantil em três episódios destinada à programação de Natal da TV portuguesa. 1º episódio: Manoel, sete anos, mora numa vila litorânea na ilha de Madeira. Manoel visita um jardim proibido e se encontra consigo mesmo aos treze anos de idade, descobrindo que certas escolhas que deverá fazer ao longo do dia influirão decisivamente em seu destino e no de sua família. 2º episódio: Manoel parte com a escola num passeio à floresta. Durante a soneca coletiva numa clareira, Manoel encontra um pirata com quem troca de aparência. 3º episódio: Manoel vai viver com sua tia na cidade de Funchal. Lá ele encontra Marilina, uma pequena campeã de xadrez, e um misterioso capitão.
Versão francesa com legendas em português.


23/10 – O Tempo Redescoberto

 












(Le Temps Retrouvé, 1999/França, 158 min. Com: Catherine Deneuve, Emmanuelle Béart, Vincent Perez, John Malkovich, Pascal Greggory)

Em 1922, Marcel Proust, em seu leito de morte, rememora sua vida. Sua vida, isto é, sua obra e os personagens da realidade se fundem com aqueles da ficção e a ficção toma pouco a pouco conta da realidade. Todos seus personagens se metem a assombrar o pequeno apartamento da rua Hamelin e os dias felizes da infância se alternam com as lembranças mais próximas de sua vida social e literária. Adaptação de Em Busca do Tempo Perdido e, em especial, do último volume, O Tempo Redescoberto.
Francês com legendas em português.


30/10 – Combate do Amor em Sonho

 











(Combat d'amour en songe, 2000/França, 122 min. Com: Melvil Poupaud, Elsa Zylberstein, Lambert Wilson, Christian Vadim, Diogo Doria, Rogerio Samora, Marie-France Pisier, Mathieu Demy)

Piratas e tesouros. O bem e o mal. Tal como em uma história para crianças: narrar os acontecimentos é o verdadeiro tesouro. O fantástico faz parte da vida e do cinema. Estranhas anomalias físicas, manuscritos indecifráveis, guardas de um olho só. Um jovem de coração puro, partidário da liberdade de pensamento, é confrontado com a pressão social para que enriqueça a qualquer preço. Um grupo de crianças cegas que tenta converter aqueles que não acreditam no poder da fé cristã. Um bordel de velhas freiras, que se prostituem para pagar o aluguel. Contradições e ironias que transformam este conto de fadas em uma espécie de fábula filosófica. Entretanto, o diretor Raoul Ruiz lembra que seu filme tem uma relação estreita com a realidade: no começo do século, Ricardo Latcham, um jovem de 20 anos, mero funcionário da Biblioteca Nacional do Chile, foi contratado por um caçador de tesouros. Juntos, chegaram até o norte do país, em Guayacam, onde se envolveram em aventuras fabulosas.
Francês com legendas em português.


Serviço:
Sessões aos domingos
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

