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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A terra virada do avesso


Texto sobre o filme "Onibaba" de Kaneto Shindô (1964)


Kaneto Shindô nasceu e cresceu na ensolarada cidade de Hiroshima e foi, indireta, mas profundamente, afetado pelos bombardeios de 6 de agosto de 1945. Toda a sua vida e obra foram marcadas pelos efeitos daquela tarde de segunda-feira, como os corpos dos hibakusha, grupo, estigmatizado no Japão, dos sobreviventes deformados pela radiação.
O grande "Onibaba" de 1964 retrata com habilidade os efeitos morais e sociais de uma guerra desumana. Ao acompanhar o cotidiano mórbido de personagens vivendo na periferia dos combates, Shindô lança algumas questões sobre a fragilidade da civilização. Seja no século XIV, em 1945 ou 1964 o jovem japonês é açoitado pelo peso de uma tradição que não lhe representa, cujas implicações morais e éticas o empurram sempre para o abismo da insatisfação.
O filme começa com o movimento de um matagal de juncos ao vento acompanhando um embriagado solo de saxofone; uma sobreposição audiovisual de duas dimensões da mesma selvageria: primitiva e moderna. Neste contexto nos são apresentadas as duas personagens principais (velha e nova, sogra e nora), que, tais quais os siris estampados no quimono da velha, alimentam-se dos mortos. Não diretamente, mas através de um absurdo sistema de trocas. A condição sub-humana das personagens é brilhantemente exposta nos silenciosos primeiros 10 minutos de filme em que as duas matam, livram-se dos corpos, comem e dormem como feras da floresta.
A jovem, entretanto, possui ostras estampadas no quimono, um símbolo feminino e afrodisíaco e trará para o filme um elemento fundamental: o erotismo. Ao descobrir-se viúva através do relato do esperto Hachi (o vizinho desertor), a jovem começa a desenvolver uma sexualidade pulsante, largamente valorizada pela ousada câmera de Shindô. O olhar de Hachi é o mesmo olhar que o público lança no processo de descobrimento do potencial erótico da personagem.
Este olhar é por vezes obstruído por um terceiro olhar: o da velha. Aqui o grande conflito tradição X modernidade, tão caro aos diretores da Nouvelle Vague japonesa, aparece no filme. A moral sexual hipócrita da sogra é defendida através de uma argumentação e de um embuste religioso: o medo do inferno. Mas a mulher (e simbolicamente a geração) que permitiu que seu garoto fosse à guerra não tem força para refrear a pulsão lasciva da jovem. Numa terra virada do avesso, o inferno é pouco e os esforços da sogra acabam caindo por terra.
A virada fantástica na trama ocorre neste instante. Shindô insere no filme a figura mágica de um samurai mascarado que guarda um rosto deformado. A velha o engana, o mata, o rouba e usa sua máscara para aterrorizar a nora. Aqui a referência à desprezada casta dos hibakusha, maltratados por um povo acostumado a jogar seus traumas de guerra para debaixo do tapete, é pungente. As últimas palavras do filme “não sou um demônio, sou um ser humano” são reveladoras quando a hipócrita e tradicional personagem, ela mesma transformada em hibakusha, consegue enfim extrair o terror genuíno de sua nora.

Miguel Haoni
(Cine CCBEU – julho de2009)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cineclube Sesi: "Onibaba", de Kaneto Shindô

Nesta quinta-feira dia 12 o Cineclube Sesi apresenta o filme "Onibaba" de Kaneto Shindô, seguindo o ciclo Cinema Moderno Japonês que contará ainda com "Duplo Suicídio em Amijima", de Masahiro Shinoda (19) e "Female Convict Scorpion Jailhouse" de Shunya Ito (26).
Sempre com entrada franca!


Cineclube Sesi apresenta: "Onibaba", de Kaneto Shindô

Sinopse:
éculo 14, um Japão feudal destruído por guerras civís. Esperando o filho que está na guerra, uma mulher e sua nora sobrevivem em uma aldeia através de tocaias que armam contra guerreiros samurais, matando-os e vendendo seus pertences em troca de comida. Com a chegada de um guerreiro fugitivo, a mãe teme que a nora a abandone pelo soldado, pondo em prática um plano diabólico para manter a companhia da garota.

Sobre o filme:
Desde “Cidadão Kane” e “Roma, Cidade Aberta” o cinema moderno assumiu a missão de dizimar a política-estética do paradigma clássico. Vide as realizações dos “Cinemas Novos” que surgiram através do mundo, seja na França, no Brasil, na Alemanha ou nos Estados Unidos.
No Japão, um grupo de jovens (e não tão jovens) cineastas resolveu empunhar suas câmeras e assumir os riscos de duelar com o cinema de seus pais. Influenciados pelo espírito libertário dos anos 60, assumiram como bandeira um dos grandes tabus em seu país: a representação da sexualidade e do erotismo.
“Onibaba” de Kaneto Shindô é um dos exemplares mais radicais daquela que se convencionou chamar de “Nouvelle Vague japonesa”. Ao eleger a miséria em tempos de guerra como base para a sua alegoria fantástica, o diretor e roteirista lança luz na grande “experiência não trabalhada” do inconsciente japonês: os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki.
É na construção das imagens, contudo, que Shindô desfere o seu golpe: sua encenação da hipocrisia moral nas relações é um grito de basta ao familiar e tradicional jantar de Ozu; sua representação do amor lascivo no coração da miséria é um corte seco na sutileza poética de Mizoguchi.
O cinema moderno pode não ter suplantado a força do cinema clássico mas sem dúvida conseguiu, através do enfrentamento, o lugar de honra à mesa. Shindô conseguiu através de seu “Onibaba” lutar com os mestres equilibradamente e se fazer ouvir. Com dignidade, acima de tudo.
Miguel Haoni, 2009
Serviço:
dia 12/09 (quinta)
às 19h30na Sala Multiartes do Centro Cultural do Sistema Fiep(Av. Cândido de Abreu, 200, Centro Cívico)

ENTRADA FRANCA

Realização: Sesi 
  
  (
http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br/)