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segunda-feira, 23 de novembro de 2020

João César Monteiro e Silvestre

por Vera Lúcia de Oliveira e Silva


Em artigo publicado pela Cahiers du Cinéma[1], João César Monteiro alude a fazer filmes que invocam em vão o “gai savoir” dos elfos para tentarmos ficar parecidos com eles. Tal alusão aparece, no artigo, correlativa a um pergunta: Qual será o nosso destino? Quem somos nós, tão idênticos a nós próprios e a coisa nenhuma? A que é que se parece a nossa tão vaga e tão obscura natureza? Para tentar responder a esta pergunta, tão candente quanto universal, é que ele invoca o “gai savoir” dos elfos. Estamos em cheio no campo do saber, mas não um saber qualquer.

Referindo-se a “elfos”, Monteiro faz uma dupla inscrição daquilo que convoca, em vão, para encontrar resposta à pergunta formulada: uma inscrição no tempo – o Medievo; outra, no espaço – a terra dos Celtas. Ou seja: ele busca a resposta na história de seu povo. Em vão, disse ele – e eu sublinho. Sublinho para lembrar que ele está no caminho certo: é preciso buscar na
própria história – na própria vida – uma possível resposta à questão sobre a própria natureza e o próprio destino. Mas é preciso buscar o próprio saber – Freud diria, construí-lo. Caso contrário, será em vão.

Retrocedendo: Em 1969, Jean-Luc Godard fez um filme intitulado “Le gai savoir”. Nas suas primeiras falas, os personages declaram um propósito: aprender. E o sumário da IMDB informa (eu traduzo): Como aprendemos? O que sabemos? Noite após noite, não muito longe do amanhecer, dois jovens, Patrícia e Emile, encontram-se num estúdio de som para discutir aprendizagem, discurso e o caminho para a revolução. O filme deveria ser uma versão para a TV francesa do livro Emílio, de Jean-Jacques Rousseau.

Emílio (ou Da Educação) é uma obra filosófica sobre a natureza do homem, escrita em 1762. Aborda temas políticos e filosóficos referentes à relação do indivíduo com a sociedade, particularmente explica como o indivíduo pode conservar sua bondade natural (Rousseau sustenta que o homem é bom por natureza), enquanto participa de uma sociedade inevitavelmente corrupta. No Emílio, Rousseau propõe, mediante a descrição do homem, um sistema educativo que permita ao “homem natural” conviver com a corrupção sem se contagiar. Rousseau acompanha o tratado de uma história romanceada do jovem Emílio e seu tutor, para ilustrar como se deve educar o cidadão ideal. No entanto, Emílio, que não é um guia detalhado, considera-se hoje o primeiro tratado sobre filosofia da educação no mundo ocidental.[2]

O texto se divide em cinco “livros”, os três primeiros dedicados à infância de Emílio, o quarto à sua adolescência, e o quinto à educação de Sofia (a “mulher ideal” e futura esposa de Emílio) e à vida doméstica e civil deste, incluindo sua formação política. O Emílio foi proibido e queimado em Paris e em Genebra, ao tempo de sua publicação, o que o converteu, rapidamente, em um dos livros mais lidos na Europa. Durante a Revolução francesa, serviu como inspiração para o novo sistema educativo nacional.

O filme de Godard – consta que não chegou a ser exibido – toma distância da “encomenda” e vai encontrar Emílio em sua intenção pedagógica e em sua forma ensaística mais do que em seu conteúdo de fundo – Rousseau falava de uma “coleção de reflexões e observações, sem ordem e quase soltas”; Patrícia, no filme, fala de “um amontoado de experiências”.[3]

Se o filme de Godard, em seu conteúdo de fundo, não é fiel a Rousseau, ele é muito fiel a Nietzsche, no tratamento que este dá ao saber: à necessidade de retroceder desde as imagens e os sons até a experiência primeira que lhes dá origem. Afinal, este é um tema caro à obra nietzschiana, cujo título Godard adota para seu filme - Le Gai Savoir (o saber alegre). Este mesmo título ele vai reiterar em quadros do filme, em palavras manuscritas sobre imagens de revistas em quadrinhos – alusão ao retorno à infância, para recuperar a pureza do pecado original?

Apenas recordando, Nietzsche publicou, em 1882, uma obra[4], cujo título em francês é Le gai savoir. O livro reúne reflexões do filósofo sobre “a história do saber, a busca do conhecimento, os percalços do homem nessa busca histórica”.[5] Num fragmento escrito no mesmo ano, Nietzche anotara a expressão “La gaya scienza” (em provençal), como título de uma lista de trovadores provençais e suas canções. Na segunda edição de A gaia ciência, em 1887, o próprio autor incluiu tal expressão como subtítulo.

Então, rastreando em ordem cronológica, a partir da declaração feita pelo cineasta - Silvestre é um filme sobre a aprendizagem[6] - parece-me possível isolar entre as suas referências:

·         o filme Le Gai Savoir, de Godard (1969),

·         cuja referência parece ter sido Nietzsche (1882),

·         embora o filme parta de um texto de Jean-Jacques Rousseau (1762).

Agora, se tomamos a declaração de que se trata de um filme feito por alguém que invoca o “gai savoir” dos elfos2 para responder a questões fundadoras; como “gai savoir” é o título atribuído, em francês, à produção de trovadores provençais – produção esta que demarca o nascimento da poesia européia moderna, durante o século XII – e Silvestre é ambientado na Idade Média; e como os elfos são criaturas místicas da mitologia nórdica e céltica - também chamados de “elfos da luz” - que aparecem com freqüência na literatura medieval européia; e que o saber dos elfos nos remete a um tempo mítico; então, para mim, Monteiro está dizendo que, para chegar às origens do saber sobre quem somos nós, é preciso fazer retroceder a própria história, não apenas até o passado, mas até um tempo que não passa – o tempo do mito.

