quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Cineclube do Atalante: Para sempre mulher

 Neste sábado às 16h na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!

Sábado, 13 de dezembro:

PARA SEMPRE MULHER
Dirigido por Kinuyo Tanaka.

(Chibusa yo eien nare, Japão, 1955, 109 min., drama, 14 anos.)
Com Yumeji Tsukioka, Masayuki Mori e Ryōji Hayama.

Hokkaido, norte do Japão. Fumiko vive um casamento infeliz. O seu único consolo são os seus dois filhos e um clube de poesia que revela ser a sua principal escapatória permitindo visitas à cidade. Passado um tempo ela é diagnosticada com câncer de mama e enquanto os seus poemas são publicados, passa por uma mastectomia e o tratamento da doença. Em paralelo, a jovem mulher descobre a paixão por um jornalista que a visita no hospital.


SERVIÇO:
CINECLUBE DO ATALANTE
“Para sempre mulher” (1955), de Kinuyo Tanaka
Sábado, 13/12
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Cineclube do Atalante: Gosto de Cereja

Neste sábado às 16h na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!


Sábado, 22 de novembro:

GOSTO DE CEREJA
Dirigido por Abbas Kiarostami.

(Ta’m e Guilass, Irã, 1997, 99 min., drama, 14 anos.)
Com Homayoun Ershadi, Abdolrahman Bagheri, Afshin Khorshid Bakhtiar.

Senhor Badii é um homem rico de meia-idade que está pensando em cometer suicídio e, vagando em seu carro, procura alguém que possa ajudá-lo. Ele já fez a sua cova embaixo de uma cerejeira nas montanhas, mas precisa que alguém cubra seu corpo.

SERVIÇO:

CINECLUBE DO ATALANTE
“Gosto de Cereja” (1997), de Abbas Kiarostami
Sábado, 22/11
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante


Génesis, de Marta Ramos e José Oliveira

por Giovanni Comodo


Nunca esqueci que certa vez estávamos em uma roda de amigos depois de um jantar e falávamos sobre o tema que sempre nos assombra: o cinema. Na verdade, todos já se conheciam há muitos anos e eu era o recém-chegado em visita a Lisboa. Argumentei, muito seriamente, que para o melhor do cinema acontecer era necessário afinal filmar com amor, este sentimento tão menosprezado. Marta Ramos, realizadora ali presente, não hesitou e disse em sequência “amor e pudor”, no que todos fomos convencidos sem precisar de argumentos.

Para mim foi uma surpresa ouvir uma verdade que ainda não havia conseguido colocar em palavra, uma vez que não se trata do pudor enquanto conservadorismo, mas de uma relação de modéstia e respeito com o outro e o mundo. Os gregos veneravam Aedos, divindade personificação do pudor, da humildade e da vergonha, responsável pela dignidade humana e pelos homens evitarem o inapropriado. O cinema não lhe dedicou templos, mas é possível perceber que alguns lhe fizeram oferendas – sem pudor não teríamos Ford, Mizogochi, Ozu, Bresson, Manoel de Oliveira, Kiarostami, Costa.

“Génesis”, o novo filme de Marta Ramos e José Oliveira, é um trabalho de amor e pudor, dedicado às pessoas e à vida. Começa com o que parece ser um filme em preto-e-branco Super-8 com duas mulheres com trajes gregos se divertindo, entre danças e abraços (sacerdotisas de Aedos? Não sabemos ainda). Corte. Cor, cidade, barulho, más notícias. Corte. Campo, verde, o correr de um riacho. Ficamos sabendo que Maria, uma das sacerdotisas, é atriz e chega ao Fundão com a lata do filme na mala à procura de Lívia, sua amiga e colega que sequer viu a estreia do filme grego que trouxe consigo. Durante a primeira hora de “Génesis” Maria irá percorrer o Fundão e suas montanhas para tentar descobrir notícias da amiga, em uma série de encontros e explorações da região.

