(fragmentos)
(...)
Ainda bloqueado pelo sistema econômico do cinema
francês, Eustache passou muitos meses escrevendo A Mãe e a Puta. Estava obcecado
por este projeto autobiográfico e sonhava constantemente com ele. Em 1971, sem
fundos e sem outra coisa para fazer, ofereceu-se para montar meu filme Uma Aventura de Billy the Kid.
Frente à moviola, sem interromper a montagem, recitava o diálogo que havia
escrito em seu grande caderno na noite interior. O roteiro era uma série de
conversações (um pouco como Rohmer), e estava testando-mo, tal como havia feito
com outros, observando nossas reações aos paradoxos formulados por seu herói
Alexandre, que seria vivido por Jean-Pierre Léaud. O que surgia era um tipo de
anarquismo de direita, não muito distante ao das novelas de Céline. Não havia
motivos ideológicos por trás de tudo isto, mas sim a necessidade de provocar
própria de Eustache, e pelos fins de 68 é necessário dizer que o anarquismo de direita
era bastante provocativo. Também era a vingança de Eustache contra um sistema
cinematográfico que o havia excluído. O êxito de A Mãe e a Puta se apóia provavelmente na necessidade
de Eustache e Léaud de empreender este improvável trabalho de logorréiaanti-conformista.
Mas o filme também capturou a fala e particularmente as ações do período que
seguiu 68 sem edulcorá-las. Poderia ser dito que a força do filme vem dessa
mescla insolente de sentimentos de direita e esquerdismo sexual.
(...)
Convertido em uma celebridade, agora Eustache
poderia retomar seu velho projeto de Mespetitesamoureuses.
A história se passa em sua cidade natal e é vista através dos olhos de um
garoto de 13 anos. Mais uma vez, há aparentemente uma mudança completa de
direção: depois de passar dos documentários regionais à ficção parisiense mais
autoral já criada, Eustache retorna à crônica provincial, centrada num garoto
bastante comum. Quatro anos antes de rodar o filme, ele me disse que queria
reconstruir a sua infância: cada seção de parede, cada árvore, cada poste de
eletricidade. Segundo Eustache, era o único modo de transferir impressões
infantis a um filme.
Mespetitesamoureuses é muito eficaz no modo em que traz à luz alguns rituais franceses: de certa forma, o próprio núcleo do trabalho de Eustache. Neste caso, trata-se dos ritos do cortejo adolescente: lugares tradicionais para encontros durante caminhadas, o repertório de improvisos românticos de garotos e garotas e as distâncias mantidas entre eles, os primeiros beijos. Entre os rituais franceses registrados fielmente por Eustache temos: o esquartejamento de um porco, a eleição da Rosière, festas dançantes dos subúrbios (Lesmauvaisesfréquentations), passeios por ruas de Narbonne (Le pèreNoël), inclusive conversações de café do sexto distrito parisiense (A Mãe e a Puta).
(...)
Voltando a Mespetitesamoureuses,
sente-se uma voluntária sobriedade no comportamento dos atores e no seu estilo
de atuação, como também a influência de Bresson. Mas Bresson é um mestre perigoso
para imitadores. Há um princípio de dicção em seus filmes que, em absoluto, não
dramatiza, mas que ao mesmo tempo possui a sua própria música, e tal coisa
termina sendo inimitável. E o princípio tão bressoniano de cenas curtas, todas
de duração similar, tornava-se monótono ao cabo de horas: quando nos
acostumamos, já temos ideia de como acabará cada episódio. O ritmo particular
do filme, entre outras coisas, explica o seu fracasso comercial. Rodado em
cores, em 35 mm. (em oposição ao preto e branco em 16 mm.de A Mãe...), Mespetitesamoureuses custou muito mais que o seu
longuíssimo e escandaloso predecessor, convocando apenas a metade de seu
público na França. Mais uma vez Eustache se viu forçado a conformar-se com
média-metragens e curtas.
(...)
Há outros pontos de referência para os filmes de
Jean Eustache, incluindo John Cassavetes (A Mãe e a Puta não se encontra muito distante de Faces) e especialmente Maurice
Pialat, a quem Eustache admirava. Há um número de semelhanças, tanto em termos
de tema como de feitura, entre Mespetitesamoureuses e Infância
Nua, filme de estreia de Pialat. Não é casual que Pialat tenha um pequeno
papel no filme de Eustache.
Dois diretores excessivos, destemperados,
apaixonados, que se distinguiram pela rejeição às grandes e complexas construções
dramáticas e a exploração de situações, a favor de uma penetrante observação do
comportamento humano e uma certa aversão à plasticidade.
Luc Moullet
(FilmComment nº 36, setembro 2000, pp. 38-43.
Traduzido por Felipe Medeiros)
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