quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Cineclube do Atalante: Cruising - Parceiros da noite

O Cineclube do Atalante na Cinemateca de Curitiba exibe neste sábado um filme de William Friedkin. Entrada franca, sempre.


CRUISING – PARCEIROS DA NOITE
Dirigido por William Friedkin.

(Cruising, EUA, policial, 102 min., 18 anos)
Com Al Pacino, Paul Sorvino, Karen Allen.

Jovem policial (Al Pacino) é designado para investigar um caso de violentos homicídios contra homossexuais. Disfarçado, ele se infiltra num universo que lhe é completamente estranho, repleto de sexualidade e violência. Na busca pelo serial killer, passa a questionar seus próprios valores, seus desejos íntimos e se depara com uma assombrosa realidade.

Serviço:

CINECLUBE DO ATALANTE
“Cruising – Parceiros da Noite” (1980), de William Friedkin
Sábado, 30/09
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174- São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Clube do Filme: La Sapienza

O Clube do Filme do Atalante continua com seu novo ciclo: o Cinema de Eugène Green.

Mensalmente nos reunimos para uma discussão de um filme e textos relacionados, agora abordando a obra de um dos cineastas mais interessantes e encantadores deste século.

Em setembro: "La Sapienza" (2014, 100 min.).

Nosso encontro será no dia 27 de setembro, excepcionalmente quarta-feira, às 19h15, via Jitsi, ao vivo, entrada livre e gratuita.


"E quem fala em lugar, faça em espaço, tema que, junto com a luz, vai ocupando os diálogos de Alexandre e Goffredo, que viajam juntos, numa trajetória em que os papéis de mestre e aluno vão deslisando a ponto de já não se saber mais quem ensina e quem aprende. Na verdade, ambos ensinam e ambos aprendem, sobre o espaço, a luz e um lugar para as gentes; e sobre modos de se estar no mundo."
- Vera Lúcia de Oliveira e Silva, em texto inédito escrito para o Clube do Filme deste mês.

O filme encontra-se disponível aqui. Qualquer problema, só avisar.

Textos recomendados para leitura:

A) Crítica do filme por Vera Lúcia de Oliveira e Silva, disponível aqui.
B) Crítica do filme por  Luiz Soares Junior

Como de costume, nosso propósito no Clube do Filme é discutir obras e textos com um pouco mais de tempo que nos debates após as sessões do cineclube, logo, o filme não será exibido na data. Recomendamos que o filme já tenha sido visto e também a leitura dos textos, porém isso não é exigido para participação. Devido ao formato virtual, não poderemos exibir com qualidade trechos do filme e de outros trabalhos, mas acreditamos ser importante retomarmos as atividades possíveis durante a pandemia. O ingresso, como sempre, é gratuito.

Devido a limitações de tempo do Meet, voltamos com nossa sala do Jitsi. O Jitsi dispensa downloads de aplicativos e senhas no PC, mas caso acesse pelo celular, recomendamos o download do aplicativo (gratuito).

Serviço:

Clube do Filme:"La Sapienza" (2014), de Eugène Green
Dia 27/09 (quarta-feira)
Das 19h15 às 21h30
ENTRADA FRANCA

Coordenação e mediação: Giovanni Comodo
Realização: Coletivo Atalante


terça-feira, 19 de setembro de 2023

La Sapienza, de Eugène Green

por Vera Lúcia de Oliveira e Silva

Um casal inscrito num laço de amor enlutado confronta-se com obstáculos à realização de suas ambições profissionais idealistas – ele (Alexandre) vê-se coagido a adulterar o projeto de Arquitetura e Urbanismo com o qual foi o vencedor de um concurso, para submetê-lo a restrições econômicas e políticas; e ela (Aliénor) tem sua proposta de humanização de uma comunidade de imigrantes ridicularizada como “injeção de testosterona”, já que diagnostica consequências da perda de poder paterno nas famílias desenraizadas de sua própria cultura.

Empreendem uma “Viagem à Itália”, pois ambos declaram que precisam pensar, viagem esta que terá uma trajetória diversa da mostrada por Rosselini – eles vão interagir com um casal de jovens irmãos (Goffredo e Lavínia) e este enlace produzirá efeitos transformadores nas vidas dos quatro personagens.

Com este argumento simples, Eugène Green vai desdobrar uma alternância de imagens arquitetônicas esplêndidas e diálogos densamente significativos, que são a marca de seu estilo: pessoas que falam, e o que dizem denota que escutam, em conversas marcadas por um genuíno interesse mútuo e uma profunda reflexão sobre a vida de cada qual.

