CINEFILIA | ESCRITA |
CONTO | ANESTESIA | ARGENTINA | RENOVAÇÃO | CLAUSTROFOBIA
CINEFILIA - Nasci numa pequena cidade no Norte da Argentina, onde, nos anos 70 e 80, a programação das salas de cinema alternava entre o cinema porno e os grandes sucessos americanos. Vi poucos filmes na minha infância, vi sobretudo westerns na televisão. Gostava imenso. Aos 15 anos recebi de presente uma pequena câmara e comecei a filmar os meus pais, os meus irmãos e as minhas irmãs. LA CIÉNAGA/O PANTANO inscreve-se nesta atitude: filmar o próximo, o quotidiano, a casa. Mas também é uma ficção.
ESCRITA - É um filme que escrevi muito depressa, mas durante muito tempo (risos). Já pensava na história há muito tempo, mas depois a passagem à escrita foi muito rápida. O tecido da história é composto por lembranças autobiográficas, mas não é uma autobiografia. Gostei muito de trabalhar na sua estrutura. Queria mostrar laços muito frágeis, exprimir a fragilidade dos seres através das relações que estabelecem com os outros, numa espécie de rio existencial. Em Sundance, os distribuidores americanos disseram-me que faltava coerência à narração. Achavam que o filme não tinha sido suficientemente construído. Mas eu não queria que LA CIÉNAGA/O PANTANO fosse a história de uma mãe alcoólica ou sobre a decadência de uma família. O que me interessava era mais atmosférico.
CONTO - Os contos negros marcaram a minha infância. A minha avó contava-me as histórias de Horacio Quroga como se fossem histórias que ela inventava. São contos muito mórbidos. Quroga é muito popular na Argentina. Durante toda a minha infância não tinha bem a certeza se estas histórias eram ou não da minha família. E, verdade seja dita, olhando para a minha família não era de todo impossível. A presença ameaçadora dos animais no meu filme vem daí. O filme enraíza-se nos meus medos de infância.
ANESTESIA - A casa da família chama-se Mandragoa, porque esta planta me seduz. Seduz-me porque na Europa, há alguns séculos, era usada pelas suas propriedades analgésicas e afrodisíacas. Queria que o filme oscilasse entre estes dois pólos, o adormecimento e a volúpia. É talvez o maior drama do filme. Cada personagem inventa proteções para fugir da realidade e, de repente, instalam-se, conseguem sobreviver e não tratam o que está mal. Há uma espécie de deleite em acomodar-se no sofrimento em vez de lutar. Acho isso muito característico dos argentinos.
ARGENTINA - Acho mais fácil rodar o primeiro filme na Argentina do que noutros países da América Latina ou outros países do mundo. O Instituto do Cinema faz esforços para apoiar o novo cinema. Uma cadeia de televisão injeta também dinheiro no cinema, mesmo se não é tanto como o Canal+. Há na Argentina cinema comercial, que continua a funcionar. Todos os anos um ou dois filmes têm imensos espectadores. O cinema argentino representa 20% dos filmes exibidos. LA CIÉNAGA/O PANTANO teve 120 mil espectadores, o que é um enorme sucesso para um filme de autor.
RENOVAÇÃO - Uma nova geração de cineastas apareceu há cinco anos. Mas não é um grupo unido de pessoas ligadas entre elas como a Nouvelle Vague. Este sete ou oito cineastas fazem filmes muito diferentes: Mundo Grua de Pablo Trapero não se parece em nada com LA CIÉNAGA/O PÂNTANO. O eco que os filmes estão a atingir no estrangeiro, o Prêmio em Berlim para LA CIÉNAGA/O PÂNTANO, são muito importantes na Argentina. Os argentinos são muito sensíveis ao reconhecimento internacional.
CLAUSTROFOBIA - Em Paris, apresentam-me cineastas franceses, mostram-me os filmes deles. Tento recuperar os anos perdidos e uma cultura de cinema que não tenho. Vou pouco ao cinema, sou muito claustrofóbica, não gosto de estar fechada numa sala. É engraçado porque LA CIÉNAGA/O PANTANO é um filme muito claustrofóbico, em quartos, camas, sai-se pouco da cama. Acho que seria incapaz de o ir ver senão tivesse sido eu a fazê-lo.