domingo, 25 de setembro de 2016

ENTREVISTA COM ABBAS KIAROSTAMI – UMA ABORDAGEM EXISTENCIALISTA DA VIDA*


Michel Ciment e Stéphane Goudet**

Michel Ciment e Stéphane Goudet:Por que quase três anos separam Através das Oliveiras (1994) e Gosto de cereja (1997)?
Abbas Kiarostami: Não tive sorte no fim da filmagem. Rodei a primeira parte durante 45 dias. Mas não conseguia me decidir sobre o fim da história. Preferi parar o processo e, só depois de um tempo, retomei. Eu queria filmar uma primavera bem verde. Tive, então, que esperarum ano para terminar a última cena, na primavera seguinte. Além disso, sofri um acidente de carro que me deixou imobilizado durante quatro meses e atrasou também o fim. Ainda assim, acho que esses atrasos sucessivos foram benéficos para o filme.
No momento da estreia de Através das oliveiras, você evocou a possibilidade de realizar uma continuação desse filme, Os sonhos de Tahareh, contando a mesma história, mas segundo o ponto de vista da mulher.
É verdade, tudo levava a esse projeto, mas, na última hora, a poucos dias da filmagem, não me senti disposto a começá-lo. Eu tinha trabalhado nele durante um ano e meio, em tempo integral, e conhecia todos os detalhes, as causas e os efeitos. Disse pra mim mesmo que a filmagem não me ensinaria mais nada, não traria nada de novo. Sinto como se o tivesse realizado.
Quando você escolheu o título Gosto de cereja?
O título do filme foi modificado três vezes. Na verdade, foi a primeira vez que tive bastante tempo para alterar o título a meu bel-prazer. Eu tinha pensado em Viagem na aurora. Depois pensei em Eclipse, até que por fim me decidi pelo atual.
Esse título mantém por muito tempo um contraponto com a paisagem, com aquelas árvores queimadas, os rochedos, os detritos, as cores ferrugem e esfumaçadas. Por que esse cenário?
Filmei a vinte minutos de carro ao norte de Teerã, no outono, estação do ano em que a natureza está morrendo, para que o cenário estivesse em harmonia com a personagem e seu estado de espírito. O fim do filme, na primeira cópia, é muito verde, brilhante, cheio de flores, marcando a volta da primavera, a renovação da vida.
Seus três últimos filmes, E a vida continua (1992), Close-up (1990) e Através das oliveiras, são também, de certa maneira, obras sobre o cinema. Aqui, esse aspecto quase desaparece, com exceção do epílogo em vídeo.
Acho que em Através das oliveiras eu já tinha ultrapassado a noção de “cinema dentro do cinema”, mas ainda não tinha encontrado a ideia para substituí-la. Se uma trilogia requer um fio condutor, então os três filmes que você citou formam, efetivamente, um conjunto. Desse ponto de vista, há uma cisão com Gosto de cereja. A rigor, esse filme poderia ser, em vez de Onde fica a casa do meu amigo? (1987), o primeiro da trilogia em torno do confronto entre a vida e a morte.
O que acontece na hora da fusão sobre preto antes do epílogo, além de uma substituição da personagem principal pelo diretor do filme?
Eu não queria que houvesse, na última parte do filme, a menor referência sobre a morte e me negava a mostrar se o “herói” estava morto ou vivo. Queria abstrair essa pergunta e, principalmente, evitar o happyend, o fim bonitinho e superficial, que teria criado na cabeça do espectador a seguinte pergunta: por que não fazer um filme sobre um suicídio bem-sucedido? Com o fim que escolhi, cabe à imaginação do espectador decidir. Estatisticamente, em dezoito casos de suicídio, dezessete tentativas fracassam. Logo, o que mais me interessa é o êxito, é dele de que tenho mais vontade de falar. Mas eu não queria fazer uma tragédia. Então decidi acrescentar esse epílogo em vídeo, cujo suporte o distingue do que precede. Para mim, o filme acaba na noite escura. A continuação é como um post-scriptum que fecha um romance. Ele não é, portanto, de fato, “cinema dentro do cinema” ou uma miseenabîme, procedimento hoje tão difundido no cinema iraniano que, a meu ver, perdeu todo interesse. É um epílogo que mostra simplesmente que, independentemente do que se passou com a personagem principal, a vida continua. Pois não havia necessidade, para mostrar a morte em geral, de passar pela morte desse indivíduo singular. Eu queria deixar registrada a consciência da morte, a ideia da morte, que só o cinema torna aceitável. Essa ideia ocorre quando a escuridão se impõe, quando todas as luzes se apagam na tela. A lua desaparece atrás das nuvens, e tudo fica escuro. Percebemos, então, que não há mais nada. Pois a vida vem da luz. Aqui, o cinema e a vida formam um único. Porque o cinema, ele também, é luz. Eu deixei um minuto e meio de tela escura no plano. Minha equipe me disse que era tempo demais, que os espectadores sairiam da sala. Mas o escuro tinha que ser prolongado, para que o espectador fosse confrontado com a não existência, que, para mim, remete à simbolização da morte. A fim de que ele olhasse a tela para não ver nada. Quando o verde da primavera retorna, é, a um só tempo, a ressurreição da vida e da imagem. Quase sempre, quando uma pessoa morre, nosso primeiro gesto é fechar seus olhos. Agimos como se recolocássemos a tampa sobre a lente de uma câmera fotográfica. Todo filme é um documentário sobre a vida, ele prova sua existência, sua persistência. A filmagem em vídeo está ali, simplesmente, para revelar o retorno da primavera.
Você evocou, a propósito do filme, a poesia de Omar Khayyam, que escreveu: “A vida só está separada da morte pelo espaço de um sopro”. Você se sente próximo dessa poesia, que associa os contrários e conjuga metafísica e sensualidade?
Gosto principalmente da simplicidade das poesias de Khayyam, para além de sua inteligência, sua sensualidade, sua precisão, sua concisão. A leitura de seus poemas tem para mim a força de uma bofetada. Constantemente, ele nos lembra da presença da morte e de nossa necessidade de viver com ela. Para ele, a vida consiste em ter em mente que o ar que inspiramos deve sempre ser expirado. Mostra-nos que a respiração, apesar das aparências, é um ato complexo, que acaba sempre dando errado. Seus poemas nos colocam sem a menor cerimônia diante da morte, e nem por isso são pessimistas; nos incitam a tomar consciência de nossa condição humana, mas para louvar ainda mais a vida. Por isso Khayyam gosta tanto de elogiar o vinho, o prazer e a embriaguez que dele advém. Segundo ele, a vida passa tão depressa que não devemos perder nem mesmo um instante para ter um bom momento. O prazer do instante é nossa finalidade na Terra – pelo menos enquanto ninguém volta de outro mundo para nos dizer que era ruim beber! Vou recitar para vocês um poema de Khayyam:
“Não tenho prazer algum em viver sem um excelente vinho
Sem o vinho, não poderia suportar o peso de meu corpo
Seria até mesmo difícil andar
Pois o vinho é meu combustível
Nos mais belos momentos de minha vida, vejo mulheres servindo-me vinho
E me servem mais e mais até a saciedade,
Instante de inconsciência em que meu corpo não aguenta mais”.
Pela primeira vez, você procurou locações gravando em vídeo antes de filmar Gosto de cereja. Qual foi a contribuição desse método?
Normalmente os roteiros são escritos com cuidado, em casa; depois procuramos as locações para a filmagem. Dessa vez, meu filho e eu pegamos um carro, levamos uma câmera e fomos explorar o terreno para trabalhar diretamente no espaço do filme. Foi uma experiência nova para mim. Eu tinha determinadas sensações em relação ao espaço que me cercava. Além disso, podia observar as pessoas pela tela da câmera. Meu filho filmava, mas não sabíamos exatamente para quê. Quando achamos o ator principal, em vez de lhe dar o roteiro e conversar com ele, mostramos o que fora filmado para que se impregnasse de nossa ideia. E, quando a filmagem começou, já não era necessário lhe dar precisões do estado em que ele devia ficar nesse ou naquele instante, que emoção devia representar ou não... Ele só tinha que reproduzir o que tinha visto na tela, substituindo minha cabeça pela dele, já que eu tinha desempenhado todos os papéis na pré-filmagem em vídeo.1 A principal contribuição desse método foi condicionar os atores não por meio das palavras, mas por meio da imagem. Os atores não tinham que modular sobre o que estava escrito no roteiro, tampouco lutar para se destacar de um texto muito imponente que tinham decorado sem conseguir se apropriar dele. Mostrar-lhes o vídeo os liberava do peso do texto e preservava a naturalidade deles, que não se perdi durante o aprendizado dos diálogos. Na verdade, durante a filmagem, dois “atores” nunca se encontraram. Cada vez que um personagem fala em um plano fechado, eu estou do outro lado da câmera para lhe dar a réplica e me esforço para despertar nele certas emoções. O idoso, o jovem soldado, o jovem seminarista, de quem eu era o único interlocutor, certamente ficaram surpresos de não me ver no filme!
Por que você utiliza com tanta frequência o carro como lugar, como personagem, como metáfora?
Um dia me dei conta de que passava dentro do carro não apenas muito tempo, mas também diversos momentos importantes. Na verdade, eu tenho ali dentro uma vida interior muito mais interessante do que em casa, onde estou sempre me movimentando. Em casa não tenho tempo de meditar. Mas, quando você está dentro de um carro, com ou sem cinto de segurança, você fica imóvel. Ninguém o incomoda. Não há telefone nem geladeira nem visita inesperada. Então eu trabalho ao volante. É meu único escritório possível, um cômodo íntimo, como uma pequena casa, onde não há nada de supérfluo e onde, além de tudo, estamos diante de uma tela gigante constituída pelo para-brisa que nos oferece um travellingcinematográfico interminável. Você entra ali, e a visão lhe escapa. Você sai do carro e descobre a paisagem. Como no cinema. É o melhor lugar que conheço para olhar e para refletir.
Quando filma dentro do carro, você fica restrito a planos fechados. Ora, você se queixa que os atores em close perdem a espontaneidade e ficam excessivamente “conscientes” de que estão representando. Como você lida com essa contradição? Com que dificuldades técnicas você se defronta quando filma no carro?
O mais difícil é que o olhar do câmera, nesses momentos, não está atrás da câmera. E isso é também uma vantagem, pois ninguém incomoda o ator. Ele se sente mais à vontade com essa câmera sozinha diante dele, sem equipe técnica. Quando o câmera e seu assistente regulam o foco, sempre incomodam o ator. Nesse filme, a câmera estava imóvel, fixada no carro, o que nos valeu algumas surpresas: a ponta do nariz do ator sai do campo, por exemplo. A ausência do câmera permite amenizar essa dificuldade que você evocou e que explica, em parte, minha predisposição a planos de conjunto. Quando a câmera faz um travellingcom uma equipe atrás dela, evito deixá-la próxima demais do ator. Prefiro que seja sempre discreta. Nos planos de carro, fico sentado com a câmera bem atrás de mim. Falo com o ator não sobre o filme, mas sobre a vida cotidiana. Quando sinto que ele está confortável, que esqueceu a câmera, eu lhe faço a pergunta principal e aperto o botão para filmar. Suprimo, portanto, o cerimonial do “silêncio, motor, corta, claquete”, que traumatiza o ator.
Que relação você estabelece entre o deslocamento do carro e a fala?
Essa é uma questão importante para mim. Dentro do carro, as pessoas tornam-se rapidamente íntimas. Quando estamos sentados ao lado de alguém de quem somos muito próximos (familiares) ou que mal conhecemos (e continuaremos sem conhecer), quase sempre ficamos confortáveis. Ali as relações e os encontros sempre serão mais interessantes.
Você começou sua carreira com filmes quase sem diálogos (O pão e o beco [1970], A experiência [1973]), e hoje seu foco é o uso do verbo. Como você sente essa evolução?
Realmente não consigo explicar. Só me lembro de que, na época de meus primeiros filmes, eu não era de muita conversa; hoje sou bem mais. Às vezes acontece de ficarmos em silêncio na presença de algumas pessoas e de sermos muito conversadores com outras. Tudo depende também do instante e do interlocutor. Nem o mutismo nem o excesso de palavras me assustam. Em Gosto de cereja, tentei compartilhar os momentos de discussão, trabalhar o ritmo e alternar uma cena dialogada com uma sem falas. Tinha a intenção de criar, entre as cinco pessoas que trocavam ideias, um espaço geográfico, cênico, no qual não há conversa.
Daí a musicalidade do filme.
Muito obrigado.
Um dos métodos recorrentes em seu cinema – seus documentários e suas ficções – é o do questionamento. Por que o diálogo legitimou a prática dessa forma de ir ao encalço, que você recusa na imagem, quando exclui qualquer panorâmica, qualquer close inquisidor sobre as personagens?
Para mim, tudo provém do questionamento, que é uma forma de curiosidade. Se nos referirmos aos psicólogos e aos psicanalistas, perguntar consiste em fazer o inconsciente surgir no consciente. O cinema pode, às vezes, à sua própria maneira – massiva, popular –, rivalizar com a psicanálise. Se esse filme permitisse, por exemplo, pelo menos que um suicídio fosse evitado... Não porque a religião proíbe, mas porque o espectador tomaria consciência do valor da vida. Setenta por cento das pessoas já pensaram ao menos uma vez em se matar. Se o filme, intervindo no momento certo, der algumas respostas para quem estiverpensando em suicídio, eu terei criado – e esse espectador singular terá criado comigo – algo positivo a partir de algo negativo.
Como você vê o suicídio?
