Sobre o espaço na obra de Agnès Varda (fragmento)
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Fixemo-nos então, um pouco em Cléo de 5 às 7 (1961), talvez o filme mais conhecido de Agnès Varda, e seu segundo longa-metragem. A protagonista, em face da iminência da morte sugerida nos tarôs, perambula pelas ruas de Paris, sozinha e sem direção, até que ocorre, em seu espírito, uma mudança. "Estou feliz", ela diz ao soldado que encontra em seu passeio, e não entendemos bem o porquê. Ora, o que aconteceu nesta uma hora e meia de narrativa – em tempo real – que justificasse a transição dentro da protagonista? Pela primeira vez, Cléo vivenciou a cidade, as pessoas, as construções, os jardins. Pela primeira vez, libertou-se dos espelhos que marcam a primeira metade do filme e se relacionou com o outro. Se a Nouvelle Vague foi marcada por essa exploração do cotidiano, das ruas, dos cafés, da vida das cidades, poucas vezes a premissa foi levada tão ao limite quanto em Cléo de 5 às 7. Porque cada figurante, placa de trânsito, nova rua que aparece no longa-metragem sugere mais do que uma função, revela um espírito. O soldado que se relaciona com a cantora no fim do filme não é mais importante do que a luz que bate nas árvores do jardim. Tudo transforma-se em Cléo.
Dessa forma, a revolução da protagonista só pode se dar em contato com o ambiente – não no sentido de La Pointe courte, nem mesmo no modo como Varda retrata as praias do Riviera -, mas porque o espaço, agora, é um mecanismo vivo, em constante modificação. Enquanto ele muda, mudamos com ele. Se a cineasta é famosa por confundir realidade e ficção em suas obras, por que no caso desse longa-metragem seria diferente? Sabemos que é uma atriz que interpreta Cléo, que os planos são decupados, que um roteiro compõe a narrativa. Mas, ainda, é Paris que lá existe, em seu espaço inalterado, possível de ser percorrido em uma hora e meia. Paris que constrói Cléo, Paris que é construída por ela. Dessa relação de dupla-troca (já enunciada nos curta-metragens) entre ambiente e personagem, nasce uma simbiose em que um começa onde o outro também, dentro da qual os atores viram pessoas e as paisagens personagens.
Dessa forma, a revolução da protagonista só pode se dar em contato com o ambiente – não no sentido de La Pointe courte, nem mesmo no modo como Varda retrata as praias do Riviera -, mas porque o espaço, agora, é um mecanismo vivo, em constante modificação. Enquanto ele muda, mudamos com ele. Se a cineasta é famosa por confundir realidade e ficção em suas obras, por que no caso desse longa-metragem seria diferente? Sabemos que é uma atriz que interpreta Cléo, que os planos são decupados, que um roteiro compõe a narrativa. Mas, ainda, é Paris que lá existe, em seu espaço inalterado, possível de ser percorrido em uma hora e meia. Paris que constrói Cléo, Paris que é construída por ela. Dessa relação de dupla-troca (já enunciada nos curta-metragens) entre ambiente e personagem, nasce uma simbiose em que um começa onde o outro também, dentro da qual os atores viram pessoas e as paisagens personagens.
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Leonardo Levis
(texto na íntegra: http://www.contracampo.com.br/83/artarquitetando.htm)
(texto na íntegra: http://www.contracampo.com.br/83/artarquitetando.htm)
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