Fato é que, qualquer que seja o conteúdo latente sob o filme ou sob as declarações conscientes do cineasta, retrocedendo, de referência em referência, chegamos de volta à obra prima que Silvestre é: mostração da jornada que vai da (des)obediência à condição de espírito livre[7] - aquele que pensa de modo diverso do que se esperaria com base em sua procedência, seu meio, sua posição e função, ou com base nas opiniões que predominam em seu tempo. Ele é a exceção, os espíritos cativos são a regra.

Aplico o aforismo a ambos – a Silvestre, o filme; e a Monteiro, seu autor.

Curitiba, 10 de Novembro de 2020.




[1] Monteiro, J. C. Cahiers du Cinéma nº 460, outubro 1992, retirado do catálogo "João César Monteiro", Edição Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, Lisboa, abril de 2005. Disponível aqui.

[2] Wikipédia Brasil. Disponível aqui.

[3] Marchiori, D. A Gaia Ciência, Le gai savoir.1969.720p.BluRay.AVC-mfcorrea

[4] Nistzsche, F. Die fröhliche Wissenschaft. 1882. Traduzível como “o alegre saber”, “o saber feliz” ou “a alegre ciência”. Em português a obra recebeu o título A Gaia Ciência.

[5] Mioranza. C. In Nietzsche, A Gaia Ciência, Editora Lafonte Ltda, 2017

[6] Tavares da Silva, A. O Silvestre é um filme sobre a aprendizagem. 1982. Disponível aqui.

[7] Nistzsche, F. Humano, demasiado humano - um livro para espíritos livres. 1878. Aforismo 225.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Clube do Filme: Silvestre

O Clube do Filme continua em atividade, mesmo durante a epidemia, em formato virtual. Sempre na quarta quarta-feira do mês nos reunimos para a discussão de um filme e textos relacionados.

O filme de setembro é "Silvestre" (1981), de João César Monteiro.


Silvestre, um filme, um coração de fogo; arde apaixonadamente - substância e matriz - da sua própria energia; sem defesa, transtorna-se, reaparece, renasce consciente da sua relatividade, humaniza-se em suma, como as matérias - teatro e vida - de que é tecido. Dos desertos do amor à solidão das estrelas, a travessia árdua, dolorosa e desordenada de todos os sonhos rebeldes: porque é pelo frio que subimos, ou, muito simplesmente, we can't go home again, como diziam nossos amigos que agora descansam.
- João César Monteiro.

O filme está disponível no YouTube (em caso de problemas com o link ou se desejar uma cópia um pouco melhor
, envie um email para nós: coletivoatalante@gmail.com).

Textos recomendados para leituras, todos breves:

A) "Monteiro, A.K.A. João César" por Fernando Lopes. Disponível aqui.
B) "Silvestre", pelo próprio diretor. Disponível aqui.
C) "O Silvestre é um filme sobre a aprendizagem...", entrevista com o diretor. Disponível aqui.

Como de costume, nosso propósito no Clube do Filme é discutir obras e textos com um pouco mais de tempo que nos debates após as sessões do cineclube, logo, o filme não será exibido na data. Recomendamos que o filme já tenha sido visto e também a leitura dos textos, porém isso não é exigido para participação. Optamos pelo encontro via plataforma Jitsi, uma vez que não exige senha, links confusos nem download de nenhum aplicativo para o desktop (porém caso queira acessar pelo celular, é necessário o aplicativo Jitsi para celular, de download gratuito). Devido ao formato virtual, não poderemos exibir com qualidade trechos do filme e de outros trabalhos, mas acreditamos ser importante retomarmos as atividades possíveis durante a pandemia. O ingresso, como sempre, é gratuito.

Serviço:

Clube do Filme: Silvestre, de João César Monteiro
Dia 28/10 (quarta-feira)
Das 19h15 às 21h30
Via Jitsi: https://meet.jit.si/ClubedoFilmeAtalante
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Belarmino, verdade e mentira

 por Vera Lúcia de Oliveira e Silva



O filme Belarmino [1] coloca na mesa a pergunta: Belarmino mente?
Respondo: Belarmino mente. Não mais do que você – ou eu.

O filme de Fernando Lopes mostra um contraponto entre o boxeur e seu manager, do qual emerge a pergunta: quem está mentindo?
Respondo de novo: provavelmente os dois.

Estou pensando nos conceitos de verdade e mentira explorados por Nietzsche[2] em seu sentido não-moral (ou extra moral): a mentira como inevitável e a verdade como ilusão.

Nietzsche faz a arqueologia do aparecimento da palavra, desde a coisa – das Ding – cujos atributos perceptíveis chegam a sensibilizar a consciência humana. Ele se dá conta de que, nesse primeiro momento, já há uma primeira quebra da verdade, pois só aquilo que estamos aptos a perceber chegará a produzir uma dada representação no sistema percepção-consciência. A coisa em si – das Ding an sich – como já dissera Kant antes dele, permanecerá incognoscível.

A partir dessa primeira captura fragmentária, o homem vai produzir uma sonoridade – um significante – que dirá, em ondas audíveis, aquilo que ele percebeu daquilo que da coisa é apreensível.

É sobre essa base frágil, através de convenções que os seres falantes estabelecem entre si, que se constrói um discurso cuja validade se deseja sustentável.