Há dois anos, o vencedor do prêmio Pulitzer escreveu uma carta antes de se suicidar: “Hoje recorro ao primeiro de meus direitos fundamentais para desaparecer deste mundo”. Arthur Koestler indicava que, no dia em que não se sentisse mais útil aos outros, ele deixaria de viver. No Japão, o suicídio tem, cultural e socialmente, um significado muito particular. O aspecto existencial ou existencialista é mais forte ainda, pois cada pessoa reconhece que tem responsabilidade no curso dos acontecimentos. E quando uma pessoa julga que não está mais apta a assumir suas responsabilidades, ela tem o pleno direito de escolher não viver mais. Na verdade, a tomada de consciência da possibilidade do suicídio nos torna, a meu ver, mais conscientes de nossa responsabilidade em relação à vida. Gosto de cereja, de certa maneira, adota uma abordagem existencialista da vida. Estamos aqui para fazer alguma coisa, para nos sentirmos plenamente responsáveis por algo. Você pode observar que só por meio do questionamento podemos chegar a esse tipo de raciocínio. O suicídio é proibido no Irã, proscrito como um ato negativo, niilista. Mas cabe à arte colocar esse problema em primeiro plano, chamar a atenção dos espectadores para essa questão de extrema importância. Quando Kierkegaard era jovem, ele teve que responder, na aula de poesia, à seguinte questão: “O que você quer ser? Olhe à volta, as profissões que as pessoas exercem, e escolha a que você deseja para você”. Kierkegaard conta que observava ali um motorista de metrô, aqui comerciantes, lá o pessoal de manutenção de um parque, em suma, empregados que, a seus olhos, ajudavam os outros. Ele sentou-se em um parque e pensou que não queria ter nenhuma dessas profissões. “Eu queria”, ele se deu conta, “incomodar a consciência das pessoas”. Mas é evidente que você cria uma desordem para criar uma nova ordem; se possível, melhor. Distinguem-se três etapas na evolução psicológica. São elas: forming, storminge norming(formação, tormenta, normalização). Essas três etapas só podem surgir do questionamento, da dúvida. Com a condição de que as questões não sejam as mais simples nem as mais amáveis. É preciso enfiar a faca no peito e não hesitar em cutucar a ferida para tirar o que há de mais profundo no homem. É a única maneira de produzir um efeito e, talvez, de exercer influência. Aí está toda a importância, toda a nobreza da arte. O essencial é estar em conflito e se colocar, precisamente, “em questão”.
Por que você faz do suicídio, gesto essencialmente individual e solitário, um gesto para ser realizado a dois, que precisa de ajuda externa?
Não fui eu quem decidiu recorrer à ajuda externa. Foi a personagem. Sou apenas o espectador dessa situação. Eu também gostaria de saber o motivo de sua tentação suicida. No filme, o idoso pergunta ao motorista: “Por que você não fala? Qual é o seu problema?”. Mas ele não responde. Eu não sei quais são esses problemas nem tenho muita vontade de que o espectador saiba mais sobre eles. Meu objetivo, de todo modo, não é fazer o público chorar por sua sina. Ele não responde às perguntas dos três passageiros e, além disso, frustra nossa curiosidade. Como espectador, eu tento imaginar o que pode levá-lo a pedir ajuda para cometer suicídio. Mas as hipóteses formuladas para responder a essa pergunta na hora da escrita me pareciam ser mais interrogações de espectador do que de diretor. A única ideia que exploro no filme, como diretor, é que aquele homem talvez esteja simplesmente buscando, esperando se comunicar. Cioran conta que às vezes era solicitado por seus doentes, mas não tinha tempo para cuidar deles. Às vezes alguns abriam a porta para entrar à força na sala em que ele cuidava de seus pacientes, ameaçando se matar na hora. Cioran lhes respondia: “Excelente ideia. Por favor. É fácil e rápido fazer isso. Vá em frente”. Geralmente o doente se retratava: “Tá, mas estou com um pequeno problema. Esqueci que tinha uma coisa para fazer. Minha meia está furada... Meus pés estão sujos. Tenho que trocar a camiseta...”. Cioran conclui daí que eles não tinham a menor intenção de se matar. Estavam simplesmente pedindo atenção. Não é por acaso que a cada dezoito tentativas, dezessete fracassam. Isso traduz também o pouco desejo de morrer daqueles que se arriscam a fazer esse gesto. Poderíamos quase dizer que procuram com esse ato um pretexto para viver. Eu tinha imaginado que quando víssemos pela janela o candidato à morte, na véspera de seu suicídio, indo e vindo em seu quarto, ele poderia estar com um termômetro na boca para verificar se não está doente. Como ele também se recusasse a comer ovos explicando que é ruim para o colesterol. Em suma, vários detalhes que exprimem uma tergiversação entre o desejo de vida e o desejo de morte. O estudo das tentativas de suicídio, “bem-sucedidas” ou não, revela, no mais das vezes, muitos pontos positivos inimagináveis. No filme, o idoso acaba dizendo: “Se você quer realmente morrer, eu o ajudo. Enquanto indivíduo, você nasceu livre, até mesmo para dar cabo de sua existência”. É um ponto de vista bem diferente do que um religioso poderia defender, e que diria: “Não, você não tem direito de se matar”. O idoso lhe explica o contrário: “Como ser humano, você desfruta da liberdade de cada uma de suas escolhas”. A escolha de morrer é a única prerrogativa que um ser humano pode ter em relação a Deus e às normas sociais. Na vida, tudo nos foi imposto quase que desde o nascimento: data e local de nascimento, pais, casa, nacionalidade, físico, cor de pele, cultura... Nosso livre-arbítrio é, no final das contas, muito pouco solicitado por tudo o que um indivíduo faz. O artigo publicado no Le Monde durante o Festival de Cannes estava, portanto, totalmente certo ao inserir aquele subtítulo ao filme: “Um carro para a liberdade”. Essa liberdade fundamental de morrer cria, em seguida, outras liberdades, conquistadas uma a uma.
Em Gosto de cereja, assim como em Solução número 1 (1978) ou em Onde fica a casa de meu amigo?,diante de um problema ético, em relação ao outro, a resolução é, por fim, individual. Por que essa escolha recorrente?
Para mim, cada personagem é importante. Mas, em determinado momento, um deles deve se sobressair e ficar no centro do filme. Como nos quadros de grupo de Auguste Renoir, nos quais a multidão está na sombra e a luz distingue um único rosto. (Quando a posição no centro do quadro, por exemplo, não basta para valorizá-lo.) Acredito, aliás, que só pode haver moral individual.
Existe algum equivalente em persa da expressão, particularmente adaptada ao filme, “Ajuda-te, e o céu te ajudará”?
A expressão existe em persa. Dizemos mais precisamente: “O movimento (o gesto) é seu; de Deus vem a recompensa”.
Os três passageiros não questionam da mesma maneira o motorista. Como você caracterizaria cada um deles?
O primeiro, o soldado, representa a inconsciência e a juventude – e, para mim, no final do filme, todos aqueles soldados correndo no campo são o símbolo desse frescor, dessa juventude. O religioso encarna uma determinada posição do discurso e do saber, impondo, a priori, as fronteiras entre o bem e o mal – para além do dogmatismo religioso, eu designo, por meio dessa personagem, todas as convenções sociais impostas e jamais explicadas. Quanto à terceira pessoa, é um iluminado, um filósofo que, embora iletrado, tomou consciência dos verdadeiros valores pela experiência, pela vida. Daí seu direito de falar da liberdade de morrer como expressão do livre-arbítrio. “É você quem decide sozinho. Ninguém vai impedi-lo.”
Mas ele é taxidermista; logo, também tem uma relação singular com a morte...
É verdade, mas ele tem uma visão sensata da morte. Ele diz que mata pela vida, para aprender a viver. Se mata pássaros, é para os empalhar, preservar, e, de certa maneira, conservá-los vivos, oferecer-lhes uma forma de eternidade.
O lugar do espectador também muda com a sucessão desses três passageiros. No momento do primeiro encontro, o espectador e o passageiro não sabem nada sobre as intenções do motorista; no segundo, o espectador sabe qual é seu desejo, mas a personagem não; no último encontro, os dois estão a par da situação.
Segundo as normas clássicas, é inútil dar várias vezes as mesmas informações ao espectador. Na verdade, esses três indivíduos têm por função essencial servir ao espectador, ajudá-lo em sua busca de sentido. No terceiro encontro, o questionamento se dá em outro lugar. O porquê é ultrapassado e já não interessa. Encontramos esse tipo de substituição entre personagens no teatro iraniano. A primeira pessoa vai para o palco, fala de si mesma ao espectador, depois vai embora. Uma segunda personagem se apresenta, dá informações complementares, antes de sair também do palco, e assim por diante.
Você insistiu muito, no momento da estreia de Através das oliveiras, na necessidade de dar mais espaço ao espectador para que ele seja o verdadeiro coautor do filme. Em que medida Gosto de cereja satisfaz essa exigência?
É verdade, eu tive essa meta. Inclusive ao não explicar o que movia o motorista. Além disso, preferi deixar o filme inacabado para que o espectador o terminasse por mim. Dei concretamente livre curso à imaginação dele quando me recusei a lhe dar as respostas prontas. Essa abertura vale também para mim na cena de dissecação: não mostro nada, mas faço com que ruídos sejam ouvidos; eles permitem imaginar o que está acontecendo. Não se veem o escalpe nem os pássaros nem o professor nem os alunos, mas acredito que os espectadores imaginam claramente a cena. Sempre que temos a oportunidade de incluir cenas em que podemos solicitar a imaginação do espectador, nós lhe oferecemos a possibilidade efetiva de criar o filme conosco. Dirigimos suas ideias e guiamos sua imaginação para que ele tenha, em seguida, o cuidado de refletir por si mesmo sobre o devir das personagens, sobre o final do filme etc. Um poema de Molavi, há mil anos, já pedia para o leitor imaginar a continuação das frases e das histórias que ele anuncia.
O que representa no filme, e em seu cinema, o retorno à cidade, quase vinte anos depois de O relatório (1977), seu filme mais urbano?
Esse retorno à cidade não foi programado. Aconteceu sem que eu me desse realmente conta. Mas nada me impede de voltar para o campo em meu próximo filme. Eu queria, no entanto, que se assistisse à constituição da cidade. Daí essas áreas em obras e também a fábrica que tritura pedras para fazer areia, depois o concreto. Não a coloquei ali unicamente para homenagear Bouygues!2 Sério, para mim a construção da cidade tem relação com a aceitação das responsabilidades, que considero o principal tema do filme. Estar vivo é como estar em uma sala de cinema. A partir do momento em que temos um bilhete de saída e, entretanto, aceitamos ficar, temos que mostrar que somos responsáveis.
Como você escolheu o intérprete principal?
HomayounErshadi é um arquiteto que conheci na galeria em que ele vendia antiguidades. Fui logo avisando que ia lhe fazer mal, desrespeitá-lo. Mas o acalmei também dizendo que o suicídio é um pecado autorizado pelo cinema. Ele tinha uma personalidade parecida com a do motorista. Apesar do tempo de filmagem, nossa relação não evoluiu entre o primeiro e o último dia, e nunca ficamos de fato íntimos. Mas acredito que, felizmente, esse filme tenha lhe permitido se sentir melhor no plano afetivo.
Você pensou em inserir uma personagem feminina nesse filme e – por que não? – nesse carro?
Pensei que a mulher estaria tacitamente presente, no plano de fundo do filme, na mente do espectador. Parece-me que esse tipo de tema pede, como explicação possível, um problema de casal. A ausência da mulher me parecia ser um meio de lhe dar ainda mais importância e valor do que sua presença fugidia. O fato de não aparecer na tela lhe dá a possibilidade de estar presente na consciência de cada espectador. Quando o vemos pela última vez através da janela, podemos nos perguntar onde estão sua esposa e seus filhos, o que estarão fazendo. Devo dizer que, para mim, atrás de cada homem bem-sucedido se esconde uma mulher extraordinária. Vale dizer que uma mulher poderia muito bem estar atrás daquele homem que está mal, pois a relação amorosa, no sentido pleno de um casal, é provavelmente a coisa mais séria que nos é dado viver. Não necessariamente a mais importante, mas a mais séria!
Você ficou surpreso com o fato de, às vezes, a primeira meia hora do filme ser vista como uma cena de paquera homossexual?
É claro que criei propositalmente essa impressão. Esses mal-entendidos um pouco viciosos me parecem interessantes. Gosto muito das crianças. Sinto muito prazer em falar com elas. Mas sei que alguém vendo isso de fora pode se enganar completamente sobre o que está acontecendo na conversa. Gostei de induzir o espectador ao erro e de remetê-lo a sua própria perversão, a suas próprias fantasias.
Por que mostrar o carro dando voltas e percorrendo, com exceção da última viagem, sempre o mesmo caminho?
Essa miseenscènecircular faz parte da simbologia do filme. Dar voltas no mesmo lugar é, de fato, não ir a nenhum lugar. Estar em movimento para nada. Sem que haja sentido. É preciso ir de um ponto a outro para realmente avançar. Esse percurso remete, portanto, à ideia de inércia. E o que não se mexe, não cresce, não progride, está doente ou condenado a morrer.
Por que essa escolha musical na última sequência?
Como meus filmes não têm fim, gosto de terminá-los com uma música, inclusive para assinalar ao espectador que os créditos vão aparecer. Essa música, música de morte entoada sobre um cadáver, me interessou pela sensualidade do trompete de Louis Armstrong.3 Apesar de tudo, ela é alegre e otimista e servia, portanto, idealmente, à ideia de vida que devia emanar do filme. Além disso, ela me parecia estar muito próxima da poesia de Khayyam, na qual a alegria consegue surgir da dor. Como uma música de sepultamento que exalasse vida, quietude e até mesmo felicidade...
Qual é seu próximo projeto?
O título é Cerimônia especial. Ele será produzido por Marin Karmitz, e devo começar as filmagens em outubro, no Irã. Mas não quero dizer nada além disso. Ainda não...

