segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Barba Azul

Catherine Breillat é um dos principais nomes do New French Extremism, movimento alcunhado pelo crítico James Quandt ao perceber uma nova safra de filmes franceses com conteúdos transgressores.  Ao lado de Catherine, Quandt listou outros nomes que vem recebendo destaque nos últimos anos por essa característica: Gaspar Nóe, Bruno Dumont, Claire Denis, Bertrand Bonello, Jean-Claude Brisseau, entre vários outros. O que melhor exprime esse conceito é a ousadia nas abordagens dos respectivos realizadores, ou seja, é bastante vago definir um tema ou estética comum a todos os possíveis nomes.
            Os filmes de Catherine Breillat são polêmicos, provocativos, estranhos. Uma das características de sua filmografia é a forma com que ela concentra suas narrativas em elementos autobiográficos e em confissões sexuais. Ela se apropria de temáticas universais como sexo e violência, exprimindo a condensação desses dois elementos (muito mais interessada em sexo do que violência, ou melhor, o sexo como a violência).
            Barba Azul é a adaptação de um conto moral de Perrault sobre uma jovem garota que se casa com o nobre assassino de esposas. A diretora alterna a representação fidedigna do texto (o filme é fiel em aspectos de espaço-tempo no qual foi escrito pelo escritor) com a leitura da história feita por duas crianças no sotão de uma casa, isso feito em outro período histórico. Esses dois universos paralelos são completamente distintos. Através desse contraste entre dois mundos que a realizadora explora o universo infantil, permeando a obra com pontuações dramáticas e satíricas, dificultando a classificação da obra em algum gênero específico. O interessante nesse embate é a interferência no processo do fluxo narrativo do filme, questionando o próprio ato de narrar artístico. Esse dispositivo é enaltecido pelo rigor formal imposto através da decupagem, dos enquadramentos e da movimentação de câmera. Esses três níveis cinematográficos ajudam a criar uma eficiência e densidade no mote aparentemente ameno. A encenação frontal, por exemplo, é uma das formas de questionar a artificialidade narrativa e revelar o dispositivo da mise-en-scène. O conto moral se esvai num lento processo de mistério auto-reflexivo. Se antes utilizamos a palavra estranho para definir a filmografia de Breillat, é muito mais num sentido de causar estranhamento/distanciamento que numa fuga de padrões fílmicos. Esses cacoetes estão em plena sintonia com algumas tendências contemporâneas francesas (Eugène Green) e mundiais.  O cinema de Catherine Breillat é consciente disso e pincela recursos extremamente funcionais. A influência mais direta é o cinema do cineasta Manoel de Oliveira. Em “Singularidades de uma Rapariga Loura”, o diretor português também utiliza um conto moral para questionar e dissecar os padrões da linguagem narrativa cinematográfica.  A frontalidade é um subterfúgio caro ao teatro brechtiano que alcança ares de mediação no meio fílmico. Barba Azul também recorre ao choque final, inesperado, como em outro filme de Manoel de Oliveira – “Um Filme Falado”. Barba Azul trabalha nas entrelinhas a tensão, o terror e o humor. O filme foge dos clichês de adaptação literária e cria um ambiente rico de nuances e problematizações quanto à linguagem e a narrativa. Uma obra contemporânea por excelência, no melhor sentido do termo.

Lucas Murari – Atalante, 2012
(Curador convidado)

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