por Giovanni Comodo
Play. Vamos faixa a faixa?
C’mon up, bring your friends, we’ll start that party rolling/ My castle’s rockin, run on fire to see. Poucas décadas foram
velozes como os 70 em Hollywood. Seu início viu a ascensão e completo sucesso
de uma nova geração de diretores-autores, jovens apaixonados por cinema, com
fogo nas ventas para realizar suas visões e também desencantados com seu
próprio país. Excessos (pessoais e artísticos) e a resposta rápida dos donos
dos estúdios – apostando cada vez mais em blockbusters
escapistas em tempos sombrios – encerraram a festa já na virada para os anos
80, mas alguns conseguiram trazer e encaminhar seus amigos antes. Alan Rudolph
foi roteirista e assistente de direção de Robert Altman (Mash, Nashville) e com
sua produção conseguiu realizar Remember
my name (Lembre meu Nome), lançado em 1978. De Altman, trouxe uma câmera fluida e o gosto por
personagens interessantes e quebradiças, porém Rudolph consegue ser um
romântico maior, mais cômico e mais leve. Se Altman filma as pessoas com uma
certa distância (até para observar e flanar melhor entre seus tantos grupos),
Rudolph é um diretor do corpo-a-corpo, de acompanhar seus personagens na altura
dos olhos, próximo de seus equívocos, segredos e desejos. É dono de um timing
cômico que transparece até nos momentos tensos de Remember my name e consegue filmar (e reenquadrar sem cortes!) duas
pessoas em uma conversa como raros de seus colegas – esta última habilidade
citada é tanto um dos motivos para a sensação de dilatação do tempo e do
mistério envolvendo Emily como o que nos possibilita estar cada vez mais
ligados aos seus personagens: permanecemos com eles, seduzidos, dançando pé com
pé.
I noticed you’ve been acting very strange dear. Rudolph quis realizar uma espécie de revisita ao noir e ao melodrama (sequer eles eram excludentes, como já exibimos no Atalante outras vezes com Meu Único Amor de Raoul Walsh e Os Desgraçados não Choram de Vincent Sherman), com uma história de uma mulher misteriosa que chega a uma cidade e altera a vida de seus moradores, na longa tradição de femmes fatales. Porém são outros tempos, cores, corpos, músicas. Para esta última, Rudolph e Altman convocam Alberta Hunter, compositora e cantora de blues atuante nas décadas de 1930-40, que voltara aos palcos no ano anterior após sua aposentadoria como enfermeira. Hunter é a responsável pela trilha do filme e suas melodias repletas de desencanto, que sublinham o drama na tela – são suas letras que abrem cada parágrafo aqui, sobre este filme que é praticamente um musical.
The love I have for you makes my blue days bright. Porém o filme pertence, de fato e afinal, à sua atriz principal:
Geraldine Chaplin. Rudolph, que havia trabalhado com ela em participações
menores antes, escreveu o filme especialmente para Chaplin, pensando em como
reagiria a cada situação. Já conhecida por filmes com Carlos Saura e Jacques
Rivette, Geraldine impõem-se neste filme americano com um ritmo próprio, fora
de lugar como sua Emily. Pálida, esquia, postura sempre tensa, sem piscar, sua protagonista
atrai nosso olhar e da câmera como se tivesse uma força gravitacional: não
poucas as cenas em que há um suave zoom em sua direção, irremediável e com
cuidado como se para não nos aproximarmos abruptamente.
I dreamed the man thatI loved has another lover in my place/ You forgot you said you loved me. Aos poucos somos apresentados às razões de Emily, inclusive o motivo de ser praticamente um ser extraterrestre descobrindo aquele mundo resumido em um supermercado modorrento, uma casa pequena de um jovem casal trabalhador, esqueletos de residências em construção, um cortiço, um bar escuro. Ela é alguém que amou e talvez ainda ame. Daí suas atitudes tão estranhas, de pequenas vinganças vazias e desesperadas. Chaplin faz um tour de force, da raiva ao riso e à lágrima tudo de uma vez, imprevisível, dilacerante e, por vezes, quase cômico (um corpo em conflito e subversão com as regras do entorno foi a especialidade do Chaplin-pai, que de certa maneira transborda no fazer da Chaplin-filha). Impossível esquecê-la.
Lord, it may be a week, and it may be a month or two/ All the dirt you done to me, honey, it's comin' back home to you. Houve um tempo em que Hollywood fazia filmes em que amar era uma terrível responsabilidade. Rudolph, Altman e Chaplin bem sabiam disso. E eu e você também.
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