Maria, vivida por Marta Carvalho – que havia trabalhado anteriormente com os realizadores em uma aparição luminosa em “Os Conselhos da Noite” –, narra suas observações para nós. Muda, em suas andanças conhece o Jornal do Fundão, passeia pelo centro, pelas obras do histórico Cine-teatro da Gardunha, pela Moagem, por centros sociais, por quintas e campos, pelas minas da Panasqueiras (“parece que estas montanhas estão a sangrar” diz ela para nós, sendo impossível não pensar em outro filme realizado ali por uma outra dupla de realizadores, “Wolfram, a saliva do lobo”, de Joana Torgal e Rodolfo Pimenta). Maria consegue comunicar-se com facilidade e serve como ouvinte para as pessoas que encontra, muitas delas enquadradas diretamente para a câmera.


As cenas demonstram a inegável capacidade de transformação do Fundão. Uma moagem se torna centro cultural de cinema e teatro, um seminário se transforma em local de acolhimento e museu, uma ruína voltará a ser cinema. Novos tempos, novas funções, sempre pautadas no espírito de resistência e defesa da liberdade que está desde os pequenos gestos aos discursos do 25 de abril – apesar dos alertas da utilização desenfreada da terra em avanço.

O que nos leva a outra questão central e urgente: o filme é atravessado pela Guerra na Ucrânia, ainda em andamento. O Fundão tem acolhido refugiados ucranianos, entre adultos e crianças, que participam do filme com seus depoimentos à Maria (e à nós, portanto). Brincam, riem, mostram suas artes. Os realizadores nos dão a ver estas pessoas, em um gesto de tornar corpóreo e humano o que para muitos é apenas estatística de conflito.

Ramos e Oliveira nos lembram que o cinema não apenas pode dar a ver, mas também a ouvir. Ouvimos os refugiados, os voluntários, os habitantes do Fundão, seus músicos, seus pastores. Todos trazem suas histórias e assumem o completo protagonismo do filme em seus momentos, nada mais importa – como deve ser ao ouvirmos alguém contar algo caro de si.

Poucas vezes temos a oportunidade de acompanhar uma obra cinematográfica com tamanha desenvoltura na defesa e no exercício da liberdade como “Génesis”. Não apenas pela alma fundanense que atravessa a projeção e que cabe tão naturalmente aos realizadores que habitam ali faz poucos anos, mas na própria concepção do filme: regras não se aplicam, elas engessam, comportam, aborrecem. Aqui, é impossível saber o que sucederá cada cena. E, entretanto, jamais é gratuito, sempre há uma inteligência em cada sequência que se perfaz, com uma sutileza que não faz soltar a mão da plateia. Há ainda o prazer da surpresa constante com as imagens, além do cuidado raro para olhar a paisagem: da textura de película em preto-e-branco aos filtros diáfanos, passando pelos oníricos, diferentes janelas de enquadramento e intensidades de cores, os usos de fotografias, material de arquivo, rádio, músicas ao vivo, poesias, depoimentos, registros de apresentações artísticas e religiosas, tudo interessa e agrega à complexa e múltipla tessitura da vida capturada e exibida pelos realizadores. Há quem defenda filmar como se não houvesse amanhã, porém neste caso é o oposto, filma-se porque haverá um amanhã. 



A metade do filme traz a revelação de que Lívia não está em perigo: desapareceu por vontade própria, para tornar-se mãe. Há uma sequência de cenas da natureza, da grande beleza descoberta nos pequenos movimentos das coisas. Adentramos pela escuridão das cavernas da Serra da Gardunha e há um corte na montagem ao sairmos para a luz, seguida da revelação do rosto de um bebê, seu olhar começando a discernir o mundo. A partir dali, acompanhamos a voz de Lívia em uma carta aberta para seu filho recém-nascido (entendemos que algumas das imagens vistas antes eram destes momentos anteriores à chegada de Maria, como a visão dos ninhos de cegonhas e inclusive os depoimentos do geólogo, que eram dirigidos para Lívia desde o início), entre memórias e incertezas para o futuro – a Guerra na Ucrânia teve seu início pouco depois da notícia da gravidez, o que a fez trabalhar no mesmo centro em que Maria trabalharia meses depois. 

