Trabalhar Cansa,
de Juliana Rojas e Marco Dutra (Brasil, 2011)
A estréia em
longa-metragem da dupla Juliana Rojas e Marco Dutra tem algo de diferente no
panorama do cinema brasileiro atual. Enquanto a tendência geral é colocar a afetividade
no centro, em geral com certa doçura inocente ou uma afirmação positiva das
relações, como se o afeto fosse capaz de salvar as pessoas da tragédia do
mundo, Trabalhar Cansa é um filme político, no sentido mais
puro que a palavra pode ter – já que o termo “cinema político” desgastou-se
como uma grife nos últimos 40 anos – pois coloca as relações humanas como
centro de sua problemática, mostrando uma crise. É um filme de pessoas no
mundo: pessoas em conflito, o homem como ser social, como um animal num mundo
que lhe é hostil e cuja existência harmônica lhe parece estranha. O mal-estar
na civilização.
As relações são
mediadas por uma mistura dos sentimentos e dos papéis sociais: a empregada que
mora em casa, mas quer a carteira registrada; o marido que perde o emprego
enquanto a esposa vira dona de estabelecimento comercial; a mãe que se acha
patroa da empregada da filha por extensão; a funcionária que joga do lado tanto
dos colegas quanto da patroa. Todas as personagens têm essa “dupla função”, resultado
do embate entre os desejos e o racional: jogam com seus sentimentos em relação
ao outro, mas também com os interesses (às vezes, os mais baixos possíveis).
Essa pulsão que move as relações só se faz possível, enquanto dramaturgia, pelo
tom preciso do filme, que transita da observação seca à doçura, do drama
existencial ao cômico, da comédia à tragédia, sem deixar marcada as fronteiras
que separam um momento do outro. Sai daí uma fruiçãohawksiana, que se
move pelos momentos sem deixá-los ser apenas fragmentos de múltiplas idéias,
mas sim partes orgânicas de um todo pulsante.
O filme certamente
será abordado pelo seu lado sobrenatural evidente, ainda mais que este aspecto
perpassa a obra da dupla desde seu primeiro curta-metragem. Contudo, se antes
esse elemento era uma metáfora de algum aspecto psicológico da personagem (e
isso é trazido para a frente em As Sombras), aqui o terror é antes
de tudo uma materialização do estado de mal-estar das personagens, derivados de
seus insucessos e suas frustrações (que explodirão no incrível momento de
libertação de Otávio, personagem de Marat Descartes). Pois se o caminho era
criar uma imagem “psicológica” nos curtas, agora as imagens têm uma relação
física. Aliá-lo ao cinema de terror é reduzir sua potência e ignorar o que há
de mais evidente em sua misè-en-scene: pessoas interagindo no
espaço. Pois, Trabalhar Cansa é um filme físico. A obra se faz
no nível do homem, tanto por negar uma metafísica no jogo das relações, quanto
por se preocupar em filmar os atores e seus mínimos gestos – e é sintomático
que seja um filme com tão poucos planos de passagem. É filme feito de carne e
osso, louças, papel, tesoura, marreta, pano, correntes e vassouras. E isso é o
que há de efetivamente fantástico nele.
(Texto original:http://www.revistacinetica.com.br/trabalharcansa.htm)
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