Os
filmes de Catherine Breillat são polêmicos, provocativos, estranhos. Uma das
características de sua filmografia é a forma com que ela concentra suas
narrativas em elementos autobiográficos e em confissões sexuais. Ela se
apropria de temáticas universais como sexo e violência, exprimindo a condensação
desses dois elementos (muito mais interessada em sexo do que violência, ou melhor, o sexo como a violência).
Barba
Azul é a adaptação de um conto moral de Perrault sobre uma jovem garota que se
casa com o nobre assassino de esposas. A diretora alterna a representação
fidedigna do texto (o filme é fiel em aspectos de espaço-tempo no qual foi
escrito pelo escritor) com a leitura da história feita por duas crianças no
sotão de uma casa, isso feito em outro período histórico. Esses dois universos
paralelos são completamente distintos. Através desse contraste entre dois mundos
que a realizadora explora o universo infantil, permeando a obra com pontuações dramáticas
e satíricas, dificultando a classificação da obra em algum gênero específico. O
interessante nesse embate é a interferência no processo do fluxo narrativo do
filme, questionando o próprio ato de narrar artístico. Esse dispositivo é
enaltecido pelo rigor formal imposto através da decupagem, dos enquadramentos e
da movimentação de câmera. Esses três níveis cinematográficos ajudam a criar
uma eficiência e densidade no mote aparentemente ameno. A encenação frontal,
por exemplo, é uma das formas de questionar a artificialidade narrativa e
revelar o dispositivo da mise-en-scène. O conto moral se esvai num lento
processo de mistério auto-reflexivo. Se antes utilizamos a palavra estranho
para definir a filmografia de Breillat, é muito mais num sentido de causar
estranhamento/distanciamento que numa fuga de padrões fílmicos. Esses cacoetes
estão em plena sintonia com algumas tendências contemporâneas francesas (Eugène
Green) e mundiais. O cinema de Catherine
Breillat é consciente disso e pincela recursos extremamente funcionais. A
influência mais direta é o cinema do cineasta Manoel de Oliveira. Em
“Singularidades de uma Rapariga Loura”, o diretor português também utiliza um
conto moral para questionar e dissecar os padrões da linguagem narrativa
cinematográfica. A frontalidade é um
subterfúgio caro ao teatro brechtiano que alcança ares de mediação no meio
fílmico. Barba Azul também recorre ao choque final, inesperado, como em outro
filme de Manoel de Oliveira – “Um Filme Falado”. Barba Azul trabalha nas
entrelinhas a tensão, o terror e o humor. O filme foge dos clichês de adaptação
literária e cria um ambiente rico de nuances e problematizações quanto à linguagem
e a narrativa. Uma obra contemporânea por excelência, no melhor sentido do
termo.
Lucas Murari – Atalante, 2012
(Curador convidado)
(Curador convidado)
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