quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Mahjong (1996), de Edward Yang

 

por Vera Lúcia de Oliveira e Silva

Mahjong é um jogo de estratégia onde elementos pertencentes a diferentes categorias são articulados em combinações apropriadas, buscando-se vantagens sobre os outros jogadores. Na teoria dos jogos, o Mahjong é um jogo de soma zero, quer dizer, o ganho de um jogador implica, necessariamente, em perda para os demais.[1]

Este filme de Edward Yang, solidário ao seu nome, distribui personagens de diferentes categorias, circulando por camadas superpostas de realidade, engajados num jogo de soma zero.

A premissa do jogo é clara – “Ninguém sabe o que quer e você pode ficar rico dizendo às pessoas o que elas querem: não o que elas querem ouvir, mas o que elas desejam.” – e ele divide o mundo em dois grupos: os idiotas e os mentirosos. Você pode escolher a qual grupo vai pertencer.

Intencionalmente, o cineasta vai nos fazer circular pelo grupo dos “mentirosos” e os “idiotas” permanecerão no extracampo: quase todos.

No estrato social sórdido que observamos, vemos, nos homens, a expertise trocada por esperteza; e nas mulheres, oportunistas buscando um esperto bem rico para a extorsão, a sedução calculada. Um jogo tão bem sucedido que já começa a atrair predadores de outros países para Taipei, cidade convertida num não-lugar mítico.

De partida, sentimos um apelo fácil para se jogar tudo na conta do capitalismo, a palavra da hora para nomear o mal absoluto. Já foi o comunismo, xingamento reservado apenas para os piores, em meados do século passado. A moda mudou. O que não muda é o empuxo a buscar lá fora, num conceito abstrato e anônimo, o que é da ordem da responsabilidade pessoal e intransferível: a decisão do modo de usar a própria vida, dentro ou fora de uma dimensão ética, qualquer que seja o jogo proposto.

É nesta liberdade de decidir que Yang vai apontar saídas para aqueles que se recusam a permanecer no jogo: afundando-se, pela via trágica, no duplo suicídio, onde o amor é silenciado em nome da honra que não se pode mais recuperar – paradoxalmente, é só o que resta da cultura original, neste filme sufocante; ou voando numa lufada de ar fresco, na atmosfera da esperança, esse outro nome do desejo, quando dois jovens decidem oferecer, um ao outro, aquilo que não têm – a operação por excelência do amor[2].



[1] Em contraste com os jogos de soma não zero, situação onde os adversários, conscientes de que obterão ganhos relativos e não absolutos em suas ações, buscam conseguir uma solução que seja a melhor possível para todos. É um jogo em que os interesses dos adversários são em parte idênticos, em parte antagônicos, havendo espaço para consenso e cooperação, renúncia e consentimento.

[2] Lacan, Jacques. Amar é dar o que não se tem.

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