quinta-feira, 13 de junho de 2013

Impressões sobre “Mothlight” e “Dog Star Man” de Stan Brakhage

nadaadeclarar 
Stan Brakhage colocou em cheque, todas as minhas tentativas de definição do cinema. Em “Mothlight”, de 1963, colou diretamente na película virgem asas de mariposa, flores, formigas, folhas, raízes, lama e outros resíduos, e projetou essas coisas numa tela por 3 minutos e 26 segundos. O filme (vou arriscar chamar de filme) não era resultado de um registro, apesar de partir do real, não passou pela câmera*, nem saiu da folha em branco, como na maioria das artes plásticas (a animação inclusive). O filme de Brakhage é um enigma, um problema teórico, uma anomalia poética.
“Mothlight” me fez lembrar da fragilidade da “essência cinematográfica” (movimento e duração) ou do “específico fílmico” (enquadramentos, mise-en-scène, corte). Me fez lembrar da experiência confrontadora de “La Jetée” (1962), de Chris Marker, onde a fotonovela, e suas imagens estáticas, são redimensionadas na imposição temporal do filme, pois cada plano é dado ao nosso olhar por uma duração determinada, que diferente da fotonovela impressa, não podemos nos deter por mais ou menos tempo em cada imagem.
“La Jetée” derrubou a idéia do cinema como “arte das imagens em movimento”. “Mothlight” derrubou a idéia de “escrita com a câmera” ou “arte da mise-en-scène”. Mas o cinema insiste em aparecer neles…
Eu sempre soube que cada obra exigia do espectador um olhar. O que aprendi com “Mothlight” é que o cinema não existe. A partir de hoje só poderei falar em cinemas.
*Coisa que sempre aconteceu na animação – uma arte autônoma, independente do cinema – de Norman Mclaren, por exemplo, que pintava formas e cores diretamente na película.

 Cachorro Estrela Homem

Na torrente de imagens que seguimos nos quase 76 minutos de “Dog Star Man”, podemos tentar agarrar as bordas fragmentadas. Para que o nosso cognitivo trabalhe sobre esse terreno movediço, é preciso abandoná-lo e reencontrá-lo no fim. Desfigurado.
O meu disse o seguinte:
1 – O filme trata dos conflitos entre carne e espírito, homem e universo, céu e terra, dentro e fora, natureza e civilização, lua e sol. As eternas dualidades;
2 – O filme brinca sobre as cores, misturando-as, dissolvendo-as, recriando-as. Vermelho, azul e verde são sempre indefinições;
3 – O filme assume as distorções da imagem e anamorfizações reconfigurando corpos e sexualidades num permanente devir de formas;
4 – O filme penetra peles, pelos, nervos e vísceras, buscando a Humanidade nos seus abismos;
5 – Ao mesmo tempo que o filme realiza um movimento pra dentro (furando as carnes) ele desenha um trajeto para fora: na eterna subida do homem que nunca chega no cume da montanha;
6 – O Bebê, o Homem e a Mulher são a equipe do filme. Eles realizam sua autobiografia cósmica;
7 – A inexorabilidade do tempo é o inimigo a ser destruído;
8 – O Homem percorre uma paisagem hostil, feita de neve e árvores mortas. Ao mesmo tempo a  perspectiva percorre também uma geografia do corpo, como nas rugas hiper ampliadas do mamilo lactante (um vulcão de carne).
Miguel Haoni (ou não)
(Textos originalmente publicados em http://verobranco.wordpress.com)

Um comentário:

  1. Num sonho, ensina Freud, o sonhador, com os recursos de uma linguagem muito própria, onde metáfora e metonímia são as ferramentas excelentes, toma desejos inconscientes, infantis, articulando-os com restos diurnos para elaborar uma encenação pictórica. Este é o chamado "trabalho do sonho". Sua decifração passa por outro trabalho: a "interpretação do sonho". Em análise.
    A mostra dos curtas e o pronunciamento do Miguel fazem pensar que, estes dois trabalhos, Brakhage se põe a fazer, desperto. Talvez tome conceitos e lhes dê formas visuais que pode partilhar com o Outro; talvez primeiro crie um universo de imagens, de que extrai, como efeito, como conseqüência, os conceitos. O certo é que trabalha. E trabalha sobre o trabalho. Faz o trabalho do sonho e o trabalho de interpretá-lo, em seus escritos.
    O resultado é uma obra que toca, não pelo intelecto, mas sim pela via (ou veia?) poética.
    É belo.
    Vera Lúcia de Oliveira e Silva

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