quinta-feira, 21 de agosto de 2014

PASSE TON BAC D'ABORD


Maurice Pialat, França/Canadá, 1978

Não ter promessas de futuro é uma condição de vazio extremo. É diferente de não ter qualquer futuro. A completa falta de futuro dá ao presente a liberdade de se viver ao máximo até o fim. É diferente também de ter um passado que constantemente retorna ao presente e que possibilita identidade, trajeto, projeto, enfim, futuro. Não ter promessas de futuro é ser um fantasma que vaga num presente eterno, que não produz, nem se consome. Apenas se é, palidamente.
Essa é a experiência de Passe ton bac d’abord. Acompanhamos um ano da vida de Elizabeth, Philippe, Bernard, Patrick, Valérie e outros jovens que vivem em Lens, cidadezinha estagnada do norte da França. Lá não há nada pra fazer, a não ser beber, fazer sexo com as mesmas pessoas e jogar o tempo fora no café do Hotel Caron. É o último ano do ensino médio, momento de preparação para conseguir o Baccalauréat, o bac, e tentar ingressar em alguma universidade ou conseguir um bom emprego. Mas todos desistem, pois para eles não faz diferença. Não há empregos bons, não há chance nas universidades boas. Há Lens, as minas de carvão, as fábricas de tecido, as tentativas sempre frustradas de tentar a vida em outro lugar.
Duas coisas assustam em Passe ton bac d’abord. A primeira é que o vazio não parte de uma reflexão diante do mundo, de uma postura que podemos reduzir grosseiramente como existencialista. O vazio parte da barreira material, do reconhecimento da falta de possibilidades e da certeza de que todos irão viver e morrer em Lens, exatamente como seus pais. Vemos aí a marca de Pialat, o cineasta da “França profunda”, dos subúrbios, dos excluídos, de L’amour existe, de L’enfance nue. A segunda é que essa experiência acontece para jovens que sequer chegaram aos seus 20 anos, mas que tem a forte sensação de que a vida já acabou, pois algo que lhes fora prometido, não vai ser cumprido.
Mesmo assim, não significa que Passe ton bac d’abord seja um filme carregado de luto. Ele é mais carregado de ansiedade. Pialat opta por acompanhar o ano desse grupo e enquadra seu filme entre duas aulas de filosofia, a primeira marca a desistência de se formar, a segunda o retorno e a resignação. Em ambas, o professor repete o discurso: para entender a filosofia é necessário desaprender. Nesse meio tempo, é justamente o que fazem, desaprender como estratégia para fazer diferente. Tentam fugir, amar, formar outra família, trabalhar no que é possível, se divertir na praia. Nada dá certo. Não realizam mais do que uma série de gestos dispersos que, por acumulação, são submergidos por uma profunda desolação que não parece vir de qualquer lugar em especial. Todo trabalho de Pialat parece estar em dar forma a essa variação de ansiedades, em cenas que investem na saturação do trabalho do ator, sem que desemboquem para qualquer resolução. A vida apenas passa, sem escolha.
Essa forma narrativa que Pialat emprega lembra muito Tchekhov. Peças como A Gaivota, Três Irmãs, Tio Vânia eJardim de Cerejeiras são compostas por um empilhamento de cenas, por personagens ansiosos que não param de fazer coisas banais e que, no final, são tomados por uma profunda desolação, que surge sorrateiramente no meio de todo esse barulho. É isso que sentimos em Elizabeth, que tem problemas com os pais e sai com quantos rapazes puder. De repente conhece Philippe, se apaixona, sofre com a relação, fica ainda mais estressada com sua família, tenta fugir sem sucesso de Lens e termina grávida, na casa dos pais, nas vésperas de seu casamento protocolar no ano em que tentará novamente o bac. Em casa, sem prestar muita atenção, ela responde à mãe que o arranjo de enfeites para seu casamento está ótimo. Nesse momento, um corte para a tela preta e os créditos finais se iniciam. As promessas de futuro acabam. Só resta esperar.

Lucian Chaussard
(texto original:  
http://www.contracampo.com.br/97/pgpassetonbac.htm)

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