Tradução do francês por Eloisa Araújo Ribeiro

Notas:
* Entrevista realizada em Paris no dia 29 de maio de 1997. Traduzida do persa para o francês por PedramMemarzadeh. (N.) Publicada originalmente com o título “Entretienavec Abbas Kiarostami – Unapprocheexistentialiste de lavie”, Positif, n. 442, dez. 1997. (N. E.)
** Ciment é crítico, jornalista e professor (Université Paris Diderot VII). Publicou, entre outros, Passeportpour Hollywood: entretiensavec Wilder, Huston, Mankiewicz, Polanski, Forman & Wenders (1992), Fritz Lang: lemeurtre et laloi(2003) e Le cinémaenpartage(com N. T. Binh, 2014). Goudet é crítico e professor (Université Sorbonne – Paris I), e entrevistou Kiarostami diversas vezes para a revista Positif; publicou Jacques Tati, de François lefacteur à Monsieur Hulot(2002) e Buster Keaton (2008). (N. E.)
1 Esse filme, montado e mixado pelo filho de Kiarostami, seria apresentado em 1997, no Festival de Locarno. Problemas técnicos impediram a projeção.
2 Coprodutor e distribuidor do filme pela produtora Ciby 2000.
3 Substituído depois de Cannes, a pedido da produtora Ciby 2000 por questões de direitos musicais, por trompetistas iranianos, tal como "Time, do Pink Floyd, desaparecera subitamente dos créditos de Através das oliveiras depois do festival de 1994.

Texto extraído do catálogo Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami. Organizado por Fábio Savino e Maria Chiaretti (CCBB, 2016)

sábado, 24 de setembro de 2016

Cine FAP: Dez, de Abbas Kiarostami


Dez sequências na vida emocional de 6 mulheres e os desafios com que elas se deparam num momento particular de suas vidas. Dez episódios que se passam em dias diferentes, mas sempre no carro de uma jovem mulher. Divorciada e recém-casada com outro homem, ela tem um filho do primeiro casamento que, no entanto, não cansa de culpá-la por não agir dentro do código moral do Irã. Além de seu filho ela dá carona a várias mulheres, uma prostituta, uma jovem apaixonada e uma senhora, criando um retrato da feminilidade no Irã.
Após a sessão, realizamos uma discussão mediada pelos integrantes do cineclube.

Sessão:
Dez (Dah, Irã, 2002
, 94 min.)
dia 26/09 (segunda-feira)
às 19h
no Auditório Antonio Melillo, na FAP - Faculdade de Artes do Paraná/UNESPAR
(Rua dos Funcionários, 1357, Cabral)
ENTRADA FRANCA


Realização: Cine FAP 
Apoio: Cazé - Centro Acadêmico Zé do Caixão 
Coletivo Atalante


sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Cineclube da Cinemateca: "Gosto de cereja" de Abbas Kiarostami

Neste domingo dia 25, às 16h, o Cineclube da Cinemateca apresenta "Gosto de cereja", encerrando a Homenagem a Abbas Kiarostami. Em outubro é a vez do Cinema feérico de Raúl Ruiz. Sempre com entrada franca!


Cineclube da Cinemateca apresenta:
"Gosto de cereja" de Abbas Kiarostami

Homem viaja pelos campos, tentando angariar trabalhadores avulsos para satisfazer seus desejos reprimidos: Ele procura alguém que o ajude a morrer, mas vive em uma sociedade onde suicídio é uma abominação.

Serviço:
25 de setembro (domingo)
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321 – 3552
ENTRADA FRANCA


Realização: Cinemateca de Curitiba e Coletivo Atalante

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ABBAS KIAROSTAMI: CINEMA DE INCERTEZA, CINEMA DE ATRASO* (fragmento)