Freud vai tornar superlativa essa fragilidade quando nos aponta que, a própria percepção, mesmo daquilo que é plenamente perceptível, estará sempre enviesada pelo narcisismo e pelo gozo. Ele nos diz que, quando a verdade e a vaidade discordam, a verdade sai sempre perdendo; e que somos muito aptos a inclinar nossa percepção de modo a fazer com que a realidade seja lida de acordo com nosso modo próprio de satisfação. Ele vai mais longe, ao dizer que toda recordação é encobridora: se você se lembra, é porque não é bem assim – a lembrança já está corrigida segundo o gosto[3] daquele que se lembra.

Então... – com tanto perigo ameaçando a verdade; com tanta probabilidade de que a mentira seja tomada como verdadeira, não por uma decisão moral, mas por um incontornável nascimento precário; com a máxima possibilidade de engano, mesmo que não haja uma intenção consciente de enganar – ... fica a pergunta: de onde tiramos nossas certezas?

E mais: de onde tiramos nós a paixão pelas nossas certezas, a ponto de delas retirarmos critérios “seguros” para decidir entre o amor e o ódio?

Esta é a pergunta que me resta de Belarmino. A cada um, a resposta que lhe convém.

20 de Outubro de 2020.



[1] Fernando Lopes, cineasta, Belarmino, um dos filmes emblemáticos do Cinema Novo português, 1964.

[2] Nietzsche. F. Sobre verdade e mentira no sentido extramoral. 1873. In Moraes Barros, F. Sobre verdade e mentira. Editora Hedra, São Paulo, 2012

[3] Zbigniew Herbert - O   poder do gosto (poema) “... no fundo era uma questão de gosto. Sim, de gosto, no qual habitam as fibras da alma e as cartilagens da consciência...”

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Monteiro, A.K.A. João César

 por Fernando Lopes



Quando o conheci, nos idos de 62, no "Montebranco" do Saldanha (já a mania dos gelados...), ele era só o César que, com o Seixas, o APV, o António Escudeiro e o Zé Vaz Pereira, discutia filmes a manhã inteira e pensava nos "engates" - à época muito difíceis.

O César, no seu corpo desengonçado - meio Buster Keaton, meio Tati "avant la lettre" - era o mais ousado nesse desporto radical nos púdicos e hipócritas anos 60.

Aí por volta de 63 - com os Verdes Anos em rodagem e eu a preparar o Belarmino -, o grupo mudou-se, com armas e bagagens, para o "Vává", próximo da Ulyssea Filmes (laboratório e salas de montagem), que veio a ser a "alma mater" do "Cinema Novo Português" - assim mesmo, com maiúsculas e tudo!

O César passou a ser o João César, candidato a cineasta. Tal como nós todos.

O desporto radical do "engate" apurou-se (vejam os exemplos em todos os meus filmes...), graças às "Valquírias do Vává", como ele chamava às meninas da Faculdade, que por lá passavam todos os dias e que ele cortejava com modos de "dandy", pobre mas honrado.

O João César foi o primeiro "sem abrigo" que conheci (lembrem-se das Recordações da Casa Amarela), dormindo ao Deus dará, ora em casa do APV, ora do Escudeiro (aqui sempre com um olho lúbrico na Lela...), ora, sobretudo, do Cristiano de Freitas (que era de nós todos o único que tinha meios financeiros, carro de sport descapotável e, claro, muitas conquistas femininas). O João César privilegiava principalmente a casa do Cristiano (em frente ao "Vává"), porque de vez em quando sobrava para ele uma "dama de muito bem fazer a quem lho pedisse". E o João César não pedia, atacava mesmo e de mil maneiras, "porque amor não há feito", como disse o poeta (também se vê, ora burlesco, ora trágico, em todos os filmes dele).

Às tantas apareceu no "Vává" o velho Ricardo Malheiros, um produtor da estirpe do Fernão Mendes Pinto, que eu conhecera no Brasil, em circunstâncias alegremente rocambolescas e que, de regresso a este jardim à beira-mar plantado, me veio anunciar a criação de sua nova Produtora, pomposamente designada "Cultura Filmes" (com o filme do Paulo, o meu e o do António Macedo era preciso um ar sério para sacar dinheiro à Gulbenkian...).

O Ricardo pediu-me então que lhe apresentava realizadores da nova geração.

Disse-lhe: "Oh Ricardo, veio ao sítio certo porque estão aqui quase todos à mão de semear!". O APV, o Seixas e eu, lá fizémos uma caterva de tarefas alimentares (sem grande consequência cinematográfica, diga-se em abono de Lumière e de Méliès...), até o dia histórico, a vários níveis - e não apenas cinematográficos... -, em que consegui convencer o Ricardo a dar ao João a oportunidade de realizar o seu primeiríssimo filme:

Sophia

(que eu considero uma obra-prima e que contém já muito do que ele viria a fazer depois, desde Quem Espera por Sapatos de Defuntos até a última e pungente despedida que é o Vai e Vem). E é neste percurso inicial que ele deixou de ser, primeiro - o quase pejorativo César; depois - o mais familiar e amigável (às vezes, às vezes...) João César; por fim - tal como acabou por ser reconhecido, aqui e lá fora, o
João César Monteiro.

Considerado pela crítica internacional, e já agora também pela portuguesa, o mais singular realizador do nosso cinema, raiando o gênio, através do risco e da mais elaborada, culta e vernacular provocação. Sonora e visual. Olha, João de Deus: assim seja! Mas não pares de fustigar com o teu chicote a insidiosa "dark Lady" que, em hora funesta, te "engatou" num banco de jardim de Lisboa.

Janeiro de 2005.


Interior da Pastelaria "Vává", em foto sem data, sem os verdes anos.