Como sempre, o cineasta faz com que os atores ocupem sucessivamente o quadro, de frente para a câmera, falando com o olhar teoricamente dirigido para seu interlocutor no extracampo, porém com uma estratégia que acaba nos aliciando, nós expectadores, a receber a mensagem como se fôssemos nós, cada um de nós, o verdadeiro Outro a quem se destina o discurso.

À medida que o enredo se desdobra, Aliénor, que permanece na maravilhosa Stresa para se dedicar à frágil Lavínia, acometida por um adoecimento manifestamente histérico, conduz a sua cura, num tratamento que se resume a presença e palavra e culmina em um apelo à cultura como destino de salvação: é com o teatro de Moliére que a terapeuta dirige Lavínia a saber da natureza imaginária da sua doença. Lavínia, até então alienada no laço com o irmão e submetida a um papel de inválida atribuído pela mãe (desgostosa pela iminente chegada da cura), vai ao ponto de separação da novela familiar que a libertará de seu mal.

Simultaneamente Aliénor também se transforma. O próprio Eugène Green encarna um personagem arquetípico, que se apresenta como um “caldeu”, numa alusão à mística das forças da Natureza, mas também como “estrangeiro”, essa manifestação concreta da alteridade - e que lhe antecipa o futuro: você vai encontrar um lugar onde poderá amar.

E quem fala em lugar, faça em espaço, tema que, junto com a luz, vai ocupando os diálogos de Alexandre e Goffredo, que viajam juntos, numa trajetória em que os papéis de mestre e aluno vão deslisando a ponto de já não se saber mais quem ensina e quem aprende. Na verdade, ambos ensinam e ambos aprendem, sobre o espaço, a luz e um lugar para as gentes; e sobre modos de se estar no mundo.

Esta viagem à Itália marca uma transformação absoluta na vida dessas pessoas reunidas pela mágica do Cinema, num filme em que Eugène Green explicitamente dá lugar à psicanálise como ferramenta de trabalho. Será um puro acaso? Será também por acaso que ele se põe a mostrar com seu filme que, para além do Conhecimento e da Beleza, existe a Sapiência?

Finalizando:

Quem diz Beleza diz Estética. E toda Estética supõe uma Ética.

Então podemos perguntar: De que Ética se trata?

Em Green, a ética do bem dizer, da escuta e da palavra.


16 de setembro de 2023.

Le Pont des Arts de Eugène Green: notas sobre o filme

por Vera Lúcia de Oliveira e Silva


[Contém spoilers]

A Ponte das artes, de Eugène Green, me provoca uma reflexão sobre o laço social: a arte como ponte, como enlace com o Outro. Trata-se de uma primeira leitura, talvez apressada, mas o filme não fica por aí e vai mais além dessa associação imediata.

É verdade que a Arte – representada pelos Poemas de Michelangelo e pelo Lamento della ninfa de Monteverdi – faz a ponte entre Pascal e Sarah: um laço que antecede e vai além da morte, pois transcende os corpos e reúne as almas.

Um laço que Sarah não pôde fazer nem com o marido Manoel – um homem encantador, terno e dedicado; nem com a Arte; nem com a Vida; entregue ao funcionamento da Melancolia, no seu insuperável ódio ao “si mesmo”.

Mas o cineasta não fica por aí e explora outras modalidades do laço social:

·         Expõe tratar-se de um laço impossível para os intelectuais, aqui convocados para encarnar os perversos do mundo, sempre aptos a usar o outro como objeto, nas suas manobras sórdidas. No caso, justamente através da Arte, em mais um desses paradoxos surpreendentes da experiência humana.

·         Fala de um laço paradoxal promovido justamente pela separação: Christine diz a Pascal que está mais próxima dele depois que se separaram.

·         E nos faz testemunhar o efeito apaziguador do laço -apaziguador no sentido de que traz alguma paz ao coração, quando Pascal, em busca de Sarah, encontra seu marido enlutado. A desconfiança inicial cede a uma conversa onde aqueles dois homens, por algum tempo, compartilham pensamentos em torno à Sarah ausente.

Basta comparar este diálogo com aquele mantido, anteriormente, por Manoel e os pais de Sarah -uma troca burocrática de palavras, em torno à morte da filha e esposa, como se falassem de uma notícia ouvida na TV- para se perceber que Eugène Green sabe a distância que separa a palavra vazia da palavra plena.