Lívia descobre-se mãe, em um chamado que parece vir dos campos e das pedras – a primeira imagem do filme, aliás, ainda em preto-e-branco, era de uma pedra cujas manchas do tempo pareciam duas células se multiplicando no microscópio, uma promessa inesperada da vida sempre a surgir capturada pelos realizadores.

Vale dizer que Lívia é vivida pela Marta Ramos e o bebê – que acaba por nascer do cinema e no cinema – é dela e do José Oliveira (que tivera uma breve ponta antes como o Miguel que percorre com Maria as colinas das minas). Acompanhamos com Ramos e Oliveira o fascínio da descoberta da nova vida, na barriga e depois, em uma grande fusão entre filme e vida – porque o cinema não deve afinal ser dissociado da vida, é ela que alimenta os filmes, sendo necessário realizadores de enorme coragem, paixão e pudor para o desafio de registrar a vida, com respeito e em comunhão com o mundo em volta e igualmente com a plateia.

É também porque não se dissocia cinema e vida que percebemos a presença de Ramos e Oliveira nas interações com os ucranianos e em outros momentos, especialmente na despedida do filme – nesta última cena, vemos os personagens ou os realizadores? Não importa, vemos uma família de três pessoas onde antes haviam duas, repletos de futuro.

Em determinada altura de “Génesis”, mencionam que quanto mais se conhece, mais se aprofunda o mistério. Neste filme que propõe conhecer ao máximo uma paisagem e suas pessoas, não temos alternativa que abraçar variados mistérios – de segredos que não são compartilhados conosco a tramas que se desfazem. Porém nenhum deles maior do que o da vida, mostrado diante de nossos olhos, com amor e pudor.


Texto escrito para a estreia mundial do filme Génesis nos Encontros de Cinema do Fundão de 2024 (agosto, Portugal) que integra o catálogo do festival. Agradecemos à organização do festival pelo convite e por autorizar esta postagem. 

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Cineclube do Atalante: Encore: uma vez mais

 Neste sábado às 16h na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!


Sábado, 01 de novembro:


ENCORE: UMA VEZ MAIS

Dirigido por Paul Vecchiali


(Encore, FRA, 1988, 87 min., drama/musical, 16 anos.)

Com Jean-Louis Rolland, Florence Giorgetti, Pascale Rocard.


Louis decide deixar sua esposa para buscar a felicidade longe de casa e no caminho encontra Franz, por quem se apaixona. Estruturado como um musical de longas sequências sem cortes, este trabalho ousado e apaixonante de Vecchiali também foi o primeiro longa da França a abordar a AIDS diretamente.


SERVIÇO:


CINECLUBE DO ATALANTE

“Encore: uma vez mais” (Encore, 1988), de Paul Vecchiali

Sábado, 01/11

Às 16h

Na Cinemateca de Curitiba

(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)

(41) 3321-3552

ENTRADA FRANCA


Realização: Coletivo Atalante





quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Cineclube do Atalante: Moral

Neste sábado às 16h na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!


Sábado, 25 de outubro:

MORAL
Dirigido por Marilou Diaz-Abaya.

(Moral, Filipinas, 1982, 138 min., drama, 16 anos.)
Com Lorna Tolentino, Gina Alajar, Sandy Andolong.

As vidas episodicamente conectadas de quatro amigas se desenrolam ao longo dos anos iniciais da Lei Marcial nas Filipinas, tudo isso enquanto elas lutam para lidar com seus desejos sexuais e profissionais e a melhor forma de alcançá-los.

SERVIÇO:

CINECLUBE DO ATALANTE
“Moral” (Moral, 1982), de Marilou Diaz-Abaya
Sábado, 25/10
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA

Design: @ogalsouza e @gw.vargas
Realização: Coletivo Atalante



quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Cineclube do Atalante: Haywire - A toda prova

 Neste sábado às 16h na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!

Sábado, 11 de outubro:

A TODA PROVA

Dirigido por Steven Soderbergh.

(Haywire, EUA, 2011, 93 min., ação, 14 anos.)
Com Gina Carano, Michael Fassbender, Michael Douglas.

