quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Minicurso de história do cinema: o cinema clássico japonês

INSCRIÇÕES ENCERRADAS

Dando prosseguimento aos minicursos mensais de história do cinema, o Sesi oferece no dia 30 de agosto (sábado) das 8 às 12 e das 14 às 18 horas, no Sala Multiartes do Centro Cultural Sistema Fiep, minicurso sobre o Cinema Clássico Japonês.
Ministrados pelo cineclubista Miguel Haoni, do Coletivo Atalante, os mini-cursos têm carga horária de 8 horas, inscrições gratuitas e vagas limitadas. 


A tradição do cinema narrativo clássico no Japão
cinema clássico grassou uma rcepção mundial imensa atingindo os mais distantes pólos de produção. No Japão, os cineastas que antes, durante e após a Segunda Guerra operavam a matriz melodramática associada ao zen e à crise da modernização, ofereciam ao mundo uma forma particular de arte. o enquadramento de Mikio Naruse, a decupagem de Yasujiro Ozu e a mise-en-scène de Kenji Mizoguchi não apenas representavam uma variação formal mas uma maneira única e inovadora de observar o mundo.


Sobre o primeiro mestre a chegar no ocidente, Kenji Mizoguchi:
"Os franceses, sempre os franceses, por intermédio dos Cahiers du Cinéma, empreenderam sua canonização. Várias críticas, trechos de roteiros traduzidos, as memórias de Yoda e até algumas monografias foram publicados. Num período no qual Ozu, Naruse e outros permaneciam praticamente desconhecidos no ocidente, Mizoguchi representava a única grande alternativa ao espetacular e complexo Kurosawa. Os elogios chegaram a ser superlativos. "Kenji Mizoguchi é para o cinema", escreveu Jean Douchet, "o que Bach é para a música, Cervantes para a literatura, Shakespeare para o teatro, Ticiano para a pintura: o maior". Seu ritmo fluido e suas imagens refinadas incorporaram a mística da mise-en-scène que era central à estética dos Cahiers. O êxtase de Sarris diante da visão do lago cintilante de madame Yuki pertence a essa linha de pensamento. Godard escreveu que Mizoguchi queria simplesmente "deixar as coisas se apresentarem, com a mente intervindo somente para apagar seus próprios rastros". Jacques Rivette observou que seus filmes, mesmo muito distantes culturalmente, "falam a nós numa linguagem muito familiar. Que linguagem? A única a que os diretores devem aspirar, a da mise-en-scène".
(David Bordwell, Figuras traçadas na luz)

Unidades:
1 - Velho romantismo e novo realismo
2 - Arte do espaço
3 - Os encantos da rotina

Referências:
1 - NAGIB, Lúcia (org.) Mestre Mizoguchi - uma lição de cinema. São Paulo: Navegar Editora, 1990.
2 - NAGIB, Lúcia e PARENTE, André. Ozu - o extraordinário cineasta do cotidiano. São Paulo: Marco Zero, 1990.
3 - "Tormento". Mikio Naruse. 1964. JAP. p&b. 98 min.

Serviço: 
dia 30 de agosto (sábado)
das das 8 às 12 e das 14 às 18 horas
na Sala Multiartes do Sistema Fiep
(Av. Cândido de Abreu, 200 - Centro Cívico - Curitiba/PR)

Realização: Sesi (http://www.sesipr.org.br/cultura/)
Produção: Atalante (http://coletivoatalante.blogspot.com.br)

2 comentários:

  1. SESI – Coletivo Atalante
    Curitiba, agosto 2014

    Minigrafia para um minicurso: o cinema clássico japonês :

    “uma tentativa de leitura à luz da psicanálise ”
    ou
    “uma pseudoanálise”

    Vera Lúcia de Oliveira e Silva

    1. Por que uma pseudoanálise?

    Porque uma psicanálise é outra coisa: é um trabalho de deciframento do próprio destino a partir da própria produção significante – chistes, atos falhos e sonhos – sob transferência.

    Tomar a produção de outros – no caso, cineastas – para, no conforto da distância, fazer uma leitura psicanalítica, só se pode classificar como uma pseudoanálise.

    2. Mizoguchi

    2.1. A nova saga do clã Taira (fragmento)

    Freud, escutando seus pacientes, isolou temas recorrentes nas fantasias que compõem a novela familiar do neurótico.
    No fragmento do filme que se examinou, encena-se uma dessas fantasias: a de não sermos filhos de nossos próprios pais, cujas imperfeições, reais ou imaginárias, não condizem com nossos ideais mais caros.
    Em vez, fantasiamos que somos filhos de outros pais – sublimes – que, mais dia menos dia, voltarão para nos resgatar de nossa miséria humana.


    2.2. Os amantes crucificados (fragmento)

    Sem recusar o possível projeto político de Misoguchi – fazer pensar que uma tradição que crucifica amantes precisa ser revisada e corrigida – essa interpretação não resolve um problema: o que eternizaria esse panfleto, para além da circunstância em que ele comove?

    Respondo: o trágico.