Laura Mulvey**

Em Gosto de cereja (1997), Kiarostami combina a busca do protagonista pela morte com o estilo cinematográfico fluido que desenvolvera em seus dois fil­mes anteriores, Onde fica a casa do meu amigo? (1987) e E a vida continua (1992). Filmando de dentro de um carro, os movimentos da câmera delineiam o movimento da jornada de modo a fundir o movimento do cinema, uma nar­rativa rumo a seu fim e o inevitável fim da vida. Aqui, a topografia da pulsão de morte difere do sentido horizontal da pulsão de “morte conjunta” em fil­mes B ou, por exemplo, do percurso inconsciente de Marion rumo à morte na primeira seção de Psicose (Psycho, Alfred Hitchcock, 1960). A jornada se dá em grandiosos movimentos circulares pela paisagem, retornando de vez em quando ao lugar escolhido pelo motorista para sua futura cova. O senhor Badii decidiu suicidar-se. Está disposto a pagar uma grande quantia de dinheiro a alguém que vá até sua cova na manhã seguinte, confirme sua morte e enter­re seu corpo. Suas tentativas de convencer três homens diferentes a aceitar tal proposta dividem o rumo narrativo do filme em uma série de encontros, todos transcorridos em seu carro. O primeiro homem, um soldado curdo, salta do carro e foge, horrorizado, quando o motorista estaciona para lhe mostrar a cova. O segundo, um seminarista afegão, tenta dissuadir Badii, argumentando que suicídio é pecado. O terceiro, um homem mais velho e que trabalha como taxidermista, tenta, num primeiro momento, dissuadi-lo, argumentando que a vida vale a pena pelos pequenos prazeres, como, por exemplo, o gosto da cereja. No entanto, depois concorda em ajudá-lo justifi­cando que a escolha entre vida e morte é um direito natural.
Por sua vez, “o fim” é representado metaforicamente nos diferentes níveis alegóricos da história, da estrutura narrativa e do cinema. Quando o senhor Badii chega à cova, a tela mostra o céu noturno com uma tempestade que se aproxima. A lua se esconde por trás das nuvens, a tela entra em fade e permanece negra. “Sabe-se que não há nada lá”, diz Kiarostami. “A vida se origina da luz. Aqui, o cinema e a luz se fundem. Porque o cinema também não é senão luz... O espectador precisa confrontar essa não existência que, para mim, evoca uma morte simbólica.”1 Depois da tela negra, que representa o fim da vida, da narrativa e do cinema, uma pequena coda mina a finali­dade desse encerramento. Gravada em vídeo, a imagem granulada mostra a paisagem transformada no tom verde da primavera; a equipe de filmagem trabalhando; HomayounErshadi, que interpreta o senhor Badii, acendendo um cigarro; os soldados descansando na beira da estrada. Embora o tema da morte exija finalidade, à maneira de Hitchcock, Kiarostami termina seu fil­me mais no espírito de Rossellini em Viagem à Itália (Viaggio in Italia, 1954), no qual, após o final formal, a obra casualmente indica que a vida continua. No entanto, “St. James’ Infirmary”, interpretada por Louis Armstrong, entra na trilha sonora, acompanhando a sequência de coda. A canção, em dois ver­sos, fala simplesmente de um homem que encontra sua amante falecida, no necrotério, e depois visualiza a própria morte. Embora a sequência mine um final calcado na pulsão de morte, ela reconhece a produção do filme. A morte simbólica de Kiarostami anuncia, então, que a rodagem acabou.
As preocupações temáticas e o estilo de Gosto de cereja surgem de forma destilada; esse filme é um dos mais abstratos de Kiarostami. Peter Brooks comenta sobre a significação de repetições em narrativas da pulsão de mor­te. A repetição, no texto, detém o movimento progressivo, postergando ou atrasando o fim. Brooks assinala que a linha da narrativa não pode seguir o caminho mais direto de um ponto a outro sem se desviar do curso. “A dis­tância mais curta entre o começo e o final seria o colapso de um no interior do outro, da vida na morte imediata.”2A forma narrativa em que o princípio do atraso se traduz pode variar significativamente – por exemplo, construída em torno de uma estética de suspense ou, de forma mais extrema, da intru­são da digressão ou dos “passeios aleatórios” que Gilles Deleuze associa ao afrouxamento da imagem – movimento, como no caso de Viagem à Itália, de Rossellini. No cinema de Kiarostami, uma estética da digressão conduz a uma estética da realidade, não em oposição simplória à ficção, mas rumo a maneiras segundo as quais o cinema reconhece suas limitações represen­tativas. Na trilogia de Koker, rodada entre 1987 e 1994, Kiarostami retornou duas vezes a uma obra anterior e tentou mobilizar um cinema de observação que acompanharia ausências na representação, as quais são, em geral, deslo­cadas pela necessidade de um sistema de ordenação determinado externa­mente, tal como a coerência narrativa.
Abbas Kiarostami foi acachapado em 1990 por um evento real e traumá­tico que afetou seu cinema. Em 1987, ele realizou Onde fica a casa do meu amigo?,que ganhou, em 1989, o Leopardo de Bronze no Festival de Locarno. O filme se passa nos vilarejos de Koker e Potesh, centenas de quilômetros ao norte do Teerã, e conta a história de um menino de cerca de dez anos de idade, Ahmed (BabekAhmedapour), que percebe que o amigo Mohammed Nemat­zadeh (Ahmed Ahmedapour) deixou cair um caderno de exercícios depois da aula. Como não conseguirá fazer o dever de casa, Mohammed será punido no dia seguinte pelo professor; portanto, Ahmed vai de Koker a Potesh para devolver o caderno e achar a casa do amigo. Ninguém no caminho parece capaz de ajudá-lo. Começa a anoitecer, e Ahmed vai ficando nervoso; então, a repentina aparição de um cavalo saído das sombras faz seu medo emergir. Um idoso tenta, de maneira um tanto ineficaz, ganhar a amizade do garoto. Quando Ahmed volta para casa, ele faz tanto seu dever de casa quanto o do amigo, e ambos são aprovados no dia seguinte, na escola.
Todos os intérpretes são oriundos dos próprios vilarejos, e o filme foi uma elaboração dos temas que Kiarostami desenvolvia em seus trabalhos para o Kanoon – instituto para o desenvolvimento intelectual de jovens e adultos havia anos. O filme continua a dramatizar a importância das crianças no con­texto pós-revolução e chama atenção à relevância da educação na criação de uma nova geração articulada e socialmente consciente. Numa sociedade em que tanto pais como professores tinham uma tendência evidente a tratar as crianças com um misto de crueldade e indiferença, fazia-se necessário dar a elas voz e um ponto de vista.
Em 1990, após o filme ter se tornado o primeiro sucesso internacional de Kiarostami, houve um terrível terremoto na área em que Onde fica a casa do meu amigo? foi rodado. Muitas pessoas morreram, a economia agrícola foi devastada e os camponeses dos vilarejos arruinados foram viver em cam­pos improvisados no entorno das estradas principais, onde poderiam receber auxílio. Em E a vida continua, FarhadKheradmand, amigo de Kiarostami, interpreta o “diretor” de Onde fica a casa do meu amigo? que ouve falar do desastre em sua casa, no Teerã, e volta à região acompanhado pelo próprio filho pequeno, Puya (interpretado pelo filho do diretor de fotografia). Durante o dia, eles tentam chegar a Koker por estradas congestionadas ou tomando atalhos por vias secundárias, tentando descobrir se os irmãos Ahmedapour haviam ou não sobrevivido. Ecoando o filme anterior, começa como uma jor­nada e uma missão, sendo a busca original pela casa do amigo transposta à busca pelos próprios meninos. Farhad e Puya mostram às pessoas o cartaz do filme, no qual estão os meninos, para ajudar na identificação. Na zona do terremoto, a câmera desliza a partir do carro em movimento ao longo de tre­chos de estrada margeados por casas e vidas arruinadas. As pessoas cavam os escombros, tentam resgatar pertences ou digerir a tragédia. O filme se detém para registrar e gravar essas cenas de devastação, morte, perda e pes­soas estonteadas pelo terremoto: “Ele atacou como um lobo faminto, matando tudo que estava em seu alcance”, “restam apenas ruínas e miséria”. Pessoas de todas as idades relatam as perdas familiares e histórias de sua própria sobre­vivência e especulam acerca da responsabilidade de Deus pelo desastre. Pela janela do carro, o diretor, Farhad, observa à volta as vidas devastadas e, assim, um filme futuro, com o testemunho do sofrimento e da coragem daquelas pessoas, começa a tomar forma em sua mente. É nesse ponto que o filme passa a olhar para dois lados diferentes. Com a busca pelos meninos e o encontro fortuito com o senhor Ruhi, que havia interpretado o velho que tenta ajudar Ahmed em Onde fica a casa do meu amigo?,E a vida continua volta o olhar para o passado, mas as experiências e os encontros do diretor conduzem tam­bém ao futuro, ao terceiro filme da trilogia.
Através das oliveiras (1994) é um documentário dramatizado que recons­trói episódios tomados durante a jornada de Farhad pós-terremoto. FarhadKheradmand interpreta, ainda, o “diretor” original de Onde fica a casa do meu amigo? e participa de cenas que testemunhou em E a vida continua. Mas seu papel é secundário, substituído por outro representante do papel de “diretor”, um ator que interpreta o diretor do documentário dramatizado. No primeiro plano de Através das oliveiras, um homem se apresenta, falando diretamente com a câmera: “Sou Mohammed Ali Keshavarz, ator que interpreta o diretor. Os outros atores foram todos contratados nessa locação”. Porém, à medida que prosseguem as filmagens do documentário dramatizado, sua tentativa de reencenar o trauma passado é deslocada por outra história, a qual emerge gradativamente e apresenta mais um problema de representação e narração.
E a vida continua medeia entre o primeiro e o terceiro filmes da trilogia de Koker não apenas do ponto de vista cronológico, mapeando o impacto do terremoto, mas também em termos do impacto do terremoto sobre o cinema de Kiarostami no que diz respeito à realidade e sua representação. Um tema recorrente no filme é a lacuna entre a realidade e o desastre em si. Ao comen­tar o encontro entre o diretor e seu filho com o senhor Ruhi, Kiarostami diz: “Eu queria apenas lembrar aos espectadores, no meio da exibição, de que esta­vam assistindo a um filme, não à realidade. Porque no momento em que ocor­reu o terremoto nós não estávamos presentes para filmar”.3
Essa lacuna entre o evento e a subsequente filmagem foi inevitável, mas em vez de tentar preenchê-la, Kiarostami reconhece a distância entre a rea­lidade e sua representação. O atraso aqui não é apenas um fato, mas também um fator na estética do filme. Há uma relação entre essa estética e a ligação trauma/exegese em psicanálise. O Real em Lacan refere-se à atualidade do evento traumático, pessoal ou histórico. A mente busca palavras e imagens que possam traduzir e transmitir essa realidade. Porém, sua tradução em for­ma simbólica e na consciência separa os dois, bem como o relato de um sonho é afastado do sonhar e perde seu sentimento original. Defrontado com a rea­lidade da tragédia, o filme tenta encontrar maneiras de traduzi-la. A busca pelos dois meninos é atrasada por estradas interditadas, e as repetidas histó­rias de tragédia e sobrevivência forçam o filme a ralentar ao ponto de deter-se, à medida que tenta registrar e inscrever a transição entre desastre e a maneira como a “vida continua”. A morte, não apenas em termos da proporção dessa tragédia, cria um elo entre o estético e o psicanalítico, representando um últi­mo “não dizível”, além da compreensão consciente, a fonte dos rituais, fenô­menos culturais e sistemas de crença que tentam impor-lhe sentido.
Tal pausa na narrativa, seu atraso entre ruínas, lembra-nos a visão que Deleuze tem de um cinema da imagem-tempo a emergir das ruínas da Segun­da Guerra Mundial. O neorrealismo italiano refletiu o choque deixado pela guerra e a necessidade de uma nova maneira cinematográfica de pensar o mundo. O choque exigiu, nos termos de Deleuze, o afrouxamento da “situação sensório-motora”. Isto é, uma estética cinematográfica derivada da lógica da ação, alimentada e duplicada pela pulsão progressiva do cinema no sentido do movimento, passaria a hesitar e encontrar maneiras de reagir ao que há ao redor, derivando imagens do que a câmera observa, não da aspiração narrativa à ordem e à organização. Com o declínio da ação, um espaço cinematográfi­co evacuado preenche a lacuna, registrando as imagens vazias de paisagens rurais e urbanas que Deleuze associa ao cinema pós-guerra de Rossellini. Esse cinema de registro, observação e atraso tende a trabalhar com planos longos, permitindo que a presença do tempo surja na tela. A duração dos planos cha­ma atenção ao tempo à medida que este passa na tela, o presente do filme, mas a ausência de ausência confronta a plateia com um senso palpável de tempo cinematográfico que conduz de volta, a partir do momento da exibição, ao tem­po do registro, ao passado. Embora esse atraso esteja embutido na tecnologia (o tempo cinematográfico é sempre equivocado), o sentido do passado pode encontrar complemento no conteúdo. O passado na forma de traços e ruínas preenche o conteúdo da imagem no cinema de Rossellini e nesses filmes de Kiarostami. Para Deleuze, esse cinema exige uma personagem que observe a cena, um “observador”, à parte da ação ou do evento narrativo.