Texto em português de Portugal. Retirado do catálogo "João César Monteiro", Edição Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, Lisboa, abril de 2005.

sábado, 19 de setembro de 2020

Clube do Filme: Belarmino

O Clube do Filme continua em atividade, mesmo durante a epidemia, em formato virtual. Sempre na quarta quarta-feira do mês nos reunimos para a discussão de um filme e textos relacionados.

O filme de setembro é "Belarmino" (1964), de Fernando Lopes.


Afinal de contas, que importa o nome, o diagnóstico ou a moral da fábula? Importa um rosto humano captado à sua imensa altura, uma voz que mente sem outra possibilidade ou fim, uma derrocada em bruto – knock-out em todos os rounds – e a persistência da mesma fragilidade íntima e secreta, que se não revela e se oculta sempre por detrás do mesmo rosto e das mesmas palavras que mentem sabendo que a mentira é a sua verdade possível. Por isso, o filme de Fernando Lopes é um filme sobre o silêncio e sobre a fuga a ele – nossa última etapa.
- João Bénard da Costa

O filme está disponível para download neste link. (caso expire, ou em qualquer dúvida, envie um email para nós: coletivoatalante@gmail.com).

Textos recomendados para leitura, todos breves:
1) "Mudar o olhar, mudar a vida", por Fernando Lopes. Disponível aqui.
2) "Mas os amigos onde estão? Bellarmin e os seus companheiros?", por Paulo Rocha. Disponível aqui.
3) "A verdade possível", por João Bénard da Costa. Disponível aqui.


Como de costume, nosso propósito no Clube do Filme é discutir obras e textos com um pouco mais de tempo que nos debates após as sessões do cineclube, logo, o filme não será exibido na data. Recomendamos que o filme já tenha sido visto e também a leitura dos textos, porém isso não é exigido para participação. Optamos pelo encontro via plataforma Jitsi, uma vez que não exige senha, links confusos nem download de nenhum aplicativo para o desktop (porém caso queira acessar pelo celular, é necessário o aplicativo Jitsi para celular, de download gratuito). Devido ao formato virtual, não poderemos exibir com qualidade trechos do filme e de outros trabalhos, mas acreditamos ser importante retomarmos as atividades possíveis durante a pandemia. O ingresso, como sempre, é gratuito.

Serviço:

Clube do Filme: Belarmino, de Fernando Lopes
Dia 23/09 (quarta-feira)
Das 19h15 às 21h30
Via Jitsi: https://meet.jit.si/ClubedoFilmeAtalante
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

A verdade possível

por João Bénard da Costa


Belarmino Fragoso (falo da personagem que conheço porque Fernando Lopes ma mostrou e não da outra que vive algures e que não conheço) é um homem quebrado. Em rigor, pouco mais sei dele e o que sei disto depende. Quebrado ao peso de muita coisa nua e evidente, como a nua e evidente parede que o enquadro. Muita coisa a que se pode chamar de diversos nomes: Lisboa 64, isto que nos pesa a todos, estes que todos nós somos, ou Belarmino Fragoso, ele próprio.

Afinal de contas, que importa o nome, o diagnóstico ou a moral da fábula? Importa um rosto humano captado à sua imensa altura, uma voz que mente sem outra possibilidade ou fim, uma derrocada em bruto – knock-out em todos os rounds – e a persistência da mesma fragilidade íntima e secreta, que se não revela e se oculta sempre por detrás do mesmo rosto e das mesmas palavras que mentem sabendo que a mentira é a sua verdade possível.

Por isso, o filme de Fernando Lopes é um filme sobre o silêncio e sobre a fuga a ele – nossa última etapa. Por isso não é cinema-verdade nem cinema-mentira é contemplação de quem sabe e pode fazê-lo, sabendo que os exames de consciência são sempre falsos e, em rigor, inúteis. Só a consciência que não se examina se entrega. Só quem recusa servir de consciência dos outros redime e recupera. Salva.

Encontrar em imagens o equivalente desta impossibilidade de dizer alguma coisa com algum sentido é um dom raríssimo de muitos raros. É deixar, por exemplo, que a câmara se detenha longamente num plongé sobre um homem que desenha e que se esqueceu já de nos olhar. É suspendê-la, fixando-a sempre o bastante para que o silêncio nos povoe e depois passeá-lo sem nexo algum: pelo Hot-Club, ou pelo Ritz-Club, pelo Rossio ou por um estádio deserto. Ao sabor do que pode servir essa impossibilidade de abrigar ou de consolar. Belarmino de Fernando Lopes é um filme que nada diz, que apenas escuta. E é ainda em silêncio que o faz. Muito demoradamente.

Como Godard, como Mizoguchi [1], Fernando Lopes é um contemplador. Há nele a inteligência do olhar e o pudor a que ela nos obriga. E há o saber dos apertados limites em que se move uma linguagem e do que não pode nunca ser por ela expresso. A visão de Fernando Lopes é justa porque está certa. E é bela pelo mesmo motivo.

Que interessa pois que se estabeleçam comparações, que se fale de outro – se o há – cinema português? Os determinativos não interessam. Interessa, sim, que se diga que Belarmino de Fernando Lopes é cinema e em cinema. Ou melhor: que agora se possa dizer que o cinema é também Fernando Lopes.

Texto em português de Portugal. Retirado da Revista "O Tempo e o Modo", 1ª série, nº 19, Setembro de 1964, p. 131-132. Disponível aqui.


