sábado, 11 de fevereiro de 2023

Blake Edwards, por João Bénard da Costa


Edwards tem os seus fans e não são poucos. Não só os que se deliciaram com as várias panteras cor-de-rosa, como os que não cessam de procurar na sua obra uma coerência de autor, na nostalgia dos seus primeiros e muito aclamados filmes.


Para os defensores (apoiados na dedicatória de The Great Race, de 65, a Olivere Hardy), Blake Edwards, é, hoje, o último dos representantes da grande tradição do burlesco americano e das "tartes à la creme", traço da união entre a herança do Bucha e Estica, de Langdon ou até (para raros) de Keaton com a de Jerry Lewis, por imposto de Peter Sellers. Para outros, continua a ser um mestre da comédia, e o homem que deu nova vida à Julie Andrew, sua mulher. Finalmente, há quem veja nele o permanente inadaptado, oscilando entre uma "matéria" e uma "maneira", ou seja, resolvendo através do maneirismo a renascença que nunca se consolou de ter perdido.


Puxa-me pouco o pé para tais discussões, que também não vêm ao caso, num cineasta que só cruzou o musical por acidente. Nunca houve nenhum filme dele que particularmente me irritasse – achei-o sempre capaz de contar bem uma história, com desenvolvimento e à vontade – nunca houve um filme dele que particularmente me entusiasmasse. Achei-o sempre sem asas para voar e não foi o tão aclamado Victor/Victoria que me fez mudar de opinião. A não ser... A não ser um dos últimos que por cá passou – e que fui ver por insistência de João César Monteiro. Chama-se That’s Life e na verdade espantou-me muitíssimo. Mas quanto a ser um autor, peço desculpa mas continuo a ter dúvidas e não vejo ponto de contato entre o Mister Cory (56) – filme razoavelmente divertido –, a desastrada adaptação de Truman Capote que é Breakfast at Tiffany’s (61), o melodrama para alcoólicos – Days of Wine and Roses (62) –, as Panteras, o Victor/Victoria (82) ou o remake londrino de Truffaut no The Man Who Loved Women (83). Certamente, foi capaz de dirigir muito bem alguns notáveis actores (Tony Curtis, Audrey Hepburn, Jack Lemon, Peter Sellers) e extrair o melhor da ex-Mary Poppins, quando percebeu a frescura. Mas nada disso o faz herdeiro de Wilder ou de Mankiewicz, quer pelo lado cáustico, quer pelo lado femeeiro. É um profissional competente, à busca de sucesso e de boas histórias. Não é poucochinho, mas não é famoso. Podíamos passar bem sem ele, embora com ele tenhamos tido momentos divertidos. No fundo, Edwards ficou sempre a ser o que foi inicialmente – um excelente argumentista, capaz de engendrar boas comédias. Mas por mim não tenho dúvidas que as que escreveu para outros (sobretudo para Richard Quine) foram bem melhores filmes do que as que realizou, com as eventuais excepções de Mister Cory (no início) ou de Victor/Victoria e That’s Life, nos anos 80.


Filho de um encenador, nascido em Tulsa (Okla), Blake Edwards iniciou-se no cinema como actor, alto, bonito, igual a tantos secundários desses anos 40. Ten Gentlemen from West Point (Hathaway, 42), Strangler from the Swamp (Frank Wisbar, 45), Leather Gloves (Richard Quine, 48), Panhandle (Lesley Selander, 48), Stampede (Selander, 49), testemunham esta fase inicial.


Nos anos 50 começou a escrever argumentos e colaborou notavelmente com Quine em Rainbow’ round my shoulder (52), All Ashore (53), Cruisin Down the River (53), Drive a Crooked Road (54) e sobretudo nos magníficos My Sister Eileen (55, que vimos neste ciclo) e Operation Mad Ball (57). Ao mesmo tempo, treinou a mão na televisão (é um dos muitos cineastas dos fifties em que o estilo TV é patente) e em 1955 iniciou a carreira de cineasta, com Bring Your Smile Along, um musical com Frankie Lane.
Mister Cory (56) é, como já disse, um dos seus filmes mais interessantes, com Tony Curtis em grande forma. Mas os seus êxitos só começaram nos anos 60: Breakfast at Tiffany’s (61, com Audrey Hepburn), Days of Wine and Roses (62, retomando em menor o tema do The Lost Weekend do Wilder), até chegar em The Pink Panther em 64, que se revelou um filão inesgotável (já houve mais seis). Houve quem gostasse de A Shot in the Dark e quem risse muito com What Did You Do in the War, Daddy? com James Coburn. Depois foi o casamento (o segundo) com Julie Andrews em 69 e a série de filmes que fez com ela, entremeando com as Panteras ou com o Ten de 1979, em que Bo Derek fez vibrar tantos. E parece, com Julie e em Londres, em plena forma, prometendo muitos e grandes êxitos futuros. É capaz, até, de ter iniciado com That’s Life uma série de bons filmes. Também é capaz de não ser capaz disso. That’s Life pode ser o limite máximo. Tudo é possível, ainda, para este homem capaz de digressões, de diversões, de invenções e de inversões.


Texto originalmente escrito para publicação em "As Letras". In O Musical (Coordenação João Bénard da Costa). Lisboa, Cinemateca Portuguesa; Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. vol. III, p.170-171, editado por ocasião do Ciclo "Cinema Musical", que teve lugar na Cinemateca e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Dezembro de 1985/Janeiro de 1986. Retirado de Escritos sobre Cinema, Tomo I, 2º volume, de João Bénard da Costa. Lisboa: 2019. p. 351-353. Mantivemos a grafia original de Portugal.

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