São puras situações ópticas e sonoras em que a personagem não sabe como responder, espaços desativados nos quais ela deixa de sentir e agir e parte para a fuga, a perambulação, o vaivém, vagamente indiferente ao que lhe acontece, indecisa sobre o que é preciso fazer. Mas ela ganha em vidência o que perde em ação ou reação: ela VÊ, tanto assim que o problema do espectador torna-se “o que há para se ver na imagem?” (e não mais “o que veremos na próxima imagem?”).4
E a vida continua conforma-se a esse padrão.
Kiarostami, bem como muitos de sua geração, foi influenciado pelo neor­realismo italiano,5 e seus filmes anteriores, incluindo Onde fica a casa do meu amigo?, haviam sido rodados no contexto da reavaliação iraniana de uma estética realista. O choque do terremoto e suas consequências redire­cionaram o realismo de Kiarostami para a difícil questão de uma realidade que desafiava a representação adequada. Com E a vida continua, ele introduz na história um “observador”. Farhad exerce essa função, mas também atua como “diretor”, cujo papel é traduzir em cinema o que vê. A imagem-movi­mento, a pulsão narrativa, é colocada em pausa menos pela crise estética que pelo choque. A visão do caos e da devastação atrasa a jornada, decompondo esta em episódios e breves encontros que possibilitam que as pessoas contem suas histórias. A montagem deixa de ser fluida. Travellingstomados a partir do carro que se movimenta lentamente têm a integridade, ou a autossuficiên­cia, do plano-sequência e pouco respeito demonstram por uma montagem de continuidade correta, direcional. Essa maneira de filmar se conforma à visão de Bazin de que o plano-sequência abre tempo para o pensamento dentro do fluxo do filme. Ele argumenta que a composição em profundidade, planos que evitam a montagem e mantêm uma unidade de espaço e tempo, “afeta a relação entre a mente dos espectadores e a imagem”, implicando
uma atitude mental mais ativa e até mesmo uma contribuição positiva do espectador à miseenscène… lhe é solicitado um mínimo de escolha pessoal. De sua atenção e de sua vontade depende em parte o fato de a imagem ter um sentido.6
Bazin identifica o investimento neorrealista no continuume na “ambi­guidade da realidade” como o momento formativo em que esse cinema se desenvolveu.
No princípio de E a vida continua, com um longo travellingem um bos­que de oliveiras, o filme parece indicar uma perda de direção, distraído da busca pelos meninos e até mesmo das consequências do terremoto. A câmera vai absorta pela malha de luz e sombra que de alguma forma dança à medi­da que o vento se move pelas árvores. Mas o fim do plano rompe o feitiço da paisagem e retorna ao sofrimento das pessoas que tentam lá viver. Quan­do o diretor breca o carro e caminha para o interior do bosque, ele ouve um choro e encontra um bebê, sozinho, deitado numa rede pendurada entre duas árvores. Ele tenta apaziguá-lo até ouvir o próprio filho chamá-lo; ao partir, a mãe surge na distância, juntando lenha. Esse é um dos encontros que serão reconstituídos em Através das oliveiras. É também o primeiro de muitos pla­nos, em ambos os filmes, que registram, novamente com longos travellings, o movimento do vento nas árvores. Embora esses planos sejam uma meditação sobre a relação entre movimento e luz e sombra no cinema e na paisagemnatural, mesmo ao criar um contraste com as cenas de devastação, atuam também como lembrete de que o terremoto em si foi um fenômeno da nature­za. Tal como o vulcão em Viagem à Itália, o terremoto representa a repentina erupção e a entrada em movimento de algo que deveria permanecer imóvel, a súbita transformação de uma natureza benevolente em uma força destru­tiva. Os planos recorrentes de árvores movendo-se ao vento parecem sugerir a presença de alguma forma animística que confere uma personificação às reflexões das vítimas sobre a origem do desastre: “Foi a vontade de Deus” ou “não, isso não foi obra de Deus”.
Em Através das oliveiras, os dois “diretores” – Farhad, atuando no docu­mentário dramatizado, e seu diretor fictício, o ator Mohammed – caminham juntos de manhã cedo, observando, a partir da pradaria onde a equipe de filmagem assentou acampamento, o vilarejo devastado na colina oposta. A presença desses “diretores” na tela substancia a lacuna no tempo, o atraso, que separa um evento de sua representação, seu processo de tradução em pensamento e criatividade. Como se pretendesse personificar ainda mais a ideia de separação e atraso, os dois homens discutem a respeito do eco que provém do vilarejo assolado e da lenda de que os antigos habitantes do local respondem, misteriosamente, a uma saudação gritada. Isso amplia o fenô­meno natural do eco como forma de atraso até suas conotações mais fantas­máticas, vozes do passado ecoando pelo tempo e o limite entre os vivos e os mortos. A tentativa de Farhad ao experimentar o eco de fato convoca a voz de Puya, seu filho ficcional em E a vida continua e que lhe devolve o chama­do, por assim dizer, a partir do filme anterior. Quando a cena chega ao fim e Farhad vai retornar ao acampamento, ele tem um sobressalto, como se tives­se sido tocado por algo invisível. Essas sutis indicações do insólito conduzem a um prolongado e emblemático travellingdo vento nas oliveiras.
O estilo cinematográfico em E a vida continua é marcado pela presen­ça gráfica da estrada enquanto motivo visual, mas também como caminho pelo qual chegam auxílio e provisões às pessoas. Essas sequências alongadas de direção, os extensos travellingsa partir de um carro em movimento, tor­naram-se subsequentemente uma marca do cinema de Kiarostami. Jornadas, factuais ou metafóricas, sempre foram um tema narrativo recorrente em seus filmes, do curta de início de carreira O pão e o beco (1970), em que um meni­no pequeno precisa atravessar um beco ocupado por um cão, à jornada que Ahmed faz de Koker a Potesh. Com o retorno para Koker, é como se a incer­teza acarretada pelo terremoto à vida já difícil dos camponeses precisasse ser espelhada pela perda de certeza do próprio cinema. A certeza relativa do rea­lismo se afrouxa conforme vai batalhando um caminho para criar um regis­tro visual de uma tragédia histórica real, e o cinema começa a se materializar na lacuna que separa o evento de sua representação adequada. Nesse caso, o carro é um ponto crucial entre tomadas recorrentes de seu próprio movimen­to pela estrada e os alongados movimentos do cinema pela paisagem. Essas tomadas mesclam a imagem de uma direção progressiva para a jornada, que já que não é preenchida por caracterização nem por ficção e exige pensa­mento ou imaginação, a uma câmera que observa as ações dos personagens e da história. Mas quando o filme, em seu percurso, de fato encontra pessoas, sua busca pelos meninos e a presença reiterada da obra anterior atuam como lembretes da incerteza dos eventos representados na tela.
A presença de um “observador” substituto, o qual Deleuze associa à ima­gem-tempo, é corporificada na presença do “diretor”. Após a tragédia do terre­moto, as relações entre o diretor e os nativos, invisível em Onde fica a casa do meu amigo?,têm de tornar-se objeto de observação e comentário; é preciso que um diretor substituto apareça na tela para representar a distorção e a perda que acompanham qualquer registro cinematográfico da realidade. Kiarostami sugere não apenas que eles não estiveram presentes para filmar o terremoto, mas que o trauma exige um novo reconhecimento da lacuna entre o cineasta urbano de classe média e a realidade de vidas despedaçadas. O filme pode dar testemunho dessa tragédia, mas não pode representar sua verdade. O primeiro sinal da ruptura entre o filme inicial da trilogia e o período que se segue ao terremoto em E a vida continua assume a forma de “autocrítica” retrospectiva. Farhad e Puya alcançam o senhor Ruhi enquanto ele caminha com dificulda­de pela estrada, carregando um vaso sanitário. Eles lhe dão uma carona até sua casa e conversam acerca do papel desempenhado por ele no filme anterior. Puya diz que ele aparentara ter muito mais idade. O senhor Ruhi responde:
Estes senhores disseram que eu deveria aparentar mais idade... fizeram-me usar uma corcunda para parecer mais velho. A ver­dade é que não gostei. Eu disse: “Sim, senhor. O que o senhor quiser”. Foram cruéis comigo. Não sei que espécie de arte é essa que mostra as pessoas mais velhas e mais feias. É estranho...
Quando chegam à casa, a conversa continua.
Puya: Eu esperava vê-lo na mesma casa de antes...
Senhor Ruhi: Aquela era minha casa no filme. Não era minha casa de verdade. A verdade é que esta tampouco é minha casa verdadeira. Esta também é minha casa no filme. Os senho­res disseram: “Que esta seja sua casa”. Mas a verdade é que minha casa foi destruída pelo terremoto. Por ora, estou viven­do numa tenda.
Ele tenta, então, encontrar uma tigela para dar a Puya um pouco de água, tal como fora roteirizado, mas as portas da sacada estão trancadas e ele não localiza o objeto cenográfico. Dirige um pedido de ajuda à câmera, e a senho­rita Rabbi, script-girl, adentra o set correndo para lhe entregar a vasilha. Essa é a cena a que Kiarostami se refere especificamente como tentativa de estabe­lecer a lacuna entre realismo e a realidade da rodagem de um filme.
O senhor Ruhi parece, num primeiro momento, funcionar como críti­ca do realismo em favor de uma realidade mais brechtiana, irreprimida. Ele representa o modo como até mesmo a insistência em locações reais e atores nativos não profissionais enraizados fidedignamente em uma realidade social e em conformidade com o potencial da câmera para inscrever uma estética realista podem bem envolver distorções. Perante a realidade bruta do terre­moto, Kiarostami deseja acertar as contas e estabelecer a diferença entre um cinema de transparência que oculta as distorções impostas por elementos externos, isto é, entre Onde fica a casa do meu amigo?, e o cinema de E a vida continua. Mas o senhor Ruhi ainda não mora em sua própria casa: os “senho­res” intervieram novamente, e aquilo que tencionava dizer sai pela culatra em E a vida continua, implicando um miseenabîmeem que a realidade é cons­tantemente confundida, seja a estética realista, seja caracterizada por um dis­tanciamento brechtiano. Esse tipo de confusão entre o real e o imaginário é levado adiante no terceiro filme da trilogia, Através das oliveiras, a partir do momento em que o novo “diretor” se apresenta. Na sequência, ele se encami­nha, trajado como a personagem, a um grande grupo de meninas, no intuito de encontrar uma para interpretar o papel da jovem esposa no documentário dramatizado. Nativos são escalados para reencenar eventos já encenados por outros nativos elencados como atores em E a vida continua.
O encontro com o senhor Ruhi é também crucial devido a sua posição em E a vida continua. Um plano do diretor o mostra olhando pela janela do carro, aparentemente dilacerado entre suas memórias do último filme e sua projeção imaginativa ao próximo. O filme, então, duplica essa confusão no tempo. Um travellinglongo, em close-up, dos ramos das oliveiras salpicados de luz movendo-se ao vento conduz a um repentino plano de Ahmed corren­do pela estrada ziguezagueante de Koker a Potesh, a qual desempenhara papel visual tão importante em Onde fica a casa do meu amigo? Já que o caminho havia sido criado especialmente para o filme, ele é emblemático da imbricação entre o imaginário e o real. Mas o caminho é também uma representação grá­fica da linha imaginária que liga os eventos da jornada de Ahmed, a rodagem pré-terremoto de Onde fica a casa do meu amigo?,ao futuro, à reconstrução pós-terremoto e às reencenações em Através das oliveiras. Em E a vida con­tinua, as camadas de tempo começam a trabalhar na memória do espectador. A memória ficcional de Farhad, o corte abrupto para Ahmed correndo pela estrada, imediatamente detona a memória real de qualquer espectador que tenha visto o filme anterior. O flashback se dá logo após Farhad decidir pegar uma estrada vicinal, abandonando as estradas diretas para Koker, que estão interditadas por congestionamento e deslizamentos. E o flashback conduz, logo em seguida, a um encontro com o senhor Ruhi e, por conseguinte, a suas memórias de Onde fica a casa do meu amigo? As memórias dos espectadores do filme anterior são reforçadas e, claro, questionadas pelo senhor Ruhi, deto­nando um movimento que perpassa o “antes” e o “depois” do terremoto, que se tornam um “então” e um “agora” nas ficções que separam e unem ambos os filmes. Assim o senhor Ruhi conduz a história a sua nova “casa no filme”, num pequeno vilarejo nos arredores de Koker. Aqui, Farhadobserva, parado, as pessoas morando em casas arruinadas enquanto tentam reconstruir a vida. Ele conhece um jovem casal e ouve a história de seu casamento, e a reconstru­ção desse encontro será o evento central de Através das oliveiras. Quando E a vida continua foi lançado, a plena extensão de seu alcance era inimaginável. Embora Através das oliveiras proporcione de fato um déjà vu com relação a E a vida continua, os detalhes precisos da cena original são difíceis de reme­morar. Assim, rever E a vida continuana sequência é experimentar, numa súbita descarga de reconhecimento, uma fusão do filme futuro e do filme passado em um momento presente de espectação.