[1] Não falo, como é evidente, de ordens de grandeza; falo de ordens de visão. Embora deva dizer que o nome de Godard e, sobretudo, Vivre sa Vie, me vieram constantemente à memória durante a projecção do filme. A mesma força no enquadramento, o mesmo olhar de frente, a mesma pureza dos raccords. É isso: a mesma ordem de visão [N. do A.]

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Clube do Filme: Os Verdes Anos

O Clube do Filme continua em atividade, mesmo durante a epidemia, em formato virtual. Sempre na quarta quarta-feira do mês nos reunimos para a discussão de um filme e textos relacionados.

O filme de agosto é "Os Verdes Anos" (1963), de Paulo Rocha.



Os Verdes Anos foi o olhar inaugural que mostrou que a lente, afinal, não serve para mentir e fazer uma ficção que distraia o nosso olhar. Serve para entrar pela verdade adentro e abrir a sua ferida, abrir os nossos olhos. E fazer ver que viver em Portugal, afinal, significa qualquer coisa. E que é por buscar os nossos sonhos como Rocha fez que vamos ao fundo do que interessa. Seja pelo inesquecível rodopio das suas personagens, entregues à frustração dos seus desejos (como quem se perde na inesquecível música de Carlos Paredes e nunca de lá sai), mas que sabe, por outro lado, que vive para amar por entre cada uma das suas notas. E que se isso não é possível, que se esqueça a vida, então.
- Francisco Valente
 
O filme está disponível para download neste link (caso expire, ou em qualquer dúvida, envie um email para nós: coletivoatalante@gmail.com)
.

Textos recomendados para leitura:
1) Folha da sessão do filme, por Manuel S. Fonseca: https://coletivoatalante.blogspot.com/2020/08/os-verdes-anos-1963.html
2) Biografia de Paulo Rocha, por Maria João Madeira: disponível neste link.


Como de costume, nosso propósito no Clube do Filme é discutir obras e textos com um pouco mais de tempo que nos debates após as sessões do cineclube, logo, o filme não será exibido na data. Recomendamos que o filme já tenha sido visto e também a leitura dos textos, porém isso não é exigido para participação. Optamos pelo encontro via plataforma Jitsi, uma vez que não exige senha, links confusos nem download de nenhum aplicativo para o desktop (porém caso queira acessar pelo celular, é necessário o aplicativo Jitsi para celular, de download gratuito). Devido ao formato virtual, não poderemos exibir com qualidade trechos do filme e de outros trabalhos, mas acreditamos ser importante retomarmos as atividades possíveis durante a pandemia. O ingresso, como sempre, é gratuito.

Serviço:

Clube do Filme: Os Verdes Anos, de Paulo Rocha
Dia 26/08 (quarta-feira)
Das 19h15 às 21h30
Via Jitsi: https://meet.jit.si/ClubedoFilmeAtalante
ENTRADA FRANCA

Realização: Coletivo Atalante


segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Os Verdes Anos, 1963

por Manuel S. Fonseca

Nos Verdes Anos, a pertinência da utilização do termo “novo” é de tal ordem que não seria difícil encontrar mais de uma dúzia de aplicações oportunas e razoáveis. Ressalvando o “Caso Oliveira”, não deve haver outro exemplo assim no cinema português. Adiante se conversará de escolhas estéticas, mas basta começar por onde se deve começar, pelo princípio: repare-se que Os Verdes Anos é a obra de estreia de um realizador, e é o filme de entrada de cena de um novo produtor, de novos técnicos, de novos actores, sem falar da novidade que representam os diálogos de Nuno de Bragança ou a música de Carlos Paredes.

Mas quando se diz “novo” a propósito de Verdes Anos, quer dizer-se mais do que a simples circunstância da estreia. Do que estamos ou devemos falar é do início efectivo de uma nova concepção de prática cinematográfica em Portugal, desde os processos de produção até a uma compreensão de mise-en-scène que viria a repor o entendimento do cinema como um fim no lugar do meio que quase fora nas décadas anteriores, em Portugal. Por esta razão, discordo em absoluto das leituras ainda hesitantes que, por vezes, insinuam que talvez o “cinema novo” tenha começado com Dom Roberto de Ernesto Souza e com Pássaros de asas cortadas de Artur Ramos. Repare-se que, se quisermos por mera especulação, os factos corroboram a novidade radical de Os Verdes Anos. Não só o filme se inseria numa estratégia de produção que visava à continuidade (um produtor, Cunha Telles, reúne à sua volta os cineastas disponíveis – disponibilidade física e teórica, entenda-se – e são eles Paulo Rocha, Fernando Lopes, Fonseca e Costa e António de Macedo), como igualmente essa produção se dotara previamente de quadros técnicos formados pelo 1º Curso de Cinema do Estúdio Universitário de Cinema Experimental, onde Cunha Telles era também elemento capital, e donde, no domínio da fotografia, do som e da montagem sairiam as figuras de referência de todo o cinema português que se segue aos Verdes Anos, pelo menos até aos anos oitenta. A simples leitura das fichas técnicas de Verdes Anos, Belarmino, Domingo à tarde mostra a existência de um corpo unificado que acompanha os realizadores dos filmes produzidos por Cunha Telles (lá estão Fernando Matos Silva, Elso Roque, Acácio de Almeida, Alexandre Gonçalves). Não falo sequer da diferença de espírito entre Os Verdes Anos e os “pré-históricos” Dom Roberto e Pássaros de asas cortadas, ou da abissal diferença de repercussão na crítica europeia, ou até do envelhecimento destes últimos filmes quando comparados com o crescente enriquecimento que a passagem do tempo parece ter trazido aos Verdes Anos...