Mallory Kane é uma espiã altamente treinada que trabalha para um órgão do governos nos lugares mais perigosos do mundo. Após libertar um jornalista chinês de seus sequestradores, ela é traída e deixada para morrer por sua própria agência. Mallory, no entanto, consegue sobreviver e passar a utilizar todo o seu treinamento na construção de um plano de vingança e redenção.

SERVIÇO:

CINECLUBE DO ATALANTE
“A toda prova” (Haywire, 2011), de Steven Soderbergh
Sábado, 11/10
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA

Design: @ogalsouza e @gw.vargas
Realização: Coletivo Atalante

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Cineclube do Atalante: Desejo e obsessão

Neste sábado às 16h na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!

Sábado, 20 de setembro:

DESEJO E OBSESSÃO

Dirigido por Claire Denis.

(Trouble Every Day, França, 2001, 101 min., romance/horror. 18 anos.)
Com Vincent Gallo, Béatrice Dalle,  Tricia Vessey

Shane e June Brown são dois recém-casados americanos em Paris que experimentam um amor tão forte que quase os devora.

Serviço:

CINECLUBE DO ATALANTE
“Desejo e obsessão” (2001), de Claire Denis
Sábado, 20/09
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA 

Design: @ogalsouza e @gw.vargas
Realização: Coletivo Atalante

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Cineclube do Atalante: Cidade das mulheres

Neste sábado, às 16h, na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!



Sábado, 23 de agosto:

CIDADE DAS MULHERES
Dirigido por Federico Fellini.

(La città delle donne, Itália, 1980, 140 min., drama/comédia, 16 anos.)
Com Marcelo Mastroianni, Donatella Damiani, Bernice Stegers, Anna Prucnal.

O sonhador Snàporaz é seduzido por uma bela mulher durante uma viagem de trem. A sensual moça auxilia o rapaz a idealizar uma fantasia, metade sonho, metade pesadelo, na qual é o único homem em uma cidade repleta de mulheres. Nesse universo novo, Snàporaz é simultaneamente reverenciado e julgado.


Serviço:

CINECLUBE DO ATALANTE
“Cidade das mulheres” (1980), de Federico Fellini
Sábado, 23/08
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA 

Design: @ogalsouza e @gw.vargas
Realização: Coletivo Atalante


 


quinta-feira, 31 de julho de 2025

Cineclube do Atalante: A Rua da Vergonha

Neste sábado às 16h na Cinemateca de Curitiba. Sempre com entrada franca e seguido de conversa!

Sábado, 02 de agosto:

A RUA DA VERGONHA
Dirigido por Kenji Mizoguchi.

(Akasen chitai, Japão, 1956, 87 min., drama, 14 anos.)
Com Machiko Kyo, Ayako Wakao, Hiroko Machida.

A trajetória e histórias de vida de diversas prostitutas que se encontram nos arredores de um famoso bordel em Tóquio, no Japão. A "Terra dos Sonhos", como era conhecida a casa, abriga diversos dramas que são trazidos à luz.

Serviço:

CINECLUBE DO ATALANTE
“A Rua da Vergonha” (1956), de Kenji Mizoguchi
Sábado, 02/08
Às 16h
Na Cinemateca de Curitiba
(Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1174 - São Francisco)
(41) 3321-3552
ENTRADA FRANCA 

Design: @ogalsouza e @gw.vargas
Realização: Coletivo Atalante

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Cinefilia, um bastião masculino a desconstruir

por Axelle Ropert

Não é fácil ser uma cinéfila feminista hoje em dia. Não vamos medir palavras: o ato poderoso de Judith Godrèche[1] nos obriga a questionar as ideias daqueles líderes de pensamento que construíram uma certa história do cinema – fundada em outra forma de poder, a masculina. É preciso ser feminista.

Contudo, criticar "o sistema" reduzindo-o aos supostos vícios do cinema de autor é completamente equivocado. A política dos autores nascida na década de 1950, aquela que conseguiu conceituar o cinema clássico e lançar o cinema moderno, não tem nada a ver com a promoção do poder masculino. Tratava-se principalmente de dar ao cinema, então considerado uma "arte incompreendida", o devido reconhecimento e colocar o diretor, antes visto como um mero empregado, no centro da obra. Nada mais, nada menos. É preciso ser cinéfila.

