por Giovanni Comodo
Foi como um sonho. Durante cerca de 15 anos, Hollywood abriu suas portas a jovens talentos vindos de toda parte. Em meados da década de 1960, o descompasso entre os chefes dos grandes estúdios e as vontades do público permitiu a entrada em cena de novos nomes com novas ideias tanto narrativas como formais. O resultado foi um período fértil em filmes que puderam contar com liberdade artística pouco vista desde então e que, para surpresa geral, reverberaram fortemente com a plateia. Eram títulos que levavam suas câmeras para locais inéditos até aquele tempo, exploravam performances de atores como nunca antes, revisitavam grandes gêneros quase esquecidos, bebiam das novidades estilísticas europeias e asiáticas do momento e expunham tabus da sociedade do país, especialmente sua violência e desencanto. Foi a chamada Nova Hollywood, breve e intensa como um fósforo na escuridão.
Grandes cineastas foram revelados, grandes histórias contadas e os estúdios se alegraram com rios de dinheiro e prestígio. Entretanto, até os melhores sonhos terminam. Os custos dos filmes começaram a disparar, assim como a disputa de egos nos dois lados da produção – os donos do poder e os donos da visão artística, diretores e roteiristas. O próprio público, exaurido pelas notícias da Guerra do Vietnã e pela crise financeira do final da década de 1970, mostrou aos estúdios que o que mais desejava para a década seguinte seria o escapismo, com suas filas de dar a volta no quarteirão para “Guerra nas Estrelas” e afins – na verdade, foi a criação e aperfeiçoamento do blockbuster (literalmente, “arrasa-quarteirão”) que deu fim à Nova Hollywood. Mas alguém precisava levar a culpa.
Este homem foi Michael Cimino e seu “O Portal do Paraíso”.
Nunca houve um filme como este e nunca haverá. Cimino começou a rodá-lo com liberdade absoluta cinco dias depois da glória no Oscar de 1979 por “O Franco Atirador”. Seu perfeccionismo sem precedentes fez do filme uma joia rara: enfrentou intempéries climáticas nas locações e filmava quase sempre com luz natural durante a hora mágica do sol – o que permite muito pouco tempo de gravação, atrasando o cronograma planejado em meses. Para usar a locomotiva histórica que necessitava, construiu toda uma cidade ao redor de um trilho de trem antigo. Insatisfeito com o resultado, destruiu e reconstruiu a cidade para ficar como exigia para seu enquadramento. A enorme árvore no meio das comemorações de formatura do prólogo não existia ali, precisou ser construída com milhares de peças e toneladas de concreto. Por certo, estourou todas as previsões de orçamento e datas de lançamento. A imprensa e os poderosos hollywoodianos sentiram o sangue na água e o filme foi destruído perante o público a ponto de sair de cartaz com somente uma semana de exibição. A corporação dona do histórico estúdio United Artists que bancara o filme vendeu-o para a MGM logo em seguida. Foi o prego no caixão da Nova Hollywood e da carreira de muitos dos envolvidos na produção – especialmente Cimino, que teve pouquíssimas oportunidades e liberdades de trabalho posteriormente.
E apesar de tudo o filme permanece diante de nós, gigante como a tela de cinema, que poucas vezes teve suas dimensões honradas como aqui. Todo o esforço do trabalho transparece na projeção em força e beleza. Chega ao nível do impossível como o realizador e seu diretor de fotografia, Vilmos Szigmond, conseguem fazer do pó um personagem do filme (“és pó e ao pó voltarás”?), com as fumaças que parecem seguir exatamente suas vontades sublinhando ações e circundando os personagens – milagre, poderíamos dizer.
Cimino desenha círculos e mais círculos durante o filme: no grande baile em volta da árvore na formatura de Harvard, de patins dentro do pavilhão da cidade de Sweetwater, na rinha de galo, nas cenas épicas de cerco e batalha, filmando sempre tanto de dentro do círculo como com distância para o notarmos. É mais do que um capricho por esta forma, é como se o diretor estivesse ali para nos mostrar assim a inescapável roda da vida, um movimento recorrente que nos leva para adiante e enfim de volta ao mesmo lugar, com seus altos e baixos, na beleza e no horror. Um carrossel, portanto, embalado pelo som da valsa que não cessa.
Trata-se afinal de uma história amarga da impossibilidade de mudanças – uma ousadia de tons heréticos para o western, o que também ajuda a compreender sua recepção gélida na época. Entretanto, para quem embarca neste carrossel, a viagem é inesquecível, em razão das paisagens do Wyoming, das companhias que surgem ao longo da projeção e dos grandes momentos oferecidos pelo diretor – entre eles, o que é o cinema? Uma sombra que surge na tela branca e dispara um tiro na direção da plateia, parece responder Cimino na apresentação de Nate, personagem fascinante de Christopher Walken, um assassino de seus compatriotas, sem lugar no mundo, um analfabeto que deseja ler, escrever e ser aristocrático, que cobre as paredes de sua cabana com papel de jornal para agradar à mulher amada que gostaria de viver em um lar com papel de parede. A mulher, Elle Watson, ninguém menos que Isabelle Huppert, de quem nunca temos certeza para que lado irá o seu coração. E o terceiro vértice do triângulo, o James de Kris Kristofferson, tão privilegiado que pode agir desinteressado até escolher o lado dos mais fracos em meio às disputas de terra e gado entre os imigrantes e os aristocratas. “Negamos qualquer intenção de mudar no que estimamos no geral bem organizado” diz com pompa e satisfação no início o aristocrata de John Hurt (que se tornará cada vez mais alcoolizado a medida em que percebe a verdade de suas próprias palavras), em um anúncio do que virá, com as decisões que destroem vidas tomadas em meio a guardanapos de linho e talheres de prata.
Os barões com suas leis e meios
sempre vencem os espíritos livres. A cruel ironia desta conclusão se refletiu
sobre os realizadores da Nova Hollywood, Michael Cimino especialmente. O
trágico é que continua valendo sobre nós, muito além das telas. Resistir é
preciso, nos diz o cinema.
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