Por vezes – e uma vez não são vezes – não é despiciendo falas de grandezas, cabendo dizer-se que há em Paulo Rocha uma grandeza, ainda que não da mesma ordem da de Oliveira, que jogou contra o sucesso de Os Verdes Anos, em termos imediatos. Essa grandeza é da irrisão dos temas face à sua visualização. Daí que, computados os seus filmes, parece haver, em comparação com Oliveira, por exemplo, uma dispersão temática que faz da obra de Rocha uma obra aparentemente sem núcleo. Falta ainda, e não é este o lugar próprio para fazer a leitura que esses filmes “pedem”, uma leitura eminentemente visual, onde os temas sejam parte subsidiária, estabelecendo, então sim, os pontos que podem dar unidade a filmes tão distintos como Os Verdes Anos e Vanitas.

Não admira que, nos anos sessenta, a recepção crítica portuguesa aos Verdes Anos fosse, por isso mesmo, extremamente equívoca. (E, até nisso o filme de Paulo Rocha é distinto de Dom Roberto e, sobretudo, dos Pássaros...). A crítica, dominada pela urgência social – pela ditadura do neo-realismo, se quisermos chamar as coisas pelo seu nome –, que obrigatoriamente exigia à obras “uma estrutura verdadeiramente dialéctica” (a expressão é da época) agarrou-se à história, ainda por cima com um tema tão socialmente prometedor, do jovem provinciano que chega à cidade, apostando tudo nesse confronto entre campo e cidade.

Numa entrevista da altura (Jornal de Letras e Artes, 6 de Maio de 64), Paulo Rocha bem tenta desfazer o equívoco: “Normalmente estamos habituados a sobrevalorizar a história em relação à mise-en-scène. Nos Verdes Anos tentou-se ir contra isso. O que mais interessava era a relação entre o décor e o personagem, o tratamento da matéria cinematográfica. Eram as linhas de força, num plano, que davam o seu peso e a sua importância”. Foi isso que a crítica “socialmente empenhada” não compreendeu, nem poderia, por desajustamento dos parâmetros de avaliação, compreender. Daí que se falasse num filme “mecânico no retrato das relações sociais”, ou de um filme com evidente “insuficiência de notação psicológica” das personagens. Apetece dizer que tinham razão, embora não fosse a razão que julgavam ter.

Ilda (Isabel Ruth) e Júlio (Rui Gomes) não têm, de facto, profundidade psicológica, em sentido tradicional, quero dizer, literário. No entanto, se pensarmos visualmente Os Verdes Anos, descobriremos que a raiz social comum das duas personagens, é pulverizada pela diferença de espaços que habitam, diferença que o filme de Paulo Rocha rigorosa e obsessivamente mostra. Júlio está indissoluvelmente ligados às caves (a sapataria) e a sua visão é determinada pela esquadria rectangular e horizontal da janela que fica ao nível da rua. Repare-se, aliás, que a personagem é sempre associada ao tema pontuador dos sapatos, outra das referências ao ponto de vista raso que é o seu. (Parêntesis para estabelecer filiações cinéfilas: é por esse ponto de vista raso e ao nível do solo e pela divisão em linhas horizontais do espaço de cada enquadramento que a herança japonesa, de que Paulo Rocha se reivindica, está já presente nos Verdes Anos).

Ilda situa-se ao nível médio do espaço urbano, onde, ao contrário de Júlio, se move com ligeireza e à vontade. Comungando da mesma origem social, Júlio e Ilda estão separados pela arquitectura e, arquitectuta oblige, pelo comportamento. Por aqui se vê que, mesmo a título de leitura sociológica da cidade no fim do salazarismo, o filme de Paulo Rocha fartava-se de ser agudo e pertinente. Também aqui se justifica a abertura de um segundo parêntesis para estabelecer influências e afinidades: a disposição arquitectónica de Os Verdes Anos pode ver-se como uma homenagem a Fritz Lang, cuja influência me parece igualmente incontestável na criação desse clima negro que, a pouco e pouco, se vai apoderando da cidade, até culminar no “episódio daquela noite”. É esse crescendo nocturno, tão característico do Lang “americano”, que nos prepara afinal para a sequência fatal, suavizando a sua aparente e abrupta irracionalidade.

No seu livro, Vinte Anos de Cinema Português: 1962-1982, Eduardo Prado Coelho, num texto de análise aos Verdes Anos insiste na desproporção “entre a placidez em que todo o filme decorre e o gesto final, violento e desmesurado, de Júlio”, apontando essa desproporção como “uma das molas dramáticas mais interessantes deste filme”, embora não deixe de nos avisar contra o “melodramatismo bastante incomodativo”. Ao invés, Paulo Rocha sustenta que “se em vez de estarem atentos à história e às palavras, olhassem o tratamento dado a estas, não haveria dúvida possível, ao nível da mise-en-scène era uma progressão inexorável”. Em que devemos ficar: na desproporção de Prado Coelho ou na inexorável progressão de Paulo Rocha?

Já que este é um texto de “desacordos” feito, permito-me discordar também de Eduardo Prado Coelho. De resto, toda a leitura de Os Verdes Anos é ainda, salvo retórica própria, muito semelhantes às leituras temáticas dos anos sessenta, ou seja, uma leitura de privilégio do temático em detrimento do formal. Só isso explica que se fale de “ingenuidade do protagonista” ou que se opte pela classificação simples de “um filme de campo contra a cidade”. Eduardo Prado Coelho deixou-se iludir, creio, pelas falsas pistas que Paulo Rocha espalhou pelo filme, a começar pela mais óbvia, a do título. De facto, a última coisa de que aqui se trata é de “verdes anos”. Estamos, desde o princípio, perante uma personagem (Júlio) que simula “bons sentimentos”, mas cuja contenção – e até uma certa gaucherie de comportamento – silencia o pendor trágico. Que a tragédia seja filmada tão subtilmente – como se de um murmúrio se tratasse – eis o que despistou mesmo os mais avisados, fazendo-os deslizar para a visão meramente lírica, sem perceberem que, em filigrana, todo o filme fala do sentimento do náufrago e que a explosão – se quiserem, para voltarmos à disposição arquitectónica, o nivelamento do subterrâneo e das alturas – está sempre prestes a irromper.