Vamos tentar fazer um inventário

Podemos ser simplesmente feministas para os casos espetaculares de abuso e estritamente cinéfilas para os outros? Não. Tudo está interligado. Como cinéfila desde a adolescência e feminista já há alguns anos, eu me coloco muitas perguntas.

Estamos em 2024. Vamos tentar fazer um inventário. Nenhuma mulher dirigindo um grande festival de cinema, nenhuma mulher à frente da Cinemateca Francesa (e uma desde 2021 no Institut Lumière). Nenhuma cineasta com o nome de uma autoridade como as vozes internacionais de Scorsese ou Tarantino. À frente das principais revistas cinéfilas francesas: nenhuma mulher liderando a Positif, uma mulher apenas nos últimos dois anos à frente dos Cahiers du Cinéma, quase nenhuma mulher liderando as inúmeras revistas cinéfilas e periódicos de prestígio criados desde a década de 1950. Uma mulher está no comando do Masque et la Plume há alguns meses, apesar de sua existência completar… 69 anos.

Nenhuma crítica francesa reconhecida no nível da americana Pauline Kael, nenhum livro sobre cinema francês escrito por uma mulher que se tenha tornado referência. Nenhuma (importante) história do cinema escrita por uma mulher. Onde estão os equivalentes de obras de nossas amigas críticas a "O Travelling de Kapò", "montagem proibida", "cinema filmado" e "o travelling é uma questão de moral" escritas por mulheres? Apenas Nicole Brenez conseguiu emergir, mas no campo bastante circunscrito do cinema experimental.

Os únicos conceitos que conseguiram deixar uma marca, como o "male gaze" de Laura Mulvey, são marcados com o rótulo de "feminista" – ou seja, um presente envenenado: um conceito feminista não pode ser um conceito cinéfilo. As raras ocasiões em que uma mulher tenta questionar formas de dominação masculina em filmes (obrigada, Laure Murat, obrigada, Iris Brey): zombaria imediata, desqualificação por princípio. Uma feminista só pode ser considerada intelectualmente deficiente em termos de cinefilia.

É um deserto. Posições de poder, materiais e simbólicas, bem como o campo das ideias, escaparam às cinéfilas: o que aconteceu?

E, no entanto, somos a anti-Mia Farrow em A Rosa Púrpura do Cairo: o que nos faz sonhar não é de maneira alguma entrar no filme, mas sim escrever sobre ele.

Então, a cinefilia é um assunto para homens?

Certamente, seria necessário realizar uma análise minuciosa dessa história: a história dos Cahiers du Cinéma não é a mesma que a dos Positif, nem a mesma que a da Première ou Starfix. Um Michel Ciment não tem nada a ver com um Jean-Claude Biette, um Narboni com um Jean-Baptiste Thoret, um Christophe Gans com um Jacques Lourcelles, um Tavernier com um Moullet[2]. Colocar todos juntos seria cometer uma grande justiça intelectual; a história dessas diferenças também é uma história de grande complexidade.

Um jogo com suas regras, suas punições, suas recompensas

Mas, ainda assim, o que deu errado para que tão poucas mulheres entrassem nesse jogo? Porque, sim, a cinefilia é de fato um jogo, com suas práticas, suas regras, suas exigências, suas punições, suas recompensas. Essencialmente, são os homens jovens que passam a vida na Cinemateca. Às vezes, há garotas jovens, muitas vezes silenciosas por meses – eu só ousei entrar na cinefilia “acompanhada” por dois meninos.

A cinefilia envolve atos de classificação: listas, rankings, fichas informativas. Organizamos o mundo, o miniaturizamos, o encaixamos em caixinhas.

A cinefilia é uma relação muito particular com o tempo: infinita e repetitiva. Discutir um filme por horas, assisti-lo 256 vezes, pensar nele por dez anos. É o tempo de maceração, cristalização, reavaliação que faz o trabalho do pensamento cinéfilo, e é por meio dessa relação com o tempo que os textos mais profundos são inventados.

