domingo, 20 de maio de 2012

A(s) cópia(s) fiel(ieís) de Abbas Kiarostami



Num primeiro momento, há a impressão de que o Kiarostami antigo ficou nas paisagens iranianas. Este novo cineasta em sua aventura internacional, mais precisamente, uma aventura na Toscana na Itália, de alguma forma, modificou-se. Mas logo vemos, aos poucos, que esta impressão é falsa. Aos poucos, plano a plano, as suas marcas de autoria vão reaparecendo, configuradas em um novo espaço, descobrindo uma paisagem ainda virgem para aqueles olhos de turista. Os planos fixos e alongados, a mise-en-scène bem construída e composta, ao mesmo tempo em que há a impressão da ausência desta construção, a viagem de carro e suas paisagens ao fundo, o uso de não-atores (um dos protagonistas é William Shimell, um barítono de Ópera em uma brilhante estreia no cinema).
Em Cópia fiel, James Muller (o cantor lírico citado acima) é um escritor de um ensaio, cujo título é o nome do filme, que acredita que, na arte, a cópia tem o mesmo valor, se não maior, que o original, uma vez que este sempre remete ao original, valorizando-o. Além disso, a cópia (principalmente uma boa cópia) transmite a mesma sensação, a mesma emoção que a obra original.
A primeira parte do filme é portanto uma explicação dessas teorias. Seja na tediosa sequência de abertura, a palestra que Muller dá, explicando suas ideias, seja na verborragia hermética nas sequências do carro em que o escritor e Elle (Juliete Binoche em uma excelente e eletrizante interpretação), dona de uma galeria de arte, travam quando estão indo conhecer uma cidade próxima onde estavam inicialmente. Neste momento, Muller amplia suas ideias para a vida. Reflete que tudo é cópia, o original não existe. A significação está, acima de tudo, nos olhos de quem vê.
No entanto, esta primeira parte é fundamental para uma preparação do que vêm a seguir na narrativa fílmica. No entanto, é muito mais um comentário que auxilie e conduza o espectador para a discussão quando acabada a sessão do que uma preparação ao universo diegético, como faria uma narrativa clássica.
No meio do filme, em um momento-chave, eles estão em um café. Muller sai para atender um telefonema e a simpática balconista, uma típica madonna italiana, conversa com Elle. Ela acha que eles são marido e esposa. A personagem de Binoche não a desmente e embarca na brincadeira. Ele volta, ela contextualiza o que aconteceu. E pasmem, parece que ele embarca na representação também. Mas o que será isso? Um flerte? Uma brincadeira entre adultos? Mas por que eles brincariam desse jeito? São essas questões que vão ficando na cabeça do espectador nos primeiros minutos deste novo filme que começa. Sim, porque aparentemente os personagens são outros. Ou serão que não são? Será que estes novos sujeitos já podiam ser vistos antes, na primeira parte do filme?
É aqui que começa o grande momento e o diferencial desta obra-prima de Kiarostami. Ele demonstra construir um filme extremamente habilidoso e cheio de camadas e de profundidade. Na verdade, se voltarmos àquela tediosa cena do começo, a palestra, podemos já pressentir que existe alguma coisa de errado, já notamos que o filme não é sobre aquilo. Durante a maior parte da explicação das ideias de Muller, o cineasta volta a sua câmera para o local oposta ao palestrante, o diretor filma Binoche e seu filho. A criança não a deixa prestar atenção. Ali, já há algo de errado.
Voltando a segunda parte da narrativa. Agora, eles não são mais desconhecidos, um escritor inglês e uma francesa, perdidos na beleza italiana. São um casal de 15 anos de casados em crise, amargurados, sem ilusões (principalmente ele) do amor. Com o desenrolar da narrativa, vamos nos dando conta de uma possibilidade: e se, na verdade, eles eram um casal desde o início? Um casal separado pela distância, tanto física (ele mora na Inglaterra, ela na Itália) quanto emocional. A distância era tão grande que não percebemos a relação ali presente desde o começo. Ao rememorar as cenas do filme, esta ideia é possível. Algumas cenas ganham um novo sentido nesta nova chave de entendimento da narrativa.
No entanto, a grande questão do início do filme volta aqui. O que importa saber se eles são um casal de fato (um original da vida) ou apenas uma representação (uma cópia), arquétipos (extremamente bem construídos) de um casal em crise. O que importa saber disso? Se a emoção de Binoche é tão verdadeira, forte e convincente quanto era antes da virada da narrativa. E não era justamente esta a discussão que se travava no início: o que importa saber se a obra de arte é a original ou uma cópia se o que realmente importa é o olhar a ela direcionado, a emoção catalizada.

Felipe Aufiero Fonseca
(Atalante, 2012)


Nenhum comentário:

Postar um comentário