Os Verdes Anos é um filme do subterrâneo contra a altura, é um filme sobre a ascensão e o mergulho. Não sou eu quem o diz. É o plano de pedra lançada ao poço, é a cena do elevador de Santa Justa, com a sintomática réplica do tio a propósito “dos tipos que se lançam dali a baixo”, quem o diz é a sequência do par em casa dos patrões, terminando com o contra-plongé dos tectos e candeeiros, metáfora de um mundo às avessas em que o constrangimento de Júlio nunca é escamoteado. Afinal, todo o filme é a lenta e delicadíssima maturação da sequência final, constituída por dois movimentos tão bruscos como lógicos: em primeiro lugar, a subida rápida de Júlio a casa dos patrões de Ilda, dando-se o caso, mas não o acaso, de ser essa a primeira vez que Júlio se comporta de um modo quase alegre e, dir-se-ia, aliviado; em segundo lugar, após o crime, temos a descida abrupta pelas escadas – e o elevador, e os medos que ele desperta, é, como os sapatos, um dos sinais pontuadores recorrentes, a merecer por si uma tese – até aos três planos finais, esmagadores, repondo (e a figura que se desenha é a pirâmide) a hierarquia da ordem humana e divina, e impondo um silêncio que fica como o melhor som de Os Verdes Anos. Tão sublime como esse silêncio é apenas a elipse portentosa do crime, humilde homenagem de Paulo Rocha a Jean Renoir, de quem foi assistente em Le Caporal Epinglé [O Cabo Ardiloso, 1962], tão semelhante é o pudor demonstrado, como assinalou, em 1963, em texto publicado no Jornal de Arte e Letras, António-Pedro Vasconcelos, para que, depois, Alberto Vaz da Silva, no Tempo e o Modo, pudesse, na mais bela síntese do filme, assumir criticamente a importância dos Verdes Anos, e cito: “os filmes belos como o seu conhecem-se como o cristal, pelo toque”.   

Texto em português de Portugal. Disponível em “Paulo Rocha: As folhas da cinemateca”, páginas 31-35, Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema (livro indisponível no Brasil).

terça-feira, 16 de maio de 2017

Oficina de crítica cinematográfica: Cinema moderno




Cinema é a arte das imagens em movimento. Como arte é o canal de expressão de homens e mulheres que concebem o mundo sob um prisma poético. Como imagens é o espelho da humanidade nos últimos 120 anos: suas ilusões, vergonhas, vitórias e medos projetados em 24 quadros por segundo. E como movimento é a música da luz, a montanha russa nas mais impressionantes paisagens do inconsciente.

Tudo isso, porém, quase sempre passa batido na nossa convencional fruição de filmes. A dieta viciada de audiovisual imposta pela grande e pequena indústria de imagens nos impede de observar o universo por trás dos "roteiros e atuações".

Nesse sentido a Oficina de Crítica Cinematográfica, ministrado por Miguel Haoni (do Coletivo Atalante), propõe, com a ajuda da História Contemporânea e da Filosofia da Arte, lançar outro olhar sobre o cinema .

A oficina pretende observar como diferentes cineastas concebiam a arte em contextos chave de sua história. A partir do debate crítico, leitura de textos e análise de filmes investigaremos de que maneira esta linguagem de imagens é tecida na construção de discursos e sensações, configurando parte fundamental de nossa experiência no mundo contemporâneo
.

Programa:
1° Unidade – Neo-realismo italiano
2° Unidade – Novo cinema português
3° Unidade – Cinema francês dos anos 70
4° Unidade – Nova Hollywood

Sobre o neo-realismo:
"Essa perfeita e natural aderência à atualidade se explica e se justifica interiormente por uma adesão espiritual à época. A história italiana recente é sem dúvida irreversível. A guerra não é ressentida ali como um parênteses, mas como uma conclusão: o fim de uma época. Em certo sentido a Itália só tem três anos. Porém, a mesma causa podia produzir outros efeitos. O que não deixa de ser admirável, e de assegurar para o cinema italiano uma audiência moral bem ampla nas nações ocidentais, é o sentido que a pintura da atualidade ganha ali. E, ainda, em um mundo já obcecado pelo terror e pelo ódio, onde a realidade quase nunca é amada por ela mesma, mas apenas recusada e defendida como um sinal político, o cinema italiano é certamente o único que salva, no próprio seio da época que ele pinta, um humanismo revolucionário.”
(André Bazin, O realismo cinematográfico e a escola italiana da Liberação)