A cinefilia é uma relação com a vida baseada em uma rejeição radical. É porque não gostamos da vida que somos cinéfilos, e a sala escura do cinema é acima de tudo um refúgio com as costas para o mundo exterior. Grandes cinéfilos são indivíduos aterrorizados pela "vida real" – e essa é a grandeza deles, sua verdade, seu heroísmo bizarro também, e como eles estão corretos.

Classificar, repetir, fugir: por que nós mulheres não seguimos esse triplo movimento do grande gesto cinéfilo? Eu diria que a vida material, tal como se impõe às mulheres, é o que nos impediu: enquanto vocês listavam seus dez melhores filmes de Preminger, nós fazíamos a lista de compras. The Human Factor versus Canard Gel WC[3]. Enquanto vocês reviram Vertigo pela 356ª vez, nós também revisamos, pela 356ª vez, os verbos do presente do indicativo para o nosso filho de 8 anos. Alfred H. versus a lição de casa da Sra. Quentin para o segundo ano. Enquanto vocês escapavam da realidade trancando-se em um cinema, fomos obrigadas a organizar as férias de verão.

Odiamos a vida prática tanto quanto vocês. Odiamos a realidade e suas obrigações entediantes, queremos sonhar acordadas sem parar em uma sala escura de cinema, mas não tínhamos escolha: em algum momento, tivemos que voltar, porque as mulheres são sempre chamadas de volta pela vida prática, pela vida física, pela vida em geral. Desde que tive filhos não assisto a uma retrospectiva completa na Cinemateca, é uma queda livre, sei que regredi e agora conheço o corredor de compras do meu Franprix[4] melhor do que o jogo de encontrar as diferenças entre as versões de 1939 e 1957 de Love Affair – que vergonha.

Uma lendária e beligerante cartografia

A cinefilia é uma lendária e beligerante cartografia com acampamentos, mestres, estratégias, derrotas, vitórias e batalhas. É emocionante, e eu jamais diria que é trivial ou imatura. Por que nenhuma de nós se tornou General? Provavelmente uma questão de prioridades: a reserva de agressividade que vocês colocam em batalhas cinéfilas é mobilizada em outro lugar para nós. Estamos ocupadas resistindo em outro lugar. Para batalhas muito menos nobres, muito mais triviais – não sermos assediadas, agredidas, estupradas, por exemplo. Sim, o argumento pode constranger, mas é verdadeiro. Vocês podem empregar sua energia combativa a questões externas em sua vida cotidiana, nós não.

E então, ainda mais profundamente, não apenas quanto às práticas cinéfilas, mas também sobre a sua essência – a cinefilia não foi sempre postulada como masculina? Partindo da premissa de que só os homens entenderiam verdadeiramente o cinema – porque não somos perversas o suficiente, obcecadas o suficiente, mórbidas o suficiente, órfãs o suficiente, clandestinas o suficiente, saudáveis ​​demais, vivas demais, integradas demais, normais demais. Bobagem, claro, vocês subestimam demais a escuridão da nossa psique.

A cinefilia não se baseia na homofilia, um mundo espelhado melvilliano onde os efeitos do reconhecimento masculino brilham, onde os homens se reconhecem como semelhantes e solidários, e onde o gênero feminino é majoritariamente ignorado?

Receio que sim.

Deveríamos nos aprofundar no caso de Serge Daney, o maior crítico teórico francês. Li e reli-o com paixão, e, no entanto, ele certamente contribuiu para tornar a cinefilia algo exclusivamente masculino. Será que seu conceito de "ciné-fils" (cine-filho), tão rico, tão profundo, não nos excluiu ao fazer da cinefilia uma história de linhagem estritamente masculina? De pais, filhos, irmãos? Ele não colocou de fato a impossibilidade de sua versão feminina? Pode uma "ciné-fille" (ciné-filha) existir dentro de seu sistema, privada como está de validade histórica, sexual, existencial e dramática? Duvido.

Então, sim, tristeza: a cinefilia não nos foi muito acolhedora.