    O tema heróico da morte vitoriosa surge em sua grandeza: Osan afirma sua ética – a ética do desejo – subtraindo-se, à moda de Antígona, à lei insensata. Vence porque morre e morre porque vence. Arrasta consigo o seu amante, que não lhe opõe resistência alguma. O que vence é o dualismo pulsional: vencem o amor e a morte - juntos.

    Para mim, é a tragédia que eterniza esse filme, por encenar um Real que nos concerne a nós todos, em qualquer tempo ou lugar – seres-para-a-morte que somos.

    Ali, na dimensão trágica, nós nos reconhecemos nosso próprio destino e o preço a pagar por viver.

    É assim que – ao tocar um tema universal – Misoguchi, sabendo disso ou não, inscreve seu filme no tempo do eterno.


    2.3. A rua da vergonha (fragmento)

    Encena-se um elemento recorrente na novela humana: o horror diante do desejo do Outro.

    2.4. Contos da lua vaga (filme na íntegra)

    O filme serve para mostrar a decalagem entre o Real e o Imaginário. A guerra é o pano de fundo de horror sobre o qual se encena a aposta nos ideais e suas miragens. Simultaneamente acaba a guerra e caem os ideais, sendo os homens devolvidos à terra: Miyagi, assassinada quando tenta defender o alimento de seu filho, retorna, literalmente, ao pó; Genjuro, à cerâmica; Tobei, à lavoura. Não por acaso, retornam ao húmus, à condição humana fundamental.

    2.5. Utamaro e suas cinco mulheres (filme na íntegra)

    O filme encena dois destinos pulsionais possíveis: a passagem ao ato e a sublimação.

    Okita escolhe o primeiro: toma seu objeto pela via mortífera – passa ao ato.

    Quando se dirige a Utamaro, antes de se entregar ao próprio castigo, equipara seu crime à arte do pintor. Que, com a máxima alegria, se entrega à sua própria escolha: a sublimação.

    Se em uma alternativa o que se produz é a pura destruição – a do outro e a de si mesmo – na outra, o que floresce é a vida e a beleza. Uma estética que supõe uma ética.

    Quando Mizoguchi põe na boca de Okita palavras que aproximam as duas alternativas à sua raiz comum, ele mostra que bebeu na mesma fonte onde Freud identificou a pulsão e seus destinos.

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    1. 3. Mikio Naruse

      3.1. Tormento (filme na íntegra)

      Se tivesse que escolher uma só palavra para catalogar o filme, a palavra seria confronto. Assim, isolado: o confronto – substantivo, sem adjetivos.

      Naruse recorta, na realidade trivial do quotidiano, ao menos dois acidentes para falar deste essencial: o supermercado que ameaça os pequenos negociantes; e a moral utilitarista, encarnada pelas cunhadas que, não por acaso, se vestem à moda ocidental. Mas esses dois argumentos estão ali apenas para falar de forças que se confrontam.

      O recorte serve, resguardando-se que a experiência humana resiste à decomposição maniqueísta, pois vigoram o bem e o mal tanto no ocidente como no oriente, tanto na novidade quanto no velho ou no antigo.

      A que serve o recorte? A dizer de um fundamento do real da experiência humana – duas pulsões, fusionadas. Eros e Tânatus foram os nomes que Freud extraiu da mitologia grega para nomear este Real.

      Voltando ao filme: os confrontos mais óbvios não passam de ecos do confronto íntimo que a protagonista – Reiko – encarna. Eros transformado leva a mulher à condição de mãe (ou irmã mais velha) de seu cunhado – Koji – e a pulsão se estabiliza. Mas a estabilidade se rompe quando o homem bate à porta da mulher. Esta, dividida entre o desejo e o horror ao incesto, vacila. Ela faz sua escolha. Ele também.

      À primeira vista, confronto entre o desejo pelo homem e a tradição que lhe nega o acesso. Em outras palavras: o indivíduo – no caso a mulher – massacrado/a pelos valores tradicionais opressivos, que lhe barram a passagem à satisfação.

      Mas o Real precisa ser buscado ainda mais por baixo do pano, pois o grande confronto não se passa entre a cultura e o indivíduo, mas dentro deste mesmo, a quem nenhuma trapaça pode enganar.

      Atribuir à cultura a opressão do indivíduo ainda é chegar à borda do precipício apenas para retroceder em seguida. Como a verdade está mais embaixo, para o grande vôo é preciso saltar. Como fez Naruse


      4. À guisa de conclusão

      Esta leitura vem me mostrar que, por maior distância que se estabeleça entre ocidente e oriente, desde os marcadores externos da cultura, ainda se trata sempre da mesma humanidade. Vale dizer: sob os múltiplos conteúdos manifestos, os mesmos conteúdos latentes.

      Sob os semblantes de gueixas e samurais, sob os quimonos e as armaduras, por detrás dos ramos de ikebanas e bonsais, nos versos dos haicais, nos palcos do noh e do kabuki – e nos filmes dos grandes mestres japoneses – pulsa a mesma carne que Freud soube reconhecer e descrever, com palavras, como essencial à vida humana.

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