Entrevista por Jean-Marc Lalanne, Cahiers du Cinema
CINEFILIA - Nasci numa pequena cidade no Norte da Argentina, onde, nos anos 70 e 80, a programação das salas de cinema alternava entre o cinema porno e os grandes sucessos americanos. Vi poucos filmes na minha infância, vi sobretudo westerns na televisão. Gostava imenso. Aos 15 anos recebi de presente uma pequena câmara e comecei a filmar os meus pais, os meus irmãos e as minhas irmãs. LA CIÉNAGA/O PANTANO inscreve-se nesta atitude: filmar o próximo, o quotidiano, a casa. Mas também é uma ficção.
ESCRITA - É um filme que escrevi muito depressa, mas durante muito tempo (risos). Já pensava na história há muito tempo, mas depois a passagem à escrita foi muito rápida. O tecido da história é composto por lembranças autobiográficas, mas não é uma autobiografia. Gostei muito de trabalhar na sua estrutura. Queria mostrar laços muito frágeis, exprimir a fragilidade dos seres através das relações que estabelecem com os outros, numa espécie de rio existencial. Em Sundance, os distribuidores americanos disseram-me que faltava coerência à narração. Achavam que o filme não tinha sido suficientemente construído. Mas eu não queria que LA CIÉNAGA/O PANTANO fosse a história de uma mãe alcoólica ou sobre a decadência de uma família. O que me interessava era mais atmosférico.
CONTO - Os contos negros marcaram a minha infância. A minha avó contava-me as histórias de Horacio Quroga como se fossem histórias que ela inventava. São contos muito mórbidos. Quroga é muito popular na Argentina. Durante toda a minha infância não tinha bem a certeza se estas histórias eram ou não da minha família. E, verdade seja dita, olhando para a minha família não era de todo impossível. A presença ameaçadora dos animais no meu filme vem daí. O filme enraíza-se nos meus medos de infância.
ANESTESIA - A casa da família chama-se Mandragoa, porque esta planta me seduz. Seduz-me porque na Europa, há alguns séculos, era usada pelas suas propriedades analgésicas e afrodisíacas. Queria que o filme oscilasse entre estes dois pólos, o adormecimento e a volúpia. É talvez o maior drama do filme. Cada personagem inventa proteções para fugir da realidade e, de repente, instalam-se, conseguem sobreviver e não tratam o que está mal. Há uma espécie de deleite em acomodar-se no sofrimento em vez de lutar. Acho isso muito característico dos argentinos.
ARGENTINA - Acho mais fácil rodar o primeiro filme na Argentina do que noutros países da América Latina ou outros países do mundo. O Instituto do Cinema faz esforços para apoiar o novo cinema. Uma cadeia de televisão injeta também dinheiro no cinema, mesmo se não é tanto como o Canal+. Há na Argentina cinema comercial, que continua a funcionar. Todos os anos um ou dois filmes têm imensos espectadores. O cinema argentino representa 20% dos filmes exibidos. LA CIÉNAGA/O PANTANO teve 120 mil espectadores, o que é um enorme sucesso para um filme de autor.
RENOVAÇÃO - Uma nova geração de cineastas apareceu há cinco anos. Mas não é um grupo unido de pessoas ligadas entre elas como a Nouvelle Vague. Este sete ou oito cineastas fazem filmes muito diferentes: Mundo Grua de Pablo Trapero não se parece em nada com LA CIÉNAGA/O PÂNTANO. O eco que os filmes estão a atingir no estrangeiro, o Prêmio em Berlim para LA CIÉNAGA/O PÂNTANO, são muito importantes na Argentina. Os argentinos são muito sensíveis ao reconhecimento internacional.
CLAUSTROFOBIA - Em Paris, apresentam-me cineastas franceses, mostram-me os filmes deles. Tento recuperar os anos perdidos e uma cultura de cinema que não tenho. Vou pouco ao cinema, sou muito claustrofóbica, não gosto de estar fechada numa sala. É engraçado porque LA CIÉNAGA/O PANTANO é um filme muito claustrofóbico, em quartos, camas, sai-se pouco da cama. Acho que seria incapaz de o ir ver senão tivesse sido eu a fazê-lo.
Entrevista por Jean-Marc Lalanne, Cahiers du Cinema
Nenhum comentário:
Postar um comentário