Mais além da literalidade da trama, entretanto, o filme faz laços com outros bens da Cultura, enlaces que não podem ser acidentais:

·         Como em Crônica de uma morte anunciada, livro de Gabriel García Márquez e filme de Francesco Rossi (1986), o suicídio funciona aqui como um clarão que ilumina retrospectivamente todos os anúncios até então ignorados: a declaração incisiva de Sarah de que a ninfa que ela deveria encarnar não sabe se está louca ou morta; a “aceitação” dos mal tratos do seu regente “inominável”; o “esquecimento” de mostrar a Manoel o disco de vinil já gravado, e que correspondia a uma vitória dela sobre as adversidades; o sonho em que vê Manoel fazendo a travessia de um rio em busca da “outra margem”, onde ela supostamente estaria, conduzido por um barqueiro que, na verdade é um espectro; sua recusa à dança na festa de Ano Novo, com a “explicação” de que estaria cercada por gente hostil; e, finalmente, o último ato na ponte.

·         O próprio sonho de angústia tem ressonâncias da Mitologia Grega. Que rio seria aquele? - o Aqueronte, rio do infortúnio? - o Lete, rio do esquecimento? ou o Estige, o rio infernal onde ficam os condenados pelo pecado da ira? E quem seria aquele barqueiro? – Caronte? Não creio que sejam referências fortuitas.

·         Quanto à cena magistral de Sarah na ponte penso que, até o último momento, perdura uma certa esperança no espectador, apesar de todos os prenúncios em contrário. Até o fim não conseguia crer que Eugène Green tinha matado Sarah. Talvez animada pelo eco de outros filmes onde, na mesma situação, acontece um resgate: A mulher e o atirador de facas (Girl in the Bridge / La Fille sur le Pont), de Patrick Leconte, 1999; e A noite branca (Le notti Bianche), de Lucchino Visconti, 1957.

·         A apresentação do teatro Nô, uma verdadeira aula da arte de mostrar sem mostrar (como faz com o Ogro de Le Monde Vivent): só vemos os olhos que vêem, num espetacular jogo de espelhos!

·         O filme faz referências explícitas ao Barroco e para mim fica uma tentação: explorar semelhanças e contrastes entre o barroco e o Nô. Penso o barroco como exuberante e excessivo, caudaloso até, como a arquitetura e a arte decorativa do período; e o Nô como econômico e austero, reduzido a um ou dois personagens, uns poucos músicos e um cenário com dois elementos (uma cabana e um pinheiro).  A que estaria o cineasta apontando quando faz essa aproximação, num mesmo filme, justamente intitulado A Ponte das Artes? Que a Arte acolhe e tem espaço para todos? Deixo a pergunta em aberto, pois não sei a resposta.

Os demais personagens do filme, todos eles, de algum modo me tocam:

·         Manoel – um homem encantador, terno e dedicado que, embora bidimensional – raso e sem espessura – parece disponível e disposto para o trabalho e o amor. Em seu sonho de angústia, Sarah o coloca num barco com o qual ele pretende encontrá-la na outra margem, mas o encontro revela-se impossível, já que ela se dá conta de que não há a outra margem. Lá onde ele a busca não há nada nem ninguém.

·         O Inominável, aquele “que não tem um nome”, dirá Pascal, numa acusação carregada de autoridade. Sérgio Alpendre, em seu belíssimo artigo “O poder da emoção”, publicado na Contracampo de Março de 2010, atribui humor e complexidade ao personagem, no qual eu vejo tão somente um virtuose patético: pura técnica sem alma alguma - alma que inveja e odeia no outro. Desempenho estupendo de Denis Podalydès, que encarnou o perverso.

·         Seus companheiros no mundo da cultura que, reunidos num restaurante, conseguem tornar sórdido o erótico, divertindo-se com o elogio ao uso perverso do outro (melhor seria dizer abuso), via manobras de manipulação viabilizadas pela assimetria do poder institucional.

·         O contraste dessa posição cínica com a do michê que encarna a prostituição honesta, onde se faz sexo sem laço, porém em um comércio consensual – faço o que você quer e você me paga. O michê aceita a performance do seu cliente, mas deixa claro: o sexo continua custando 500 francos.

·         Cédric, o assistente do Inominável, uma verdadeira esfinge que parece entrar no jogo perverso de seu patrão, mas sem se aviltar nem perder a dignidade. Tenta ajudar Sarah, que está fora do seu alcance - e de quem quer que seja.

·         E sobretudo o próprio Pascal, sujeito fiel a si mesmo, que não aceita engodos e persegue algo que não sabe o que é, mas que está certo de reconhecer quando o encontrar.

O que aqui deposito não passa de um conjunto de anotações sobre um filme belo e enternecedor, sobre o qual muito se pode dizer, sem jamais esgotar sua complexidade. Apesar da tristeza que o percorre, mesmo nos seus aspectos cômicos, nele sobrevive, como consolo, uma nota de confiança na Cultura.

Coletivo Atalante / Clube do Filme, 20 de Agosto de 2023.