Por Roger Ebert, 30 de dezembro de 1969
Algumas coisas
se recusam a serem ocultas. Seria mais conveniente, sim, e mais fácil para
todos se a versão oficial fosse acreditada. Mas então os fatos começam a
tropeçar uns sobre os outros, e as contradições emergem, e um “acidente” se
revela como um crime.
O filme
"Z" é sobre uma dessas coisas: sobre o assassinato, há seis anos, de
um líder político da oposição na Grécia. É também sobre todas as outras coisas.
Para os americanos, é sobre o massacre de My Lai, o assassinato de Fred
Hampton, a Baía dos Porcos. Não é mais sobre a Grécia do que "A Batalha de
Argel" era sobre a Argélia. É um filme de nosso tempo. É sobre como até
mesmo vitórias morais estão corrompidas. Ele vai fazer você chorar e vai fazer
você se irritar. Ele vai rasgar as suas tripas para fora.
O filme é
contado de forma simples, e é baseado em fatos reais. Em 22 de maio de 1963,
Gregorios Lambrakis foi fatalmente ferido em um “acidente de trânsito”. Ele era
deputado do partido de oposição na Grécia. A teoria do acidente não cheirava
bem, e o governo nomeou um investigador para analisar o caso.
Seu dever
tácito era reafirmar a versão oficial da morte, mas sua investigação o
convenceu de que Lambrakis havia sido, na verdade, assassinado por uma
organização clandestina de direita. Oficiais de alto escalão do exército e da
polícia foram incriminados. A trama foi desmascarada no tribunal e as sentenças
foram proferidas – penas duras para os peixes pequenos (joguetes, realmente)
que realizaram o assassinato e absolvição para os oficiais influentes que o
encomendaram.
Mas a história
não estava terminada. Quando a junta do Exército executou seu golpe de Estado
em 1967, os generais de direita e o chefe de polícia foram inocentados de todas
as acusações e “reabilitados”. Os responsáveis por desmascarar o assassinato se
tornaram agora criminosos políticos.
Estes eventos
pareceriam completamente políticos, mas o jovem cineasta Costa-Gravras os contou
em um estilo que é quase insuportavelmente emocionante. “Z” é ao mesmo tempo um
grito de raiva e um thriller de suspense brilhante. Ele até mesmo termina em
uma perseguição: não pelas ruas, mas através de um labirinto de fatos, álibis e
corrupção governamental.
Como Gillo
Pontecorvo, que dirigiu "Batalha de Argel", Costa-Gravas mantém um
ponto de vista acima do nível dos eventos que fotografa. Seu protagonista muda
durante o filme conforme ele nos leva de um envolvimento pessoal inicial para a
denúncia de todo um sistema político. Em primeiro lugar, estamos interessados
em Yves Montand, o líder político sábio e gentil que é assassinado. Então a
nossa atenção é dirigida para a viúva (Irene Papas) e aos líderes da oposição
que restaram (Charles Denner e Bernard Fresson).
E então, no
magistral último terço do filme, seguimos o investigador obstinado (Jean-Louis
Trintignant) conforme ele resiste à pressão oficial para ocultar o escândalo.
Ele reúne suas evidências quase relutante; ele não tem vontade de derrubar o
governo, mas precisa ver a justiça sendo feita se possível. Suas simpatias são
neutras, e um juiz verdadeiramente neutro é a coisa mais temível que a
Instituição pode imaginar. De que adianta a justiça se ela pode ser posta de
fora do estado, bem como de fora das pessoas? (Aqui, as implicações em relação
ao julgamento de conspiração de Chicago são óbvias).
O filme
primeiro parece terminar com um triunfo. O núcleo podre do governo está
exposto. Os militares e o chefe de polícia são acusados de homicídio, improbidade
oficial e obstrução de justiça. Um dos jovens seguidores do líder assassinado
corre para trazer à viúva as boas notícias. Ele a encontra à espera na praia.
Ele está triunfante; a justiça será feita; o governo vai cair. Irene Papas ouve
a notícia em silêncio e então se vira e olha para o mar. Seu rosto não
demonstra nenhum triunfo; só sofrimento e desespero. O que realmente resta para
ela dizer?
Nada, como
agora sabemos. A direita ganhou a longo prazo e hoje controla a Grécia. A
Senhorita Papas, o diretor, o escritor e o compositor deste filme estão todos banidos
na Grécia ("banido" - essa palavra terrível que ouvimos da Rússia e
da África do Sul, e agora da Grécia). Até mesmo a letra "Z" (que
significa "ele está vivo") está banida na Grécia.
Quando o filme
foi exibido no Festival de Cinema de San Francisco ele foi atacado em alguns setores
como sendo antiamericano, mas o que ele conta não é a simples verdade? Nós
apoiamos a junta militar grega. Nós reconhecemos o governo que assassinou
Lambrakis. Nós permitimos que a junta militar impedisse as eleições livres na
Grécia. E no Vietnã, o candidato que ficou em segundo nas “eleições livres” que
nós patrocinamos hoje está sentado em uma prisão de Saigon. Seu nome também
está banido.
Tradução: Jéssica Andrade de Lara e Dankar Bertinato
Texto disponível em: http://www.rogerebert.com/reviews/z-1969
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ResponderExcluirMaravilhosas as indagações feitas pela autora desta postagem. Essa filme é excepcional !!!
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