No decurso dos três filmes, a presença do cinema vai de transparente à escancarada. Embora o processo de realização cinematográfica não esteja em Onde fica a casa do meu amigo?,a presença do diretor e uma consciência do cinema e de suas realidades e suas distorções permeia E a vida continua. Por fim, em Através das oliveiras, a história está vinculada à produção de um filme sobre as experiências de Farhad na zona de terremoto. O senti­do de regresso, de meia-volta, que caracterizara E a vida continua se repete. Mohammed, interpretando o diretor, filma o encontro de Farhad com um jovem casal enquanto os dois tentam fazer uma nova vida nas ruínas, um incidente que se deu durante E a vida continua. Porém, outras realidades interferem e perturbam as tentativas de reproduzir esse evento passado empreendidas pelo diretor. Assim como, no período após o terremoto, o pas­sado regressava para pôr em questão a filmagem de Onde fica a casa do meu amigo?,também no terceiro filme a tentativa de filmar uma história acerca das consequências do terremoto é deslocada por outra realidade. Cada vez mais, a obra registra a presença de relações de gênero e a maneira como se inscrevem na sociedade e no cinema. O processo de realização cinematográ­fica é quase interrompido depois de seguidos planos em que “atores” deso­bedecem o roteiro. Gradualmente, do ponto de vista dramático, a relação entre os atores se torna mais significativa que a cena que desempenham, e o interesse do diretor se volta para eles. O incidente original que se está reen­cenando para o documentário dramatizado não apenas fora emblemático de que “a vida continua”, como também sugeria que o desastre poderia quebrar a rigidez das convenções sociais. Na cena crucial de E a vida continua, um jovem conta a Farhad sua história. No dia seguinte ao terremoto, ele e a noi­va constataram que a família deles havia sido dizimada (“Perdi muita gente, primos inclusive, 60 ou 65 parentes”). De acordo com o costume, teriam de observar o período de luto correto, um ano, antes do casamento. Ele diz: “Em meio à confusão, demos cabo da coisa”. Então, descreve três noites passadas sob um abrigo improvisado de plástico, seu mirrado “banquete de casamen­to”. Àquela altura, eles já haviam se mudado para uma casa abandonada, ain­da ostensivamente de pé, a qual o jovem trabalhava para reconstruir.
Em Através das oliveiras, esse encontro deve ser reencenado, e Moham­med precisa encontrar uma jovem e um jovem para desempenhar os papéis do casal original. Mais uma vez, a lacuna entre o evento original e sua reen­cenação abre um vácuo estético, evidenciado em um primeiro momento pela natureza estática da filmagem e, depois, pela intervenção dos sentimentos dos próprios atores na truncada cena. A equipe de filmagem se encontra a postos do lado de fora da casa, e Farhad está parado na mesma posição do encontro original. Um jovem passa por ele carregando um saco de gesso e sobe as escadas. Sua esposa, interpretada por TaherehLadanian, que fora selecionada na cena de abertura do filme, o cumprimenta, mas ele não res­ponde. O diretor diz “corta”, e eles tentam um segundo take. Após duas ten­tativas fracassadas, o jovem explica ao diretor que, embora conseguisse dizer suas falas para ele com perfeição, quando tenta falar com a garota, começa a gaguejar. O diretor manda chamar Hossein Rezai, que prestara serviços no acampamento, como substituto. Mais uma vez, um jovem passa caminhando por Farhad com um saco de gesso. Dessa vez é Tahereh que não responde à saudação; o diretor, mais uma vez, grita “corta”. Após diversas tentativas fra­cassadas, eles interrompem o trabalho. Dirigindo de volta ao acampamento, Hossein conta ao diretor que tempos atrás cortejou Tahereh, porém, como havia sido rejeitado pela família dela, ela se recusava a dirigir-lhe a palavra até mesmo no contexto do filme. Antes do terremoto, a mãe dela o rejeitara, qualificando-o como pretendente indigno para a estudiosa filha, porque ele era analfabeto. Quando o terremoto matou os pais dela, ele tentou novamen­te e foi rejeitado pela avó de Tahereh por ser analfabeto e sem-teto.
O relato de Hossein conduz a um flashback com uma prolongada sequên­cia que percorre os meandros do cemitério lotado enquanto os enlutados cuidam de covas após o terremoto. A câmera acompanha Hossein enquan­to ele observa Tahereh e a avó dela. Só mais tarde, no filme, é que Hossein, em um de seus incensados discursos para a silenciosa Tahereh, diz que ela havia devolvido o olhar no cemitério, e que ele interpretara isso como sinal de encorajamento. Durante o flashback, a câmera registra o intenso olhar de Hossein, mas não dá nenhuma indicação quanto ao olhar de Tahereh. O momento que falta torna-se um ponto crucial de incerteza no filme. Ele inscreve a posição impossível de Tahereh, dividida entre a família e o pre­tendente. Mas também dá testemunho das diretrizes para a representação cinematográfica das relações entre os sexos estabelecidas pelo Ministério da Cultura e Orientação Islâmica. HamidNaficy já assinalou que o contato visual, especialmente como expressão de “desejo”, era bastante “desencora­jado”.7 Em Através das oliveiras, a presença de Tahereh, até então primeiro papel feminino notável em um filme de Kiarostami, provavelmente assinala o ponto em que um excepcional ponto cego da cultura islâmica – o status e a representação das mulheres – afinal daria um hesitante passo para dentro da tela. A ausência de seu olhar torna presente o problema, e seu silêncio sublinha ainda mais as restrições que cercam as jovens mulheres. Uma vez que o filme a coloca inesperadamente em contato com Hossein, ela mantém um silêncio total, mirando-o uma vez enquanto “o problema” é discutido por Mohammed e o senhor Shiva. A história estabelece logo no princípio que Tahereh é uma jovem obstinada dotada de vontade própria quando ela tenta rejeitar um vestido de camponesa inadequado que lhe é imposto pelas filma­gens. Ao passo que o silêncio dela passa a representar o silêncio das mulheres, o dilema de Hossein fundamenta-se na miséria de classe. Ele explica ao dire­tor que não apenas ama Tahereh, mas que é muito melhor quando pessoas alfabetizadas se casam com analfabetos e pessoas sem-teto se casam com proprietários de terra – desse modo, todos podem se ajudar. No flashback, após a cena no cemitério, Hossein segue a avó argumentando em prol de si mesmo enquanto passam pelo bosque de oliveiras; ele baseia o discurso no fato de acreditar que Tahereh sente o mesmo por ele. A avó reitera a rejeição, e Hossein vaga, desorientado, rumo à filmagem do documentário dramati­zado. Ele assiste a uma reencenação do episódio entre Farhad e o bebê que havia transcorrido em E a vida continua. Para indicar o novo rumo do filme, a câmera foca em Hossein por todo o decurso da cena; apenas a trilha sonora e a locação sugerem a reencenação que se processa diante da câmera fictícia.
Sob pressão do senhor Shiva, o diretor de produção, Tahereh concorda em fazer a cena com Hossein e em responder à saudação. No dia seguinte, a cena transcorre bem, até o momento em que Hossein precisa dizer a Farhad quantos parentes perdeu. Por três vezes, em vez dos 65 que constavam no roteiro, ele dá o número de mortos como 26, número de familiares que per­dera “na realidade”. Quando Hossein acerta as falas, a filmagem acaba. Tah­ereh vai embora, e o diretor encoraja Hossein a segui-la e continuar argu­mentando em seu favor. Mohammed segue o casal a distância, visualizando, talvez, mais uma história sobre as consequências do terremoto, na qual, das ruínas e da devastação, barreiras sociais poderiam ser desafiadas e escolhas pessoais talvez ganhassem ascendência sobre escolhas familiares no tocante ao casamento (Kiarostami trabalhou por dois anos em um projeto intitulado Os sonhos de Tahereh, mas o filme nunca foi realizado). A espetacular toma­da final, de seis minutos, mostra Hossein seguindo Tahereh pelos campos até que ele se detém e corre de volta ao bosque de oliveiras. Embora o final seja incerto, Tahereh parece ter dado a Hossein o sinal pelo qual ele esperava.
Em suas discussões com Mohammed, o diretor, e em suas súplicas a Tah­ereh, Hossein frequentemente reiterava o quanto era importante para ele que seus filhos tivessem um parente alfabetizado que os ajudasse com a lição de casa.8 O problema do dever de casa dá, então, uma volta completa até o ponto de partida da trilogia, quando Ahmed, em Onde fica a casa do meu amigo?, tenta devolver ao amigo o caderno. Após o terremoto, a busca pelos meninos Ahmedapour é o ponto de partida para E a vida continua e, embora na cena final Farhad e Puyapareçam estar prestes a encontrá-los na estrada, o filme termina sem eles. Através das oliveiras traz os meninos Ahmedapour de volta à trilogia. Eles levam vasos de gerânios para a casa que está fazendo as vezes de set e, numa longa e complexa tomada, a câmera os acompanha pelo retrovisor do carro enquanto eles correm pela estrada, rumo à escola. Estão a salvo, mas a escola, onde estão fazendo prova, é agora uma tenda num campo.
O terremoto é o evento central, traumático e real que Kiarostami não pôde mostrar porque não estava lá quando aconteceu. No entanto, quando retorna ao local após o acontecido, o filme reage à devastação registrando a ruína de vidas e lares com um estilo disjuntivo que testemunha o trauma ao mesmo tempo que reconhece as limitações da representação. Essa separação, ou distância, de um ponto de referência original é duplicada no modo como os acontecimentos do filme encontram-se frouxamente interligados, com planos longos em vez de montagem associativa, o que produz uma estética de reflexão em vez de ação. Existe um elemento de “ação diferida” nessa estraté­gia cinematográfica, como se um evento traumático possibilitasse um regres­so ao passado, o qual é, então, submetido a reinterpretações e considerações. O conceito freudiano de Nachträglichkeit (ação diferida) tenta evadir-se a um conceito hiperlinear ou hiperdeterminado da psique humana, favorecen­do uma possível revisão de eventos por meio de um retorno, em momento posterior, a partir do qual as memórias encontram novo significado. Em seu “retorno” a Onde fica a casa do meu amigo?,Kiarostami borra temporalidades e submete o filme a uma espécie de revisão; contudo, deixa aberta sua estraté­gia estética como se a integridade dos acontecimentos fosse mais significativa que um sentido de “fechamento” nas imagens e na imaginação do diretor. Em Através das oliveiras, a estratégia é quase contrária. Os atores que reence­nam um acontecimento refratado pela imaginação do diretor fictício, Farhad, agora dirigidos por outro diretor fictício, Mohammed, desviam o passado no sentido do futuro com a urgência de sua própria história. Mais uma vez, o terremoto é um pano de fundo essencial às relações, mas Kiarostami dá mais um passo oblíquo no sentido de borrar imaginação e realidade. A história de Tahereh e Hossein, arquitetada por Kiarostami, conduz seu cinema por essa ficção casual e cuidadosamente construída até a realidade da posição ocupada pelas mulheres na República Islâmica e em seu cinema. Embora em tempos recentes seu cinema tenha, particularmente com Dez (2002), se voltado às mulheres de modo direto, a série de repetições e retornos que compõe a trilo­gia conduz ao olhar invisível de Tahereh em Através das oliveiras.