Sobre o Novo Cinema Português:
"Outro debate sobre o novo cinema consiste na dúvida se o Cinema Novo foi apenas inovador em nível estético, ou também ofereceu, apesar de censura e auto-censura, leituras políticas da sociedade? Ele efetuou de fato uma ruptura ou foi também continuidade? Nenhum dos primeiros filmes do Novo Cinema é panfletário, como também não o seriam os filmes realizados posteriormente. A política só podia invadir o cinema português após a revolução pacífica do 25 de Abril em 1974 que pôs fim ao regime totalitário. Mas tanto Acto da Primavera quanto Os Verdes Anos denunciam a realidade: o filme de Manoel de Oliveira em um sentido universal, humanista e cristão, enquanto o filme de Paulo Rocha capta a frustração e as poucas possibilidades da sociedade portuguesa classista e opressiva. Muitos outros filmes do Cinema Novo, como O Cerco (1969) de António da Cunha Telles, O Recado (1971) de José Fonseca e Costa, Uma Abelha na Chuva(1971) de Fernando Lopes, entre outros, tiveram esta envergadura de se opor entrelinhas, através de ambientes pesados ou dúbios, ou camuflado em narrativas complexas ou fragmentadas, ao regime totalitário e os seus efeitos na sociedade, mesmo que fosse de forma metafórica ou alegórica."
(Carolin Overhoff Ferreira, O Novo Cinema Português)

Sobre o pós-Nouvelle Vague:
"O que faremos agora é analisar brevemente, por meio de exemplos, como se manifestaram essas tendências estéticas que surgiram - e que não foram as únicas, evidentemente - em resposta à crise da mise en scène deflagrada pelo cinema moderno. (...) Por ora, veremos como Pialat, Eustache e Garrel, três cineastas pertencentes a um mesmo momento do cinema francês (o pós-nouvelle vague) posicionam-se propositalmente abaixo da "linha" da mise en scène, recuando às características originais do cinematógrafo e buscando o acesso imediato a uma emoção que, para ser captada em toda sua intensidade, não pode estar refratada por nenhum excesso de linguagem"
(Luiz Carlos Oliveira Jr., A crise da mise en scène no cinema moderno)

Sobre a Nova Hollywood:
"Acreditamos que a topografia do cinema moderno norte-americano, na qual a Nova Hollywood é catalisadora das suas principais linhas de força, deve ser estudada não só a partir do cânone estabelecido nos filmes realizados dentro do aparato da indústria (os filmes de Steven Spielberg, George Lucas, Paul Schrader e William Friedkin), mas também do fenômeno que aconteceu nas bordas de Hollywood e que ajudou direta ou indiretamente na renovação de formas, temas e quadros técnicos e artísticos da indústria - e que também possibilitou ao cinema americano assumir uma noção de modernidade que outras cinematografias do mundo já haviam assimilado, mais precisamente nas suas relações com a representação, com a revisão dos gêneros cinematográficos e com a intervenção da realidade nos filmes. Abandonou-se o velho naturalismo da era dos estúdios em função de um realismo mais acachapante: a televisão e as suas emblemáticas transmissões do assassinato do presidente John F. Kennedy e da Guerra do Vietnã, sínteses do desencanto e da perda da inocência, obrigaram o cinema a repensar o seu lugar e o seu papel dentro da sociedade americana. Não se podia ignorar que o horror da realidade e a mediação da televisão (com seu potencial ambíguo de documento e manipulação) transformaram a relação dos cineastas e da sociedade com as imagens."
(Francis Vogner dos Reis e Paulo Santos Lima, Nova Hollywood)

***
A Oficina de crítica cinematográfica: Cinema moderno (ministrada por Miguel Haoni do Coletivo Atalante) oferecerá uma abordagem teórica do cinema a partir do estudo de textos fundamentais e da apreciação de filmes. Filmes e textos, permitirão um percurso geral e específico em alguns capítulos essenciais da história recente do cinema.
Começaremos investigando de que maneira alguns italianos, nos anos 40, ofereceram uma nova saída ética e estética para o cinema em tempos de crises extremas.
Na sequência estudaremos a irrupção do cinema moderno em Portugal nos anos 60, e a crise do cinema moderno na França de Maurice Pialat, Jean Eustache e Philippe Garrel. 
Por fim, uma leitura sobre a renovação do cinema americano nos anos 70, quando a geração de Coppola, Scorsese e De Palma entram em cena.
Com este recorte, ao mesmo tempo amplo e restrito, a oficina pretende a formação do olhar crítico com embasamento histórico sobre a arte cinematográfica e suas diversas dimensões.

Referências bibliográficas:
BAZIN, André. O cinema - ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Blog do Lucky Star - Cineclube de Braga: http://luckystarcine.blogspot.com.br/
Foco - Revista de cinema: http://focorevistadecinema.com.br/
LIMA, Paulo Santos (org.). Easy riders: o cinema da Nova Hollywood. CCBB: 2015.
MAMEDE, Liciane. Cinema Novo: os verdes anos do cinema português. São Paulo: CCBB, 2008.
OLIVEIRA JR., Luiz Carlos. A mise en scène no cinema. Campinas: Papirus, 2013.

Referências fílmicas:
A vida como ela é. Jean-Claude Brisseau. FRA. 1978. cor. 95 min.
Ladrões de bicicleta. Vittorio De Sica. ITA. 1948. p&b. 93 min.
O espantalho. Jerry Schatzberg. EUA. 1973. cor. 108 min.
O estrangulador. Paul Vecchiali. FRA. 1970. cor. 93 min.
Paisá. Roberto Rossellini. ITA. 1948. p&b. 125 min.
Veredas. João César Monteiro. POR. 1977. cor. 120 min. 

Serviço: 
dias 19, 21, 23, 26, 28, 30/06, 03, 05 e 07/07 (segunda quinzena de junho e primeira semana de julho)
(segundas, quartas e sextas)
das 19 às 21 horas
na KNN Idiomas Bacacheri
(Rua Maximino Zanon, 598. Esquina com a rápida Canadá – Bacacheri - Curitiba/PR)

Inscrições pelo email: coletivoatalante@gmail.com
Investimento: R$150,00
VAGAS LIMITADAS