A história do cinema foi tecida com o sangue das atrizes

E uma raiva tremenda: se há uma área em que a cinefilia errou grosseiramente foi na questão do corpo feminino – neste caso, o da atriz. Como vocês, eu colecionava fotos de atrizes, mas, diferentemente de vocês, fiquei imediatamente revoltada com os maus-tratos que notava por trás dos filmes. Em trinta anos de cinefilia, não ouvi um único questionamento profundo sobre esse assunto, nem uma única palavra de empatia (recordemos do sinistro caso Brisseau em 2003).

Vocês não queriam ver o quanto a história do cinema foi tecida com o sangue das atrizes. Não é por acaso que o escândalo surge agora através da figura da atriz[5], não é por acaso que meu primeiro texto crítico de verdade foi dedicado às atrizes: era o domínio "obscuro" onde havia um novo pensamento para produzir, enquanto meus amigos homens ocupavam o domínio já demarcado da "mise en scène".

Então, vamos propor um axioma: o corpo da atriz é a Pedra de Roseta[6] da cinefilia – através dela, lemos um exercício de admiração, cegueira e sadismo. Uma pedra cujas ambiguidades brilham loucamente. Através dela, tudo é traduzido, tudo é iluminado, tudo faz sentido, três vezes.

Então, sim, a cinefilia é uma prática estimulante. Adorei frequentar sua franja "menor", antissocial, poética e selvagem, que não tem nada a ver com os machos básicos: os Biettes, Guiguets, Vecchialis, Delahayes, Narbonis, Skoreckis – seres secretos, seres da música, seres originais e profundos.

E, no entanto, tem sido fundamentalmente um "assunto de meninos".

Portanto, ainda há perguntas a serem feitas. E se vocês quiserem se aprofundar, talvez possamos dizer juntos: "L'exercice a été profiter, messieurs"[7].

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Nota da autora: agradecimentos a Marie S., Elisabeth L., Chloé L., Christine M., Blandine L.

Axelle Ropert (Paris, 1972) é cineasta, roteirista, jornalista, crítica de cinema e ex-editora da revista La Lettre du cinéma. Escreveu e dirigiu os filmes Étoile Violette (2004), Mostre a língua, moça (2013, cujas imagens ilustram esta postagem), Petite Solange (2021), dentre outros.

Publicado originalmente em 4 de abril de 2024 no jornal Libération (https://www.liberation.fr/idees-et-debats/tribunes/la-cinephilie-un-bastion-masculin-a-deconstruire-20240404_5UQLIK2VPNE6NANVVFXTWJAWIM/) e traduzido para o inglês por Jhon Hernandez para a revista The Lucky Star em setembro do mesmo ano (https://theluckystarfilm.net/2024/09/09/translation-corner-axelle-ropert-on-metoo-judith-godreche-cinephilia-and-more/), versão em que se baseou esta tradução realizada por Giovanni Comodo por não haver a íntegra em francês disponível para não-assinantes do jornal.



[1] Judith Godrèche (Paris, 1972) é uma atriz francesa que veio a público denunciar abusos sexuais e psicológicos que sofreu quando adolescente por dois diretores franceses de renome, Benoît Jacquot (conhecido por, dentre outros, Adeus minha rainha, 2012) e Jacques Doillon (conhecido por, dentre outros, Rodin, 2017), o que despertou uma série de denúncias de abuso na França e o questionamento da autoridade dos diretores homens em sets de filmagens e no sistema do cinema francês, em um ponto de virada do movimento #MeToo no país (N. do T.).

[2] A autora cita uma série de publicações e críticos franceses de diferentes matizes, épocas e públicos (N. do T.).

[3] Produto de limpeza desinfetante de banheiro popular na França, cuja marca é vendida no Brasil como Pato Limpeza Profunda Gel (N. do T.).

[4] Rede de supermercados francesa (N. do T.).

[5] Retomando Judith Godrèche do início do texto (N. do T.).

[6] A Pedra de Roseta é um fragmento de uma coluna egípcia com inscrições em três escritas diferentes: hieróglifos, demótico e grego antigo. Descoberta no Egito em 1799, a pedra foi crucial para a decifração dos hieróglifos (N. do T.).

[7] A frase “O exercício foi um sucesso, senhores” faz referência ao livro “L'exercice a été profitable, messieur” (1993) de Serge Daney, publicado postumamente, mantido na tradução para o inglês (N. do T.)