(...)
Mas
sendo esta uma colecção de filmes sob a memória e a palavra de Daney será
incompreensível que não se invoque/evoque a mesma. Sobre Cimino disse: “A ambição de Cimino nunca foi pequena. Dar aos outros e a si próprio o
sentimento de tudo começar do zero. Como se o cinema nada tivesse ainda
mostrado e como se não se tivesse visto ainda nada. Verdadeira ambição de
cineasta“. Nem mais.
Um cineasta como Michael Cimino é um que toma o cinema como objecto de
refundação (a palavra está na moda) de um pais, de uma nacionalidade. Esta
compreensão pessimista da pátria americana valeu-lhe a glória e a
desgraça; Heaven’s
Gate (As Portas do Céu, 1980) foi a desgraça, custou perto
de 45 milhões de dólares e conseguiu apenas 1 em bilheteira. Foi o
filme que levou a United Artists à falência e transformou em besta o bestial
realizador. Filme truncado pelos estúdios (para
tentar minimizar os prejuízos), vê-se agora em versão restaurada
e estendida.
Porque o tempo tudo cura, vemos agora
a bisarma em estado puro; eu, por nunca ter visto a versão truncada, encaro a
obra com olhos igualmente virgens. E mais que os revisionismos do oeste ou a
prespectiva negativista, o que me espanta (mais que tudo) neste filme é a sua
capacidade de passar do geral ao singular e de fazer o trajecto em sentido
contrário, balançando entre o épico histórico e o épico romântico. Cimino
percebeu que só se pode filmar o horror (e ele filma-o sem pejo) se podermos
primeiro lavar a vista com candura. Para isso veja-se a cena da valsa logo a
abrir o filme – alegria a brotar do ecrã a rodos – que faz um racord simbólico
com a batalha final, também ela em constante movimento circular – o horror a
rodos. Todo o filme vive nessa corda bamba: a cidade e o comboio com os seus
barulhos e fumaradas e confusão (e centenas de figurantes) a par do campo e das
montanhas na sua calma bucólica; cada um destes territórios é infectado pelo
outro, até que no final já não há terra que valha a James, só o mar o pode
ainda acolher. Cinco palas e muitas palmas (há filmes assim, saimos da sala
e estranhamos as coisas cá fora, lamentamos que o projector tenha
parado e que só nos reste voltar para casa e viver a nossa vida).
(...)
(Texto na integra: http://apaladewalsh.com/2012/11/20/leffest-2012-filmes-de-daney-2/)
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