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Tradução do inglês por IsmarTirelli Neto

Notas:
* Publicado originalmente com o título “Abbas Kiarostami: Cinema ofUncertainty, Cinema ofDelay”, em Death 24 x a Second – StillnessandtheMovingImage. Londres: Reaktion Books, 2006, pp. 123-43. (N. E.)
** Teórica influente nos estudos do cinema, professora (BirkbeckCollege – Universidade de Londres) e cineasta. Autora de livros de referência, tais como Visual andOtherPleasures – Language, Discourse, Society(1989); FetishismandCuriosity(1996); e Feminisms: Diversity, DifferenceandMultiplicity in ContemporaryFilmCultures(com Anna Backman Rogers, 2016). (N. E.)
1 Michel Ciment, “Entretienavec Abbas Kiarostami”, Positif, n. 442, dez. 1997, p. 84. 
2Peter Brooks. Reading for thePlot: Design andIntention in Narrative. Nova York: Harvard University Press, 1984, p. 104. 
3StéphaneGoudet, “La reprise: retoursurl’ensemble de l’oeuvre de Abbas Kiarostami”, Positif, n. 408, fev. 1995, p. 12.
4 Gilles Deleuze. Cinema 2: The Time Image. Londres, 1989, p. 272 [ed. bras.: Cinema 2: a imagem-tempo, trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2005].

5
Um momento influente, frequentemente referido, foi uma retrospectiva de neorrealismo italiano que ocorreu em Teerã nos anos 1960. Kiarostami mencionou sua admiração por Rossellini: “Sempre ia ao cinema quando era jovem e fiquei profundamente marcado pelo neorrealismo italiano, em especial por Rossellini. Há claras ligações entre as ruínas e as pessoas de Alemanha: ano zero e de E a vida continua. Porém, durante todo o período de escrita e filmagem, eu nunca pensei a respeito”. Positif, n. 380, out. 1992, p. 32. Em 1992, ele recebeu o Prix Rossellini em Cannes por E a vida continua.  
6André Bazin, “The EvolutionoftheLanguageof Cinema”, em Whatis Cinema?. Berkeley: UniversityofCalifornia Press, 1967, v. I, p. 37 [ed. bras.: O que é o cinema?, trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac Naify, 2014].
7 HamidNaficy, “IslamicisingFilmCulture in Iran”, em The New Iranian Cinema: Politics, RepresentationandIdentity. Londres: Richard Tapper, 2002, p. 46.

8Em 1989, Kiarostami realizou um documentário, Lição de casa, no qual ele elabora a questão através de entrevistas com crianças.

Texto na íntegra no catálogo Um filme, cem histórias: Abbas Kiarostami. Organizado por Fábio Savino e Maria Chiaretti (CCBB, 2016)